Por Rev. Pe. Damien Dutertre, ICR.
(Traduzido por Richard Rafael Campeiro, dono do site Visão Meridional)
Este artigo aborda a objeção de que o Vaticano II seria "meramente pastoral" e, portanto, não mandatório, e que poderia ensinar o erro, mesmo em matéria de fé.

ARTIGO I – A "NATUREZA PASTORAL" DO VATICANO II NÃO EXCLUI O SEU CARÁCTER MANDATÓRIO
1. Objeção: “O Vaticano II era meramente um concílio pastoral”. Pelo termo “concílio pastoral” entende-se por vezes a ideia de que o Vaticano II não pretendia definir qualquer nova doutrina, e que, consequentemente, o Vaticano II não é infalível. Pretendia-se que fosse um esforço para apresentar a doutrina católica de uma forma adequada ao homem moderno. A isto se responde, em primeiro lugar, que o Vaticano II publicou ambas as “constituições pastorais” e “constituições dogmáticas”. A Lumen gentium, por exemplo, é uma constituição dogmática, cuj o objetivo era promover a apresentação da eclesiologia iniciada no Concílio Vaticano de 1870, e aprofundar a compreensão da Igreja sobre o papel dos bispos na Igreja. Ninguém nega este fato. Daí que tenha ensinado claramente a doutrina dogmática. O fato de João XXIII desejar dar-lhe um carácter pastoral não contradiz a sua natureza dogmática, como explicaremos quando comentarmos as palavras de João XXIII. Referimo-nos ao capítulo dedicado à indefectibilidade da Igreja para uma explicação mais profunda da doutrina da Igreja sobre o magistério, a sua autoridade e o seu exercício. Que seja suficiente repetir alguns pontos, a fim de avaliar devidamente de que tipo de autoridade o Concílio Vaticano II gozaria, de acordo com os princípios teológicos tradicionais da eclesiologia.
2. Um breve lembrete da doutrina católica sobre o magistério da Igreja. Leão XIII ensinou em sua encíclica Satis cognitum: “Cristo instituiu na Igreja um magistério vivo, autêntico e, ademais, perpétuo, o qual ele investiu da sua própria autoridade, revestiu do espírito de verdade, confirmou por milagres, e quis e severissimamente ordenou que os ensinamentos doutrinais desse magistério fossem recebidos como os seus próprios”. O poder do magistério da Igreja não é um poder de revelar novas doutrinas, mas sim o poder de salvaguardar o depósito da revelação (contida na Sagrada Escritura e na Tradição), de interpretar, de definir e de explicar. A Igreja pode, portanto, julgar infalivelmente que essa ou aquela doutrina esteja contida no depósito da revelação e também pode condenar uma doutrina que seja contrária. Deve-se distinguir o magistério pontifício, que é o exercício do poder de ensinar apenas pelo Papa, do magistério universal, que é o poder de ensinar, exercido por toda a Ecclesia docens (Igreja docente), nomeadamente pelos bispos em conjunto com o Papa e submetidos a ele. Nesta última categoria, deve-se novamente distinguir o magistério exercido no dia a dia (i.e., magistério ordinário) e o magistério exercido solenemente nos concílios ecumênicos. O magistério ordinário universal do Papa e dos bispos é exercido quando estão dispersos pelo mundo inteiro e ensinam à Igreja com autoridade, cada bispo da sua diocese, unidos sob a autoridade suprema do Romano Pontífice. O magistério extraordinário universal dos bispos, i.e., os concílios ecumênicos, é exercido quando todos os bispos do mundo estão solenemente reunidos pela autoridade do Romano Pontífice, e como um corpo moral julgam questões de doutrina e disciplina para a igreja universal. É importante ter em mente que o magistério supremo da Igreja é infalível, quer seja exercido de uma forma ordinária ou extraordinária, e quer seja exercido apenas pelo Papa ou por toda a Ecclesia docens(Igreja docente).
3. Os ensinamentos dos concílios ecumênicos são infalíveis Tal afirmação é verdade pelo fato de: a) Um concílio ecumênico, confirmado pela autoridade do Romano Pontífice, representa o poder supremo da Igreja docente, que é infalível. b) Se um concílio ecumênico errasse, toda a Igreja seria levada ao erro, uma vez que não é possível recorrer do julgamento definitivo de um concílio ecumênico sobre questões de fé. c) O testemunho da Tradição sempre demonstrou que os julgamentos dos concílios ecumênicos são irreversíveis, dados sob a assistência do Espírito Santo, cuja aceitação foi imposta a todos como critério de adesão à Igreja Católica. Como consequência, os teólogos explicam que o que quer que seja imposto de uma forma definida por um concílio ecumênico é infalível; o que quer que seja imposto a todos os católicos sem qualquer recurso possível é infalível. O que não é infalivelmente proposto, porém, são discussões realizadas durante o concílio, argumentos aduzidos em defesa dos doutrina proposta, exemplos, e coisas ditas en passant.
