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Breve exame crítico do Novus Ordo Missae


Carta introdutória


Roma, 25 de setembro de 1969


Santíssimo Padre,


Tendo cuidadosamente examinado e apresentado ao escrutínio de outros a Nova Ordem da Missa preparada pelos especialistas do Comitê para a Implementação da Constituição da Sagrada Liturgia (Consilium ad exequendam Constitutionem de Sacra Liturgia), e após longa oração e reflexão, sentimo-nos obrigados perante Deus e Sua Santidade a apresentar as seguintes considerações:


1. O seguinte Estudo Crítico é o trabalho de um grupo seleto de bispos, teólogos, liturgistas e pastores de almas. A despeito de sua brevidade, o estudo demonstra de forma bastante clara que a Novus Ordo Missae – considerando-se os novos elementos amplamente suscetíveis a muitas interpretações diferentes que estão nela implícitos ou são tomados como certos – representa, tanto em seu todo como nos detalhes, um surpreendente afastamento da teologia católica da Missa tal qual formulada na sessão 22 do Concílio de Trento. Os “cânones” do rito definitivamente fixado naquele tempo constituíam uma barreira intransponível contra qualquer tipo de heresia que pudesse atacar a integridade do Mistério.


2. As razões pastorais apresentadas para justificar uma ruptura tão grave, ainda que tais razões pudessem ser sustentadas em face das considerações doutrinárias, não parecem ser suficientes. As inovações na Novus Ordo e o fato de que tudo o que possui um valor perene encontra ali apenas um lugar secundário – se é que continua a existir – poderiam muito bem transformar em certeza as suspeitas, infelizmente já dominantes em muitos círculos, de que as verdades que sempre foram objeto de crença pelos cristãos podem ser alteradas ou ignoradas sem infidelidade ao sagrado depósito da doutrina ao qual a fé católica está para sempre ligada. As reformas recentes demonstraram amplamente que novas alterações na liturgia não podem ser efetuadas sem levar à completa confusão por parte dos fiéis, os quais já demonstram sinais de relutância e um indubitável afrouxamento da fé. Entre os melhores clérigos, o resultado é uma agonizante crise de consciência, da qual um sem número de exemplos chega a nós diariamente.

3. Estamos certos, instigados pelo que ouvimos da voz dos pastores e do rebanho, de que estas considerações encontrarão eco no coração de Sua Santidade, sempre tão profundamente solícito às necessidades espirituais dos filhos da Igreja. Os sujeitos a quem uma lei se dirige sempre tiveram o direito, mais do que isto, o dever, de pedir ao legislador que ab-rogue esta lei uma vez que ela prove ser danosa. Portanto, em um momento em que a pureza da fé e a unidade da Igreja sofrem cruéis lacerações e um perigo ainda maior, diária e dolorosamente ecoado nas palavras de nosso Pai comum, nós fervorosamente rogamos a Vossa Santidade para que não nos prive da possibilidade de continuarmos a ter acesso à integridade fecunda do Missale Romanun de São Pio V, tão louvado por Sua Santidade e tão profundamente amado e venerado por todo o mundo católico.


†Alfredo Cardeal Ottaviani

†Antonio Cardeal Bacci

Roma, Festa de Corpus Christi, 1969.

 

BREVE EXAME CRÍTICO DO NOVUS ORDO MISSÆ


5 de junho de 1969

Pelo Reverendíssimo M.L. Guérard des Lauriers O.P. e patrocinado e co-assinado pelo Cardeal Alfredo Ottaviani e pelo Cardeal Antonio Bacci


I - Histórico da Mudança.

Em outubro de 1967, foi pedido ao Sínodo de Bispos que se reuniu em Roma para que emitisse um julgamento a respeito de uma celebração experimental do que foi chamado à época de uma Missa “padrão” ou “normativa”. Esta Missa, composta pelo Comitê para a Implementação das Constituições sobre a Sagrada Liturgia (Consilium), provocou sérios receios entre os bispos presentes. Com 187 membros votando, os resultados revelaram uma considerável oposição (43 votos negativos), muitas reservas substanciais (62 votos afirmativos com reservas) e quatro abstenções. A imprensa internacional falou da “rejeição” do Sínodo à Missa proposta, enquanto a ala progressista da imprensa religiosa perpassou o evento em silêncio. Um conhecido periódico dirigido aos bispos, e que expressa seus ensinamentos, resumiu o novo rito nestes termos:

“Quiseram passar uma esponja em toda a teologia da Missa. Terminou como algo muito próximo da teologia protestante que destruiu o sacrifício da Missa”.

