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Cassiciacum semper et iterum



Por Seminarista Paulo Cavalcante

Introdução

A justiça é uma das quatro virtudes cardeais. Consiste na vontade constante de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido. Para com Deus, chama-se “virtude de religião”. Para com os homens, ela dispõe o indivíduo a respeitar os direitos de cada um.

Aristóteles (1) e os antigos juristas romanos definiram a justiça como dar a cada um o que lhe é devido ou dar a cada um seu direito. Da mesma forma, Santo Tomás de Aquino ensina que a justiça é a virtude segundo a qual alguém, com vontade constante e perpétua, dá a cada qual seu direito (2). Essa definição não é imprecisa, nem vazia de conteúdo, mas é prática e realista. De acordo com essa definição, a justiça é considerada em função do direito. Onde não há um direito existente, a justiça não é invocável. A justiça é posterior ao direito, não anterior. É posterior a ele no sentido de que age em relação ao direito pré-existente.


O direito é a coisa devida a alguém em virtude de um título.

O título é aquilo que causa a atribuição da coisa a um determinado sujeito.


Aos totalistas, peço encarecidamente que sejam, ou, no mínimo, tentem ser justos. Deem a cada um o que é de seu direito, mesmo que seja doloroso (como era para S.E.R Mons. Guérard des Lauriers), tratando-se dos modernistas. Analisem este breve opúsculo e reflitam-no.


Natureza do Papa e do Papado

A ação de um cardeal eleitor é a ação de um ser substancial e ele age como tal. Ele age exercendo seu poder de escolha. Tal eleição é apenas uma ação do ser substancial, não constitui a maneira acidental pela qual um homem se torna papa formalmente. A eleição válida é mais um elemento da matéria segunda predisposta a receber a forma acidental do papado.

Assim ensina São Roberto Belarmino:


“Quando os Cardeais elegem o Pontífice, exercem a sua autoridade não sobre o Pontífice, porque ele ainda não existe; mas sobre a matéria , ou seja, sobre a pessoa de quem dispõem em certa medida através da eleição, para que ele possa receber de Deus a forma do pontificado.” (3)


A matéria de um papa é constituída por:


1. Um homem.


2. Batizado.


3. Eleito por quem detém o poder de eleição.


Os pontos 1 e 2 constituiriam a matéria segunda remota do Papado. E, nesse sentido, poderíamos dizer que todo homem batizado é a matéria segunda remota do Papado.


O ponto 3 constituiria um único homem batizado (aquele eleito pelos cardeais) na matéria segunda próxima do papado (Luciani, Wojtila, Ratzinger, Bergoglio).


Assim, esses 3 elementos (1, 2 e 3) constituem a matéria segunda próxima, capaz de ser acionada (colocada em ação) pela forma substancial, que é o Carisma da Infalibilidade do Espírito Santo sobre o Papa Material, desde que o sujeito (Papa material) não impeça a recepção da forma pelo fato de não professar a Fé em sua totalidade e por não buscar o bem comum da Igreja com suas ações.


Distinção necessária:

  • A matéria primeira é a potência passiva pura de sua forma substancial.


  • A matéria segunda próxima é um poder que pode ser acionado pela forma acidental.


Da perda e da recepção da Autoridade (forma substancial)


Kirchenr, comenta:


“Questão Nº 466: Um Papa que cai na heresia é privado, ipso jure, do Pontificado?


A.-1. As opiniões são duas: uma sustenta que, em virtude de nomeação divina, perde, ipso facto, o Pontificado; a outra, que ele é, jure divino, apenas removível. Ambas as opiniões concordam que ele deve pelo menos ser declarado culpado de heresia pela Igreja - isto é, por um Concílio Ecumênico ou o Colégio de Cardeais.

2. A questão é hipotética, em vez de prática. Por enquanto, de acordo com a opinião mais provável, o Papa como uma pessoa privada, pode cair na heresia e errar em questões de fé, "mas também é universalmente admitido que nenhum Papa jamais caiu na heresia", mesmo como doutor privado.” (4)


Perdendo ipso facto o pontificado ou sendo indicado à remoção, é necessário uma sentença declaratória por parte da Igreja, isto porque a lei exige um legislador, que necessariamente leva os efeitos internos de uma pena ao nível de reconhecimento legal da pena, tornando-os externos e universais.