4. A ausência de anátemas, normalmente pronunciada pelos conselhos ecumênicos para definir a condenação de heresias, não é uma prova de falta de infalibilidade. Num concílio ecumênico, tanto os capítulos – capita –, como os cânones – canones – são infalíveis. Eis a explicação: tradicionalmente, os concílios ecuménicos apresentam a doutrina católica de duas maneiras: a) apresentam ou explicam positivamente uma doutrina, disposta em "capítulos"; b) definem a doutrina de forma negativa, através da fulminação de anátemas contra erros opostos (estes são chamados os "cânones"). Assim, tanto o Concílio de Trento, quanto o Concílio Vaticano de 1870 seguiram claramente este padrão. A doutrina da Igreja é apresentada pela primeira vez numa série de capítulos, definindo a doutrina, explicando-a, dando argumentos para a apoiar. Depois, no final dos documentos, vários cânones condenam ideias contrárias à doutrina que acabou de ser definida nos capítulos. Ambos os capítulos e cânones, contudo, são infalíveis, e sempre foram assim considerados pelos Padres, doutores e teólogos. Consequentemente, o fato de o Vaticano II não ter publicado qualquer fórmula de anátema (nenhum "cânone") não significa, por si só, que não seria infalível, uma vez que publicou vários capítulos, apresentados em diferentes constituições dogmáticas.
5. Os diferentes documentos publicados pelo Vaticano II têm uma confirmação tradicional “no Espírito Santo” pelo “poder apostólico dado por Cristo”. Os documentos publicados pelo Vaticano II terminam com palavras solenes deste tipo: “Tudo o que está estabelecido nesta Constituição Dogmática obteve a aprovação dos Padres do Sacrossanto Concílio. E Nós, com o poder apostólico que nos foi conferido por Cristo, juntamente com os veneráveis Padres, aprovamo-los, decretamo-los e estatuímo-los no Espírito Santo, e ordenamos que o que foi assim decretado pelo Concílio seja promulgado para a glória de Deus”. [↓1] Tal conclusão solene é muito característica de um documento emitido por um concílio ecumênico, que é uma reunião solene de toda a Igreja docente, a quem foi prometida a assistência do Espírito Santo e a autoridade suprema de Cristo: "Quem vos ouve, a mim ouve" (Lc. X, 16). Tais decretos solenes foram sempre considerados como estando protegidos do erro pelo Espírito Santo.
6. Alguns comentários de João XXIII, Paulo VI e da Comissão Teológica, são mal interpretados por alguns. Algumas pessoas, especialmente do campo do Reconhecer & Resistir, tiraram certas citações de João XXIII, Paulo VI e da Comissão Teológica do Vaticano II, fora do contexto, para negar praticamente qualquer autoridade ao Vaticano II, e certamente para negar que este deveria ser protegido pela assistência do Espírito Santo. Esta falsa afirmação já foi refutada por vários autores que escreveram em defesa do Vaticano II. E está continuamente a ser refutada pela própria existência da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), entre outros, uma vez que a sua própria existência é prova positiva de que o Vaticano II é tão obrigatório dentro das estruturas canônicas da "Igreja" oficial que não se pode permanecer dentro dessas estruturas enquanto se rejeitam as novidades do Vaticano II. É um fato muito bem estabelecido e experienciado que qualquer padre diocesano que comece a questionar o ensino do Vaticano II é rapidamente punido, e se não se arrepender, acaba por ser excomungado. A fim de refutar o que poderia ser considerado um mito tradicionalista, passemos por diferentes intervenções de João XXIII e Paulo VI, de modo a compreender que autoridade tem o Vaticano II, em suas visões.