Infelizmente nós descobrimos agora que a mesma “Missa padrão”, idêntica em substância, reapareceu na forma da Nova Ordenação da Missa (Novus Ordo Missæ) recentemente promulgada pela Constituição Apostólica Missale Romanun (3 de abril de 1969). Além disso, nos dois anos que se passaram desde o sínodo, as conferências episcopais (ao menos como tais) aparentemente não foi consultada sobre a matéria.

A Constituição Apostólica Missale Romanum declara que o antigo Missal que São Pio V promulgou em 19 de julho de 1570 (Bula Quo Primum) – a sua maior parte, na verdade, remonta a São Gregório Magno e à antiguidade ainda mais remota (1) – foi o padrão por quatro séculos sempre que os padres do Rito Latino celebravam o Santo Sacrifício. A Constituição acrescenta que este Missal, levado a todos os cantos da Terra, “tem sido uma abundante fonte de nutrição espiritual para tantas pessoas em sua devoção a Deus”. Mas esta mesma Constituição, que poria fim definitivamente ao uso do antigo Missal, afirma que a presente reforma se tornou necessária desde que: “um profundo interesse em fomentar a liturgia disseminou-se e fortaleceu-se entre o povo cristão”.

Parece que esta última afirmação, com toda evidencia, contém um sério equívoco.

Se o povo cristão expressou algo, foi sim o desejo (graças ao grande São Pio X) de descobrir os verdadeiros e imortais tesouros da liturgia. Ele nunca, absolutamente nunca, pediu para que a liturgia fosse alterada ou mutilada a fim de ser mais facilmente compreensível. O que os fiéis queriam era um melhor entendimento da única e inalterável liturgia – uma liturgia que eles não desejavam ver modificada. Católicos por todas partes, bem como padres e leigos, amavam e veneravam o Missal Romano de São Pio V. É impossível compreender como a utilização deste missal, em conjunto com a instrução religiosa adequada, poderia impedir os fiéis de participar da liturgia de forma mais plena ou de entendê-la de forma mais profunda.

É igualmente incompreensível por que o antigo Missal, quando seus formidáveis méritos são reconhecidos, até pela Constituição Missale Romanum, deva agora ser considerado indigno de continuar a alimentar a piedade litúrgica dos fiéis.

Já que a “Missa Padrão”, agora reintroduzida e novamente imposta na forma da Nova Ordenação da Missa, já havia sido rejeitada em substância no Sínodo; já que ela nunca foi submetida ao julgamento colegiado das conferências episcopais e já que os fiéis nunca pediram qualquer reforma que seja da Missa, é impossível compreender as razões para a nova legislação – legislação que subverte uma tradição intocada na Igreja desde os séculos IV ou V, como o reconhece a própria Constituição Missale Romanum.


Portanto, uma vez que não há razões para empreender a reforma, esta parece privada de quaisquer bases racionais para justificá-la e torná-la aceitável ao povo católico.

O Concílio Vaticano II, de fato, pediu que a Ordem da Missa “fosse revista de uma forma que exponha mais claramente a natureza intrínseca e a finalidade de suas diversas partes, bem como a conexão entre elas”. (2)

Nós veremos agora em que medida a Ordenação recém promulgada responde aos desejos do Concílio – desejos dos quais pode-se dizer que não fica nem a menor lembrança.

Um exame ponto por ponto da Novus Ordo revela mudanças tão importantes, que confirmam o julgamento já feito sobre a “Missa Padrão”. O novo “Ordo Missæ”, assim como a “missa normativa”, pode satisfazer em muitos pontos o mais modernista dos protestantes.


II - Definição da Missa.

