A autoridade pontifícia é de essência sobrenatural: ela é diretamente comunicada por Jesus Cristo ao eleito do Conclave, ela é constituída pela assistência divina, pelo “estar com” Jesus Cristo anunciado por Nosso Senhor a seus Apóstolos (Mt. XXVIII, 21): “Eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.”
Essa assistência divina se exerce de duplo modo:
1.°/ Absolutamente, no exercício pleno do poder pontifical, cuja infalibilidade é então estritamente garantida em cada caso:
— Magistério seja solene ou locução ex cathedra, seja ordinário e universal, ensinando uma verdade como revelada por Deus diretamente ou indiretamente, ou ensinando uma verdade de ordem natural necessária à guarda do depósito da fé, ou condenando um erro, ou afirmando um fato dogmático, ou certificando a lei moral;
— constituição de ritos sacramentais (infalibilidade quanto à conformidade com a fé católica e quanto à eficácia da graça);
— promulgação de leis gerais da Igreja (infalibilidade prática que garante que a lei não é nem má, nem nociva, nem insuportável; noutras palavras, que garante que quem se conforma a ela está [nisso] na via da salvação eterna);
— aprovação definitiva de ordens religiosas.
2.°/ Habitualmente, na condução cotidiana da Igreja, de tal maneira que é verdadeira a afirmação de Pio XII na Mystici Corporis: “O divino Redentor governa o seu Corpo Místico visivelmente e ordinariamente pelo seu Vigário na terra.”
Não é, pois, impossível que, fora desses casos em que a assistência divina se exerce de maneira absoluta, haja falha do Soberano Pontífice (muito evidentemente, se ocorresse falha desse gênero, esta não é imputável à assistência do Espírito Santo).
Conforme essas noções, uma falha pontual do Papa não se opõe formalmente à assistência habitual do Espírito Santo, e não a põe em causa (seria totalmente diferente o caso de uma falha duradoura).
Isso não é impossível. Mas aconteceu? E de que maneira? Tema bem difícil.
O problema do “Ralliement”, suscitado por alguns, poderia ser um desses casos. Se assim o fosse, não haveria que afirmar depressa demais que essa falha dispensaria da obediência: não há elo necessário entre infalibilidade e obediência, senão seria esse o caso de toda autoridade.
De minha parte, sem embargo, não creio que o “Ralliement” seja uma falha desse gênero. Com efeito, o ensinamento de Leão XIII em suas encíclicas Au milieu des sollicitudes e Notre consolation é irrepreensível. Considero os escritos de Robert Havard de La Montagne (Étude sur le ralliement, Librairie de l’Action Française, 1926) e de Jean Madiran (On ne se moque pas de Dieu, NEL 1957, pp. 91-119) muito esclarecedores.
O objeto da intervenção de Leão XIII é um apelo ao combate e a recordação das prioridades a observar entre os católicos: há que dar o primeiro lugar à luta contra a legislação perversa, antes que às querelas políticas sobre o regime.
Se houve erro de Leão XIII, foi um erro de fato: ilusão sobre o espírito de fé dos católicos franceses, por um lado, desconhecimento da razão profunda da divisão deles, por outro lado – e talvez também não ter percebido a malícia da política da República e a maldade dos republicanos.
A oposição entre os católicos de diferentes tendências referia-se muito mais fundamentalmente à questão do liberalismo que à questão do regime político. O resultado da intervenção de Leão XIII foi o triunfo do liberalismo; com efeito, é a interpretação liberal do “Ralliement” que prevaleceu por toda parte: entre os liberais, que escamotearam o chamado ao combate; entre seus adversários, que rejeitaram de um só gesto a interpretação liberal (com razão) e o ensinamento de Leão XIII (sem razão). O resultado é catastrófico, mas não creio que se possa atribuí-lo a Leão XIII; certamente não à sua doutrina, em todo o caso.
De qualquer maneira, aquilo que foi chamado de o “Ralliement” (a palavra não se encontra em Leão XIII) não pode ser pretexto para diminuir a Autoridade pontifícia, para cercear seu campo de aplicação, para restringir sua infalibilidade, para subtrair-se da obediência.
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