7. O discurso de abertura do Vaticano II, por João XXIII, a 11 de outubro de 1962. No discurso de abertura [↓2] proferido a 11 de outubro de 1962, João XXIII afirma claramente que o Concílio Vaticano II será o vigésimo primeiro Concílio Ecuménico da Igreja. Ele diz claramente que está prestes a “afirmar, uma vez mais, a continuidade do magistério eclesiástico”, e “apresentar este magistério de uma forma extraordinária a todos os homens”. [↓3] Ele classifica claramente o concílio ecumênico como “magistério extraordinário da Igreja”. [↓4] João XXIII estabelece claramente “a salvaguarda e a promoção da doutrina” como a “tarefa principal do concílio” [↓5]. Diz ele em termos inequívocos: “O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz”. [↓6] A primeira menção à "natureza pastoral" do Concílio vem na seção da alocução intitulada “Como deve ser promovida a doutrina hoje” [↓7]. Por conseguinte, é muito claro que o carácter "pastoral" do Concílio não deve ser tomado como sendo contrário ao seu carácter doutrinal. Pelo contrário, João XXIII explica: “Mas atualmente é necessário que toda a doutrina cristã, com todas as suas partes, seja recebida por todos no nosso tempo com um novo anseio, com uma mente serena e calma, ensinada nessa forma precisa de formular por palavras e de exprimir, que brilha particularmente nas atas dos Concílios de Trento e Vaticano I”. [↓8] Assim, o que João XXIII chama um magistério de "natureza pastoral" é que a mesma doutrina seja apresentada com autoridade pela Igreja, mas de uma forma mais adequada ao nosso tempo e ao homem moderno, para que possa ser melhor apreciada e compreendida: “Uma coisa é a substância do ‘depositum fidei’, isto é, as verdades contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando-lhes, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance. Será preciso atribuir muita importância a esta forma e, se necessário, insistir com paciência, na sua elaboração; e dever-se-á usar a maneira de apresentar as coisas que mais corresponda ao magistério, cujo caráter é prevalentemente pastoral”. [↓9] João XXIII decide, consequentemente, propor a doutrina sem condenar solenemente os erros contrários: “A Igreja sempre se opôs a estes erros; muitas vezes até os condenou com a maior severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações.” [↓10]
8. Explicações dadas pela Comissão Teológica do Vaticano II em 6 de março de 1964, e 16 de novembro de 1964 Estas explicações foram dadas durante o Concílio e devem, portanto, ajudar a clarificar a intenção do Concílio. Além disso, as notificações dadas em 16 de novembro de 1964, foram publicadas em anexo à versão oficial latina da Constituição sobre a Igreja, Lumen gentium, promulgada alguns dias mais tarde, em 21 de novembro de 1964 [↓11]. Mostra claramente a importância destas notificações. Lê-se o seguinte: NOTIFICAÇÕES FEITAS PELO EX.MO SECRETÁRIO GERAL DO SAGRADO CONCÍLIO, NA CONGREGAÇÃO GERAL CXXIII, NO DIA 16 DE NOVEMBRO DE 1964 Foi perguntado qual deve ser a qualificação teológica da doutrina exposta no esquema De Ecclesia que se propõe à votação. A Comissão Doutrinal respondeu à pergunta ao examinar os Modos referentes ao capítulo terceiro do esquema De Ecclesia, com estas palavras: “Como é evidente, o texto conciliar deve sempre ser interpretado segundo as regras gerais, de todos conhecidas”. A Comissão Doutrinal, nesta ocasião, remete para a sua Declaração do dia 6 de março de 1964, cujo texto se transcreve aqui: “Tendo em conta a praxe conciliar e o fim pastoral do presente Concilio, este sagrado Concilio só define aquelas coisas relativas à fé e aos costumes que abertamente declarar como de fé. Tudo o mais que o sagrado Concílio propõe, como doutrina do supremo Magistério da Igreja, devem-no os fiéis receber e abraçar segundo a mente do mesmo sagrado Concílio, a qual se deduz quer do assunto em questão, quer do modo de dizer, segundo as normas da interpretação teológica”. [↓12] As normas de interpretação teológica são que um concílio ecumênico é infalível quando ensina fé e moral, embora os exemplos ou argumentos apresentados na exposição da doutrina contida nos capítulos não possam ser cobertos pela mesma garantia. Os mesmos critérios aplicados pelos teólogos às constituições dogmáticas dos Concílios passados, tais como a constituição Dei Filius do Concílio Vaticano de 1870, devem ser aplicados exatamente da mesma forma às constituições dogmáticas do Vaticano II, tais como a Lumen gentium. Este é o significado claro destas notificações, e é confirmado pela atitude do “magistério” oficial subsequente em relação ao mesmo.