Comecemos com a definição da Missa. No artigo 7 da Instrução Geral que precede a Nova Ordenação da Missa, sob o título “A estrutura da Missa”, encontramos a seguinte definição:

A Ceia dominical é a assembleia sagrada ou congregação do povo de Deus, reunindo-se sob a presidência do sacerdote, para celebrar a memória de Nosso Senhor (3). Por esta razão, a promessa de Cristo se aplica de forma suprema para uma reunião local da Igreja: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt. 18:20). (4)

Desta forma, a definição da Missa é reduzida a uma “ceia”, um termo que a Instrução Geral repete constantemente (nos números 8, 48, 55, 56 da Institutio). A Instrução mais adiante caracteriza esta “ceia” como uma assembleia, presidida por um padre e celebrada como o “memorial do Senhor” para recordar o que Ele fez na quinta-feira Santa.

Nada disso implica por mais mínimo que seja nem a Presença Real, nem a realidade do Sacrifício, nem a função sacramental do padre que consagra, nem o valor intrínseco do Sacrifício Eucarístico, independente da presença da “assembleia”. (6)

Em uma palavra, a definição dada pela Instrução não implica nenhum dos valores dogmáticos que são essenciais à Missa e os quais, tomados em conjunto, fornecem a sua verdadeira definição. A omissão, num tal lugar, desses dados dogmáticos, não pode ser senão voluntária. Semelhante omissão voluntária significa que já se consideram como obsoletos, e equivale, ao menos na prática, a negá-los. (7)

A segunda parte do artigo 7 torna ainda pior este já sério equívoco. Ela afirma que se aplica de forma suprema a esta assembleia a promessa de Cristo: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles”. Assim, a Instrução coloca a promessa de Cristo -que se refere somente à Sua presença espiritual através da graça-, no mesmo nível qualitativo, – a não ser por uma maior intensidade-, da Sua presença real, física e substancial, própria ao Sacramento da Eucaristia.

O próximo artigo da Instrução divide a Missa em uma “Liturgia da Palavra” e uma “Liturgia da Eucaristia”, e acrescenta que a “mesa da Palavra de Deus” e a “mesa do Corpo de Cristo” são preparadas na Missa para que os fiéis possam receber “instrução e alimento”. Como veremos mais tarde, esta afirmação une de forma imprópria e ilegítima as duas partes da Missa, como se elas possuíssem o mesmo valor simbólico.

A Instrução, que constitui a introdução do novo Ordo da Missa, usa muitos nomes diferentes para a Missa, tais como:

- Ação de Cristo e do Povo de Deus; Comunhão do Senhor ou Missa; Banquete Pascal; Participação Comum na Mesa do Senhor; Prece Eucarística; Liturgia da Palavra e Liturgia da Eucaristia etc.


Todas estas expressões são aceitáveis quando usadas relativamente, mas quando usadas separadamente e de forma absoluta, como o são aqui, elas devem ser completamente rejeitadas.

É óbvio que a Novus Ordo enfatiza obsessivamente “ceia” e “memória”, ao invés da renovação (não sangrenta) do Sacrifício da Cruz. Mesmo a frase que na Instrução descreve a Missa como “o memorial da Paixão e Ressurreição”, é inexata.

A Missa é o memorial do único sacrifício, redentor em si mesmo, enquanto que a Ressurreição é o fruto que se segue deste sacrifício (8). Veremos mais tarde como, -e com que coerência sistemática-, tais equívocos são repetidos e reiterados, tanto na fórmula para a consagração quanto através da Novus Ordo como um todo.


III - Apresentação dos Fins.

Voltamo-nos agora para os fins (propósitos) da Missa: o seu fim último, o seu fim próximo e o seu fim imanente.

1. Propósito último.

O propósito último da Missa é o sacrifício de graças dado à Santíssima Trindade. Este fim está em conformidade com o propósito primário da Encarnação, explicitamente enunciado pelo próprio Cristo: "Ao entrar no mundo Ele afirmou: Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém, formaste-Me um Corpo”. (9)

No Novus Ordo este propósito desapareceu:

- Do ofertório, de onde a oração “Recebe, Santa Trindade, esta oblação” (ou “Recebe Santo Padre”) foi removida.

- Da conclusão da Missa, onde a oração em honra da Trindade, “Agradável Vos seja, ó Trindade Santíssima, a oferta da minha vassalagem” foi eliminada.