A forma substancial do papado, i.é, a Sacra Potestas (regendi, docendi et santificandi) está atrelada a uma condição sine qua non que o candidato deve cumprir para recebê-la, que não devem ser confundidas com as condições para a matéria do papado, estão são senão pré-disposições da forma. Seriam essas, constituídas por:


1. Ser ou ao menos estar inclinado a receber as sagradas ordens até o episcopado.


2. Ser mentalmente sadio.


3. Ter a reta fé católica.


Assim ensina Bouix:


“O papa herético, se vier à resipiscência antes da sentença declaratória [de heresia], recupera o pontificado ipso facto, sem uma nova eleição dos cardeais.” (5)


Se alguém pode receber a forma do papado ipso facto, como disse Bouix, com absoluta certeza se afirma que ele permaneceu com a matéria do papado, logo, um papa material.


Distinção entre um herege público e um herege sentenciado

O Canon 2265, §1, n. 1, proíbe a todos os excomungados e, portanto, todos os heréticos, o exercício de qualquer direito de eleger, apresentar ou nomear outros para cargos eclesiásticos. Essa proibição torna todas essas ações ilícitas. O segundo número desse cânone decreta que, somente quando o delinquente é vitandus ou mesmo toleratus post sententiam, sua ação é inválida nessas questões. Conseqüentemente, os hereges sentenciados não podem validamente participar de qualquer forma no preenchimento de cargos na Igreja.


A segunda seção deste mesmo cânon afirma que os hereges e outros excomungados não podem adquirir qualquer dignidade eclesiástica, ofício, pensão ou outro encargo, mesmo pela ação de outros. Esta legislação é ainda qualificada para indicar que os hereges não sentenciados são apenas ilicitamente colocados em cargos, enquanto os hereges sentenciados, sejam tolerati ou vitandi, são eleitos ou nomeados de forma inválida e não recebem o cargo de forma alguma. 5


Ora, os cardeais modernistas são hereges não sentenciados, logo possuem o cargo ilicitamente, mas o possuem. Mas, como quem não tem autoridade papal pode nomear cardeais ou eleitores capazes de legal e legitimamente eleger quem deve receber autoridade? Tudo está metódica e sistematicamente explicado aqui: “Esclarecendo a confusão dos totalistas - Parte I” (texto de suma importância para compreensão integral do assunto). (6)


O herege público, que ainda não foi coibido pelo seu Bispo ou por sentença judicial: seus atos jurisdicionais são válidos, mas ilícitos. O herege condenado: seus atos são inválidos e ilícitos, exceto no caso em que é solicitado a agir por um católico moribundo.”(6)


Está distinção é confirmada pelo caso de Nestório, com quem, depois de manifestar a sua heresia na catedral (em 428), o clero e o povo romperam a comunhão e se recusaram a obedecê-lo; Apesar disso, ele continuou a ocupar a Sé como legalmente nomeado, até que foi legalmente deposto pelo Concílio de Éfeso (em 431). Se o reconhecimento legal de seu crime não tivesse sido necessário, o Papa teria escolhido e nomeado outro em seu lugar antes do julgamento do Concílio.


Conclusão

Ora, está brevíssima exposição nos prova 5 coisas:


  1. O Papado e o Papa como qualquer ser possuem matéria e forma.

  2. Essa matéria e essa forma podem se separar.

  3. É necessário uma sentença declaratória para que o Papa material seja deposto no âmbito jurídico-legal e separado externamente da Igreja (assim como qualquer herege) uma vez que suas heresias e seus atentados contra o bem comum da Igreja já o tinham separado internamente.

  4. Os cardeais modernistas são capazes de apontar o Papa material.

  5. O Papa material pode criar cardeais eleitores.


 

Notas:


  1. ARISTOTELES, Ética a Nicômaco, livro V.

  2. ST II-II, q. 58, a. 1, CCE 1807.

  3. De Romano Pontifice, lib II, cap. XXX.

  4. Phillips, Kirchenr., Vol. I., p. 277.

  5. Albani, citado em Bouix, Tractatus de Papa, t. I, p. 548.

  6. The Delict of Heresy, de MacKenzie, p. 91.

  7. The Delict of Heresy, de MacKenzie, p. 83.



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