9. A 4 de novembro de 1965, Paulo VI reconheceu explicitamente que o Vaticano II já tinha emitido, a essa altura, muitos pontos de magistério extraordinário. A própria natureza de um concílio ecumênico faz com que o seu ensino pertença ao que temos descrito como magistério extraordinário ou solene, que é sempre infalível quando se ensina sobre a fé e a moral. E o próprio Paulo VI parece ter reconhecido este fato. Assim, a 4 de novembro de 1965, ele declarou: “E primeiro que se apresentem agradecimentos dignos a Deus Todo-Poderoso, que, durante toda a celebração do Concílio, nunca deixou de estar presente pela sua ajuda sobrenatural e pela abundância de luzes celestiais. De fato, se considerarmos a imensa quantidade de trabalho já realizado pelo Concílio, somos realmente tomados de admiração, quer em conta dos muitos pontos de doutrina que foram propostos pelo magistério extraordinário da Igreja, ou por causa das normas de disciplina sabiamente emitidas [...]”. (grifo do autor) [↓13] Não se pode negar que, nessa altura, Paulo VI reconheceu claramente o trabalho do Vaticano II a ser o trabalho do magistério extraordinário da Igreja. É importante perceber que a constituição dogmática Lumen gentium já tinha sido publicada um ano antes, a 21 de novembro de 1964. Claramente, portanto, a Lumen gentium é um dos documentos [↓14] que Paulo VI qualificou como contendo “muitos pontos de doutrina propostos pelo magistério extraordinário da Igreja”.
10. Homilia proferida a 7 de dezembro de 1965, na última sessão do Concílio Vaticano II, na qual Paulo VI declara que nenhuma doutrina tem sido definido por um pronunciamento extraordinário. Foi visto que Paulo VI considerava os documentos do Vaticano II como fazendo parte do magistério extraordinário da Igreja, e ele irá reiterar isto mais tarde, como será visto. Paulo VI afirma, contudo, que o Vaticano II não promulgou nenhum novo dogma de uma forma extraordinária. Isto pode parecer contraditório, mas Paulo VI quer fazer uma distinção entre o modo ou a forma como o magistério é exercido pelo Vaticano II, e a sua autoridade dogmática. Como concílio ecumênico, o Vaticano II pretende ser um acontecimento extraordinário da vida da Igreja e, portanto, um exercício extraordinário do seu magistério. Mas, afirma Paulo VI, o Vaticano II não define qualquer nova doutrina, e meramente apresenta a doutrina católica de uma nova forma adaptada ao mundo moderno ("pastoral"), e assim não seria classificado como contendo qualquer definição extraordinária, mas meramente um nível ordinário de ensino. O que se discute, então, é exatamente como compreender esta novidade [↓15] introduzida por Paulo VI. Alguns relegaram todo o ensino do Vaticano II como sendo meramente um magistério autêntico, ou seja, um ensino que, embora obrigatório, nunca é infalível. Mas isto é claramente falso, por muitos motivos. De fato, mesmo o magistério ordinário é infalível no ensino da fé, se ele apenas ensinasse coisas já definidas. Mesmo que a Igreja não defina nenhum novo dogma, ela é infalível em transmitir e ensinar a fé a cada geração, em todo o mundo. Certamente, portanto, ela deve ser infalível em um evento tão solene como um concílio ecumênico, mesmo que ela esteja apenas repetindo doutrinas já definidas. É inconcebível que a Igreja, em seu ensinamento ordinário da Fé, seja através de encíclicas do Romano Pontífice, seja mesmo através de catecismos aprovados em todo o mundo, possa impor como vínculo às consciências algo que contradiga as definições anteriores da Fé. Porque caso a Igreja estivesse obrigando as consciências de todos os católicos a algo contrário à fé, logo a Igreja se tornaria um meio de danação, o que é absolutamente impossível. Vamos antes aplicar a teologia tradicional princípios para avaliar o valor dogmático de Vaticano II. Para fazer uma comparação com Concílio Vaticano de 1870, podemos dizer que o Vaticano II não emitiu nenhuma profissão solene de dogma tal como foi promulgado no dogma constituição Pastor Aeternus, que definiu como um dogma solene a infalibilidade papal, mas que o Vaticano II ensina a fé em um modo semelhante ao realizado por a outra constituição do Concílio Vaticano de 1870, Dei Filius, ou seja, ao dar uma regra de fé, sem propor especificamente um ponto particular como um dogma recentemente definido. Eis a passagem relevante da homilia proferida por Paulo VI: “Agora é útil observar que, embora a Igreja não quisesse definir nenhum ponto da doutrina através de pronunciamentos dogmáticos extraordinários em seu magistério, ela propôs com autoridade sua doutrina em muitas questões, às quais os homens são hoje obrigados a conformar sua consciência e seu comportamento”. [↓16] Paulo VI não está de modo algum dizendo que “o Vaticano II não é infalível e pode ser descartado”, mas pelo contrário, ele na verdade declara positivamente que se está obrigado a se conformar e manter a doutrina do Vaticano II, mesmo que não tenha definido nenhum novo dogma. E o ensino de um concílio ecumênico, que se torna obrigatório para os fiéis, é certamente garantido pela assistência do Espírito Santo, que também é claramente ensinado por Paulo VI, como será visto mais adiante.