- Do prefácio, já que o prefácio da Santíssima Trindade, anteriormente usado em todos os domingos depois da Epifania e do Pentecostes (ou seja, mais de 30 domingos cada ano), será daqui em diante usado somente na Festa da Santíssima Trindade.

2. Propósito ordinário.

O propósito ordinário da Missa é o sacrifício propiciatório — dando satisfações a Deus pelo pecado. Este fim foi também comprometido. Ao invés de enfatizar a remissão dos pecados dos vivos e dos mortos, o novo rito enfatiza o alimento e santificação dos presentes (10). Na última ceia, Cristo instituiu o Santo Sacramento e desta forma colocou-Se nele como Vítima, a fim de unir-Se a nós como Vítima. Mas este ato de imolação sacrifical ocorre antes do Santo Sacramento estar consumado e possui de antemão pleno valor redentor em relação ao Sacrifício sangrento no Calvário. A prova disto é que as pessoas que assistem não estão obrigadas a receber a Comunhão sacramentalmente (11).

3. Propósito imanente.

O propósito imanente da Missa é fundamentalmente o sacrifício. É essencial que o sacrifício, qualquer que seja sua natureza, seja agradável a Deus e aceito por Ele. Por causa do pecado original, entretanto, nenhum outro sacrifício que não seja o de Cristo pode pretender ser aceitável e agradável a Deus por direito próprio. Por esta razão, era eminentemente conveniente o Ofertório se referir desde o começo o Sacrifício da Missa ao Sacrifício de Cristo.

O Novus Ordo altera a natureza do ofertório sacrifical transformando-o em uma espécie de troca de oferendas entre o homem e Deus. O homem traz o pão e Deus o transforma no “pão da vida”; o homem traz o vinho e Deus o transforma na “bebida espiritual”: Bendito sejais, Senhor Deus de toda a criação, pois através de vossa bondade nós temos este pão (vinho) para oferecer, fruto da terra (vinha) e trabalho de mãos humanas, Ele se tornará para nós o pão da vida (bebida espiritual). (12)

As expressões “pão da vida” e “bebida espiritual”, são, é claro, completamente vagas e podem significar qualquer coisa. Novamente nós nos deparamos com o mesmo equívoco básico: De acordo com a nova definição da Missa, Cristo está presente entre os seus apenas espiritualmente; aqui, o pão e o vinho são apenas espiritualmente - e não substancialmente – modificados (13). Na Preparação das Oferendas um jogo similar de equívocos foi cometido. O antigo Ofertório continha duas magníficas orações, a “Deus qui humanæ...” e a “Offerimus tibi...”:

- A primeira oração, recitada na preparação do cálice, começa da seguinte forma: “Ó Deus, que maravilhosamente criastes a dignidade da natureza humana e mais prodigiosamente a remitistes”. Ela lembrava a inocência do homem antes da queda de Adão e seu resgate pelo sangue de Cristo; ela resumia toda a economia do Sacrifício, de Adão até os dias de hoje.

- A segunda oração, que acompanha o oferecimento do cálice, incorpora a ideia de propiciação pelo pecado: ela implora a Deus por Sua misericórdia quando pede que a oferenda suba “com uma doce fragrância” na presença da divina Majestade, cuja clemência se implora. Como a primeira oração, esta última enfatiza admiravelmente a economia do Sacrifício.

No Novus Ordo ambas as orações foram eliminadas. Além disso, as repetidas petições a Deus para que Ele aceite o Sacrifício, contidas nas Preces Eucarísticas, foram também suprimidas; desta forma não há mais qualquer distinção clara entre o sacrifício humano e o divino.

Tendo removido a pedra fundamental, os reformadores tiveram de colocar em seu lugar uma carcaça. Tendo suprimido os verdadeiros propósitos da Missa, tiveram de substituí-los por seus próprios propósitos fictícios. Isto os forçou a introduzir ações enfatizando a união entre o padre e o fiel, ou entre os próprios fiéis – e levou à ridícula tentativa de superpor as oferendas aos pobres e pela Igreja à oferenda da hóstia para ser imolada. A singularidade fundamental da Vítima a ser sacrificada será então completamente obliterada. A participação na imolação de Cristo, a Vítima, transformar-se-á então em um encontro filantrópico ou um banquete de caridade.


IV- A ESSÊNCIA.