11. Em 12 de janeiro de 1966, Paulo VI atribuiu a autoridade do “supremo magistério ordinário” da Igreja ao Concílio Vaticano II. Em uma audiência geral, realizada em 12 de janeiro de 1966, primeiramente Paulo VI lembra que o objetivo principal do Concílio era reafirmar a doutrina da Igreja de uma maneira adequada para tempos atuais. Ele assim o declara: “É um grande ato do magistério eclesiástico; e quem adere ao Concílio assim reconhece e honra ao magistério da Igreja”. [↓17] Paulo VI se refere então às mesmas regras dadas acima, quanto à autoridade que deve ser dada aos ensinamentos do Concílio: “Há quem pergunte qual é a autoridade, a qualificação teológica, que o Concílio quis atribuir a seus ensinamentos, sabendo que evitou dar definições dogmáticas solenes, engajando-se na infalibilidade do magistério eclesiástico. E a resposta é conhecida por aqueles que se lembram da declaração conciliar de 6 de março de 1964, repetida em 16 de novembro de 1964: ‘dado o caráter pastoral do Concílio, evitou pronunciar de forma extraordinária dogmas dotados da nota de infalibilidade, mas dotou seus ensinamentos da autoridade do supremo magistério ordinário, que o magistério ordinário e tão claramente autêntico deve ser aceito dócil e sinceramente por todos os fiéis, de acordo com a mente do Concílio quanto à natureza e objetivos dos documentos individuais’”. [↓18] Ninguém pode negar que Paulo VI considera o magistério do Vaticano II um magistério extraordinário, como já demonstramos, no sentido de que é o ensinamento de um concílio ecumênico, que é uma forma extraordinária de ensinar a fé. O que Paulo VI quis dizer nesta audiência, portanto, é que a autoridade do Vaticano II é a mesma do magistério supremo ordinário da Igreja, que embora não declare solene e infalivelmente qualquer novo pronunciamento dogmático, ainda assim propõe a fé já definida pela Igreja (de uma forma nova, pastoral, adaptada ao homem moderno, supostamente). E, ao fazer isso, a Igreja é infalível. É realmente muito importante lembrar que o supremo magistério ordinário da Igreja é tão infalível quanto o seu magistério solene. Repitamos aqui o ensinamento do Concílio Vaticano de 1870 (na Constituição Dogmática Dei Filius): “Deve-se, pois, crer com fé divina e católica tudo o que está contido na palavra divina escrita ou transmitida pela Tradição, bem como tudo o que a Igreja, quer em declaração solene, quer pelo Magistério ordinário e universal, nos propõe a crer como revelado por Deus”. Consequentemente, como já dissemos, os mesmos critérios de interpretação tradicionalmente aplicado aos concílios ecumênicos anteriores deve ser aplicado igualmente ao Concílio Vaticano II. O próprio Paulo VI o diz nesta mesma audiência: “Devemos entrar no espírito destes critérios basilares do magistério eclesiástico”. [↓19]
12. Em 31 de janeiro de 1966, Paulo VI indicou regras adequadas de interpretação do Concílio Vaticano II. Em uma alocução aos membros da Comissão encarregada da interpretação dos decretos do Vaticano II, Paulo VI disse o seguinte: “Um dever é confiado a vós... É realmente lutar por todos os meios para que não surjam dúvidas a respeito dos decretos do Concílio, e que não se possa julgá-los ou transformá-los à sua vontade. Será útil reiterar aqui as palavras empregadas pelo Papa Pio IV, nosso predecessor, quando confirmou o Santo Concílio de Trento: ‘se por mais que algo parecesse a alguém ter sido dito ou estabelecido de forma obscura neles (isto é, nos decretos), e por causa disso, precisar de alguma interpretação ou decisão: que ele venha ao lugar escolhido pelo Senhor, isto é, à Sé Apostólica, mestre de todos os fiéis’”. [↓20] Os decretos de um concílio ecumênico devem ser compreendidos no sentido de que a Igreja os entende, por seu magistério. Assim é impossível, a fim de salvar o Vaticano II, "girar" seu ensino de uma forma contrária à interpretação dada oficialmente pelo magistério autoritativo.