Consideramos agora a essência do Sacrifício.

A Nova Ordenação da Missa não expressa mais de maneira explicita o mistério da Cruz. Ele é obscurecido, velado, e tornado impercebível aos fiéis por meio de múltiplos artifícios (14).

Eis alguns dos principais:

1. O significado do termo “oração eucarística”.

A Institutio (No 54, in fine) declara: “O significado da oração eucarística consiste em que a congregação toda se una a Cristo para reconhecer as grandes coisas que Deus fez e oferecer o sacrifício” (15).

A que sacrifício isto se refere? Quem oferece o sacrifício? Estas perguntas não são respondidas.

A definição que a Instrução (No 54) dá para a “Prece Eucarística” a reduz ao seguinte: “O centro e o ponto mais alto de toda a celebração se inicia: A Prece Eucarística, ou prece de ação de graças e santificação” (16)

Assim, os efeitos da prece tomam o lugar da causa [a ação de graças e a santificação tomam o lugar do sacrifício]. E sobre a causa, além disso, nem uma palavra é dita. A menção explícita do propósito da oferta sacrifical, feita no rito antigo com a oração: “Receba, Santíssima Trindade, esta oblação”, foi suprimida — e substituída por nada.


A mudança na fórmula revela a mudança na doutrina.

2. Obliteração do papel da presença real.

A razão pela qual o Sacrifício não é mais mencionado explicitamente é simples: o papel central da Presença Real foi suprimido. Ele foi removido do lugar que ocupava tão magnificamente na antiga liturgia. Na Instrução Geral a Presença Real é mencionada somente uma vez, e isto em uma nota de rodapé que é a única referência ao Concílio de Trento. Aqui novamente o contexto é o de alimentação. (17) Nunca é feita nenhuma alusão à presença real e permanente de Cristo nas espécies transubstanciadas, Corpo, Sangue, Alma e Divindade. A própria palavra transubstanciação é completamente ignorada. A invocação do Espírito Santo no Ofertório – a oração “Vinde, ó Deus Santificador” – foi igualmente suprimida, com sua petição para que Ele descesse sobre a oferenda para realizar novamente o milagre da Presença Divina, exatamente como Ele uma vez desceu sobre o útero da Virgem. Esta supressão é mais uma em uma série de negações e degradações da Presença Real, tácitas e sistemáticas. Finalmente, é impossível ignorar como os gestos e costumes rituais que expressam a fé na presença real foram abolidos ou modificados.

A Novus Ordo elimina:

- As genuflexões. Não mais do que três permanecem para o padre, e (com certas exceções) uma para os fiéis no momento da Consagração.

- A purificação dos dedos do padre sobre o cálice.

- A preservação dos dedos do padre de todo o contato profano após a consagração.

- A purificação dos recipientes sagrados, que não precisa ser feita imediatamente e nem feita no corpo.

- A proteção do conteúdo do cálice com a coberta do cálice.

- O dourado no interior dos recipientes sagrados.

- A consagração solene para altares móveis.

- As pedras consagradas e relíquias dos santos no altar móvel ou na “mesa” quando a Missa é celebrada fora de um lugar sagrado. (Este último ponto leva diretamente a “jantares eucarísticos” em casas particulares).

- As três toalhas no altar, reduzidas para uma.

- A ação de Graças para a Eucaristia feita ajoelhada, agora substituída pela grotesca prática do padre e do povo sentando-se para fazer a ação de graças – um acompanhamento bastante lógico para o ato de receber a comunhão em pé.

- Todas as antigas prescrições a serem observadas no caso de uma hóstia que caía no chão, as quais agora se reduzem a uma única e quase sarcástica instrução: “Ela deve ser recolhida de forma reverente”. (18)

Todas estas supressões somente enfatizam a maneira ultrajante que a fé no dogma da Presença Real é implicitamente repudiada.