13. Em 23 de abril de 1966, Paulo VI exigiu que atribuíssemos a doutrina conciliar à inspiração do Espírito Santo. Alguns meses apenas após o fim do Vaticano II, Paulo VI nos pediu, em outra exortação, para ter uma “adesão inteira e sem reserva” para as deliberações do Concílio Vaticano II, e para considerar seu ensino como “inspiração do Espírito Santo”: “Mas agora é necessário atribuir as doutrinas conciliares ao magistério da Igreja, ou melhor, ao sopro do Espírito Santo e devemos com uma fé segura e unânime aceitar o grande 'tomo', isto é, o volume, o texto dos ensinamentos e preceitos, que o Concílio transmite à Igreja”. [↓21] Enfatizemos o fato de que Paulo VI declara claramente que o ensinamento do Concílio faz parte do magistério da Igreja, e que é atribuído ao sopro do Espírito Santo. Este ensinamento, diz ele, deve ser aceito com fé segura e unânime. Deixe o leitor refletir sobre estas palavras. Elas foram ditas depois de todos os comentários mencionados acima, provando assim que nossa compreensão está correta: O Vaticano II não pretendia proclamar solenemente qualquer novo pronunciamento dogmático, mas em princípio as mesmas regras de interpretação devem ser aplicadas a seu ensino, que são aplicadas ao ensino dos concílios ecumênicos anteriores, como a constituição dogmática Dei Filius do Vaticano I.
14. Em 23 de junho de 1966, Paulo VI confirmou a natureza obrigatória do Vaticano II, e que deve ser utilizado no ensino da fé como catecismo. Em uma alocução à Conferência Episcopal Italiana, Paulo VI elogiou o trabalho do Vaticano II e insistiu no dever de salvaguardar e aplicar seu ensinamento. Ele o chamou de “grande catecismo” para nosso tempo, o que é muito significativo, pois um catecismo da Igreja universal seria dado como norma de fé e, portanto, protegido pela infalibilidade da Igreja; e desde que confirma o que explicamos a respeito da orientação pastoral do Concílio Vaticano II. “Temos que olhar para o Concílio com gratidão a Deus e com confiança pelo futuro da Igreja; será o grande catecismo dos novos tempos”. [↓22]
15. Paulo VI denunciou a atitude do Arcebispo Lefebvre, primeiro em um consistório secreto de 24 de maio de 1976. Paulo VI dirigiu-se aos Cardeais: “E isto é afirmado abertamente! Eles não hesitam sequer em afirmar que o Concílio Vaticano II carece de qualquer força obrigante; que a fé estaria até em perigo por causa das normas propostas após o Concílio; que não se deve obedecer, a fim de preservar certas tradições. Que tradições? É a este grupo, e não ao Romano Pontífice, e não ao Colégio Episcopal, e não ao Concílio Ecumênico, que caberia definir, entre as inúmeras tradições, aquelas que devem ser consideradas como padrões de fé! Como veem, veneráveis irmãos, tal atitude se configura como juiz dessa vontade divina que fez de Pedro e seus legítimos sucessores a cabeça da Igreja para confirmar seus irmãos na fé e alimentar o rebanho universal. (cf. Lc. XXII, 32; Jo XXI, 15 ss.), e que o fez patrono e guardião do depósito da fé”. [↓23]
16. Paulo VI enviou uma carta direta ao Arcebispo Lefebvre, para dizer-lhe pessoalmente que o Vaticano II é obrigatório e que a Missa Nova é obrigatória. Nesta carta muito importante, de 11 de outubro de 1976, Paulo VI dá uma série de esclarecimentos, contra qualquer tentativa de destituição da autoridade do Vaticano II ou da natureza obrigatória da Missa Nova. Citaremos em grande parte passagens desta carta, uma vez que ela aborda claramente todas as objeções que refutamos, em uma carta dirigida a ninguém menos queo Arcebispo Lefebvre, que está na origem dessas mesmas objeções, seja diretamente ou através de seus discípulos. Daí que esta carta de Paulo VI é uma resposta direta, do próprio Paulo VI, contra as objeções que ele (Paulo VI) não pretendia tornar obrigatório o Vaticano II, ou não o considerava protegido pela infalibilidade dada à Igreja pelo Espírito Santo. Entre outras coisas, Paulo VI deixa muito claro que rejeitar o Vaticano II e a Missa Nova é rejeitar a autoridade do Romano Pontífice e de um Concílio Ecumênico: “O que realmente está em jogo é a questão, que deve ser verdadeiramente chamada fundamental, de sua recusa claramente proclamada em reconhecer, em seu conjunto, a autoridade do Concílio Vaticano II e a do Papa. Esta recusa é acompanhada de uma ação orientada para propagar e organizar o que, infelizmente, deve ser chamado de rebelião. Este é o problema essencial e é verdadeiramente insustentável”. [↓24] Paulo VI declara então, em termos inequívocos, que o Vaticano II, por ser um concílio ecumênico, é um ato do magistério solene da Igreja, que é garantido estar livre de erros: “Quanto aos bispos unidos ao soberano pontífice, seu poder em relação à Igreja universal é exercido solenemente nos concílios ecumênicos”. [↓25] “Papas e concílios ecumênicos têm agido comumente desta forma, com a ajuda especial do Espírito Santo. E foi precisamente o que fez o Concílio Vaticano II. Nada do que foi decretado neste Concílio, ou nas reformas que promulgamos para que o Concílio entrasse em vigor, se opõe ao que a tradição de 2.000 anos da Igreja contém como fundamental e imutável. Disto somos o fiador, não em virtude de nossas qualidades pessoais, mas em virtude do encargo que o Senhor nos conferiu como legítimo sucessor de Pedro, e em virtude da assistência especial que Ele nos prometeu como a Pedro: ‘Rezei por ti, para que tua fé não falhe’ (Lc. XXII, 32). Conosco, o episcopado universal é a garantia disto”.(Grifo do autor) [↓26] Paulo VI continua indicando que todos os documentos do Concílio têm que ser aceitos e qualquer ensinamento definitivo relativo à doutrina revelada exigiria de fato um consentimento de fé: “Também não se pode apelar para a distinção entre o que é dogmático e o que é pastoral para aceitar certos textos deste Concílio e para recusar outros. De fato, nem tudo em um Concílio requer um consentimento da mesma natureza: apenas o que é afirmado por atos ‘definitivos’ como objeto de fé ou como verdade relacionada à fé requer um consentimento de fé. Mas o resto também faz parte do magistério solene da Igreja ao qual cada fiel deve uma aceitação confiante e uma aplicação sincera”.[↓27] Paulo VI faz um argumento semelhante contra a rejeição do Arcebispo Lefebvre da Missa Nova: “Da mesma concepção errônea surge seu abuso de celebrar a chamada Missa de São Pio V”. [↓28] Paulo VI exige com autoridade uma retratação formal, professando adesão ao Concílio Vaticano II como a outros Concílios Ecumênicos: “Esta declaração deverá, portanto, afirmar que vós aderistes sinceramente ao Concílio Ecumênico Vaticano II e a todos os seus documentos – sensu obvio ("em seu sentido óbvio") – que foram adotados pelos pais do Concílio e aprovados e promulgados por Nossa autoridade. Pois tal adesão sempre foi a regra, na Igreja, desde o início, em matéria de concílios ecumênicos. Deve ficar claro que vós aceitastes igualmente as decisões que tomamos desde o Concílio para colocá-lo em prática, com a ajuda dos órgãos da Santa Sé; entre outras coisas, vós deveis reconhecer explicitamente a legitimidade da liturgia reformada, notadamente do Ordo Missae, e nosso direito de exigir sua adoção por todo o povo cristão. Vós também deveis admitir o caráter obrigatório das regras do direito canônico agora em vigor” [↓29] Na verdade, o Arcebispo Lefebvre foi informado por Paulo VI que o Vaticano II ainda é, em certos aspectos, de maior importância do que o Concílio de Niceia. [↓30]