3. O papel do altar principal

O altar é quase sempre chamado de mesa: (19) “...o altar ou a mesa do Senhor que é o centro de toda a liturgia eucarística...” (20) O altar deve agora estar destacado da parede dos fundos para que o padre possa andar em torno dele e celebrar a missa de frente para o povo. (21) A Instrução afirma que o altar deve estar no centro dos fiéis reunidos, a fim de que sua atenção seja espontaneamente atraída para ele. Comparando este artigo com outro, entretanto, ele parece excluir totalmente a reserva do Santo Sacramento no altar onde a Missa é celebrada. (22)


Isto assinalará uma irreparável dicotomia entre a presença de Cristo como Sumo Sacerdote no padre celebrando a Missa e a presença sacramental de Cristo. Antes, elas eram uma única coisa. (23)

A Instrução recomenda que o Santo Sacramento agora seja mantido em um lugar em separado para a devoção particular, como se Ele fosse uma espécie de relíquia. Desta forma, ao entrar em uma Igreja, a atenção das pessoas será atraída não para um sacrário, mas sim para uma mesa vazia. Uma vez mais, piedade particular é colocada em oposição à piedade litúrgica, e altar é colocado em oposição a altar.

A Instrução recomenda que as hóstias distribuídas para a Comunhão sejam aquelas consagradas na mesma Missa. Ela também recomenda que se consagre uma grande hóstia, (24) a fim de que o padre possa dividir uma parte dela com os fiéis.

Trata-se sempre da mesma atitude aviltante tanto para com o sacrário quanto para qualquer forma de piedade Eucarística fora da Missa. Isto constitui um novo e violento golpe contra a fé no fato de que a Presença Real continua enquanto subsistem as espécies consagradas. (25)

4. As fórmulas para a consagração.

A antiga fórmula para a Consagração era uma fórmula “sacramental” propriamente falando, e não meramente uma “narrativa”. Isto foi demonstrado anteriormente por três coisas:

- O Texto Empregado.

O texto da Escritura não foi usado palavra por palavra tal como na fórmula para a consagração no antigo Missal. A expressão de São Paulo, o “Mistério da Fé”, foi inserida no texto como uma expressão imediata da fé do padre no mistério que a Igreja torna real através do sacerdócio hierárquico.

- Tipografia e Pontuação.

No antigo Missal, um ponto final e um novo parágrafo separavam as palavras “Tomai isto e comei” das palavras da forma sacramental, “Este é Meu Corpo”. O ponto final e o novo parágrafo marcavam a passagem de um modo meramente “narrativo” para um modo “sacramental” e “afirmativo” que é próprio de uma ação verdadeiramente sacramental. Além do mais, no Missal Romano as palavras da Consagração eram impressas em tipos maiores e no centro da página. Frequentemente uma tinta de cor diferente era usada. Tudo isto destacava claramente as palavras de um contexto meramente histórico, e, em conjunto, davam à fórmula da Consagração um valor próprio e autônomo.

- A Anamnese.

O Missal Romano acrescentou as palavras “Todas as vezes que fizerdes estas coisas, fazei-as em memória de Mim” depois da fórmula da Consagração. Esta fórmula referia-se não somente à lembrança de Cristo ou de algum evento passado, mas sim à ação de Cristo aqui e agora. Tratava-se de um convite para que nos lembremos não somente de Sua Pessoa ou da Santa Ceia, mas também para que “façamos” o que Ele fez “da maneira” que Ele fez. Na Novus Ordo, as palavras de São Paulo, "Fazei isto em memória de Mim," substituirão agora a antiga fórmula e serão proclamadas diariamente em vernáculo por toda a parte. Isto inevitavelmente fará os ouvintes concentrarem-se na lembrança de Cristo como o fim da ação Eucarística, ao invés de como seu início. A ideia de comemoração irá, portanto, tomar o lugar rapidamente da ideia da Missa como uma ação Sacramental. (26)

A Instrução Geral enfatiza o modo narrativo mais adiante quando descreve a Consagração como a “Instituição Narrativa” (27) e quando acrescenta que “em cumprimento à ordem dada por Cristo... a Igreja guarda sua memória”. (28)

Tudo isto, em resumo, altera o modus significandi das palavras da Consagração – como elas mostram a ação sacramental ocorrendo. O padre agora pronuncia as fórmulas para a Consagração como parte de uma narrativa histórica, ao invés de como o representante de Cristo emitindo o julgamento afirmativo “Este é Meu Corpo”. (29)


Além disso, a aclamação memorial do povo que se segue imediatamente à Consagração –– "Vossa santa morte nós proclamamos, Ó Senhor... até a Vossa vinda” – introduz a mesma ambiguidade sobre a Presença Real sob a forma de uma alusão ao Julgamento Final. Quase sem pausa, o povo proclama sua expectativa por Cristo no fim dos tempos no exato momento em que Ele está substancialmente presente no altar – como se a vinda real de Cristo fosse ocorrer somente no final dos tempos, ao invés de lá mesmo no próprio altar.

A Segunda aclamação memorial opcional apresenta isto ainda mais forte: “Quando nós comemos este pão e bebemos deste cálice, nós proclamamos Vossa morte, Senhor Jesus, até Vossa vinda em glória”. A justaposição de duas realidades completamente diferentes — imolação e refeição, a Presença Real e a Segunda Vinda de Cristo — eleva a ambiguidade a novas alturas. (30)


V - OS ELEMENTOS DO SACRIFÍCIO.

Consideramos agora a questão de quem realiza o Sacrifício. No rito antigo eram, em ordem: Cristo, o padre, a Igreja e os fiéis.

1. O papel dos fiéis no Novo Rito.

Na Missa Nova, o papel atribuído aos fiéis é autônomo, absoluto – e, portanto, completamente falso. Isto é óbvio não apenas a partir da nova definição da Missa (“... a assembleia sagrada ou congregação do povo reunido...”), mas também a partir da definição dada pela Instrução Geral de que a saudação de abertura do padre destina-se a levar à assembleia reunida a presença do Senhor:

Então através de sua saudação o padre declara à assembleia reunida que o Senhor está presente. Esta saudação e resposta expressam o mistério da Igreja reunida. (31)

Esta é a verdadeira presença de Cristo? Sim, mas somente uma presença espiritual. Um mistério da Igreja? Certamente – mas somente na medida em que a assembleia manifesta-se e pede pela presença de Cristo. Esta noção é enfatizada repetidamente por:

- Referências obsessivas ao caráter comunitário da Missa. (32)

- A distinção não mencionada entre “Missa com a Congregação” e “Missa sem a Congregação”. (33)

- A descrição da Prece dos Fiéis como uma parte da Missa onde “o povo, exercendo sua função sacerdotal, intercede por toda a humanidade”. (34)

A “função sacerdotal dos fiéis” é apresentada equivocadamente como se ela fosse autônoma, omitindo-se a menção de que ela é subordinada ao padre, que, como mediador consagrado, apresenta as petições do povo a Deus durante o cânone da missa.

A Prece Eucarística III da Novus Ordo dirige as seguintes orações ao Senhor:

“De eras em eras Vós reunis o povo contigo, para que de leste a oeste uma oferenda perfeita possa ser oferecida à glória de Vosso nome”.

O “para que” na passagem faz parecer que o povo, e não o padre, é o elemento indispensável na celebração. Uma vez que nunca é deixado claro, mesmo aqui, quem oferece o sacrifício, o próprio povo aparece como possuindo um poder sacerdotal autônomo. (35) A partir deste passo, não seria surpreendente se, dentro em pouco, fosse permitido ao povo unir-se ao padre para pronunciar as palavras da consagração. De fato, em alguns lugares isto já aconteceu.


2. O papel do padre no Novo Rito.

O papel do padre é minimizado, alterado e falsificado:

- Em relação ao povo, ele é agora um mero presidente ou irmão, ao invés do ministro consagrado que celebra a Missa “na pessoa de Cristo”.

- Em relação à Igreja, o padre é agora meramente um membro dentre outros, alguém retirado do povo. Ao tratar da invocação do Espírito Santo na Oração Eucarística (a epiclesis), a Instrução Geral atribui as petições anonimamente à Igreja. (36) O papel do padre desvaneceu-se.

- No novo Rito de Penitência que inicia a Missa, o Confiteor tornou-se agora coletivo; assim o padre não é mais juiz, testemunha e intercessor perante Deus. É, portanto, lógico que ele não mais recite a oração de absolvição que se seguia e que foi agora suprimida. O padre está agora “integrado” com seus irmãos; mesmo o acólito que serve em uma “Missa sem congregação” chama o padre de “irmão”.

- Anteriormente, a Comunhão do padre era ritualmente distinta da Comunhão do povo. A Novus Ordo suprime es