17. Carta do Cardeal Seper a Dom Lefebvre (28 de janeiro de 1978) Paulo VI confiou a análise das posições doutrinárias de Dom Lefebvre à Congregação para a Doutrina da Fé. Esta congregação (a substituição do antigo Santo Ofício), sob a direção do Cardeal Seper, conduziu uma investigação detalhada das posições de Dom Lefebvre, e esclareceu uma série de coisas a respeito do caráter obrigatório do Concílio. A resposta da Congregação estabeleceu claramente, entre outras coisas, que a declaração sobre liberdade religiosa, embora não seja uma definição, requer a docilidade e o consentimento dos fiéis, e não pode ser rejeitada como errônea: “Pela declaração conciliar, este ponto de doutrina pertence claramente à magistério, e embora não seja o objeto de uma definição, exige docilidade e parecer favorável. Não é, portanto, lícito para a fiéis católicos para rejeitá-lo como errôneo, mas eles devem aceitá-lo no exato significado e intenção que lhe foi dada pelo Concílio”. [↓31] Ao comentar sobre a rejeição de Dom Lefebvre à Missa Nova, a Congregação explica: “Vossas críticas ao Ordo Missae promulgado por Paulo VI vai muito acima qualquer preferência litúrgica, mas tem uma natureza que é essencialmente doutrinal... Os fiéis não podem de fato lançar dúvidas sobre a conformidade com a doutrina da fé de um rito sacramental aprovado pelo Supremo Pastor, especialmente quando se trata do rito da Missa, que está no coração da vida da Igreja”. [↓32] A Congregação também reprovou Dom Lefebvre por duvidar da validade do novo rito de confirmação, assim como a validade das absolvições gerais. Finalmente, o comportamento do arcebispo francês foi condenado como sendo uma rejeição prática da autoridade de um concílio ecumênico e do Romano Pontífice. A Dom Lefebvre foi dado um mês para explicar-se e retratar de seus erros.
18. Conclusão sobre este ponto É evidente que Paulo VI está impondo a aceitação do Vaticano II como um critério de catolicidade, assim como os concílios ecumênicos foram tornados obrigatórios no passado, o que responde qualquer objeção de que o Vaticano II não seria obrigatório, devido a sua caráter pastoral incompreendido. Na verdade, aqueles que construiram esta reivindicação são os próprios que provam que está errado, uma vez que tornam evidente que o Vaticano II é tão obrigatório que não se pode ficar dentro das estruturas canônicas da Igreja, se rejeita o Vaticano II e a Missa Nova. É também evidente que Paulo VI está alegando a assistência do Espírito Santo, que garantiria a ortodoxia do Vaticano II. Esta posição foi mantida por João XXIII e Paulo VI em todos os momentos. Por isso, devemos concluir que as ocasiões em que se referiam à natureza pastoral do Vaticano II, a recusa de fazer quaisquer novas definições dogmáticas, ou de pronunciar anátemas solenes, não tira a natureza doutrinária do Concílio, e o fato de que isso deve ser seguido como regra de fé. Podemos repetir aqui novamente que a atitude solicitada aos católicos em relação aos documentos doutrinários do Concílio Vaticano II é da mesma natureza que a atitude exigida aos católicos em relação a documentos como a constituição dogmática Dei Filius (exceto os cânones, que o Vaticano II não tem) promulgada pelo Concílio Vaticano de 1870. Documentos deste tipo, mesmo que não definam nenhum dogma solene, dão uma regra infalível de fé, e sempre foram considerados como tal pelos teólogos.
19. Tanto o Papa como os bispos, segundo João Paulo II, têm o importante dever de implementar o Concílio Vaticano II. João XXIII é responsável pelo lançamento da revolução do Vaticano II; Paulo VI é responsável por tê-la realizado completamente; João Paulo II é responsável por tê-la confirmado em todos os lugares. No primeiro discurso de seu "pontificado", João Paulo II expõe os princípios pelos quais ele pretende orientar a Igreja: são os do Concílio Vaticano II. “Antes de mais nada, queremos ressaltar a importância incessante do Concílio Ecumênico Vaticano II, e aceitamos o dever definido de pô-lo em prática com assiduidade. De fato, não é esse Concílio universal uma espécie de marco por assim dizer, um evento da maior importância nos quase dois mil anos de história da Igreja e, consequentemente, na história religiosa e cultural do mundo? Entretanto, como o Concílio não se limita apenas aos documentos, também não se completa com as formas de aplicação que foram concebidas nestes anos pós-conciliares. Portanto, consideramos, com razão, que estamos obrigados ao dever primordial de promover com a maior diligência a implementação dos decretos e normas diretivas desse mesmo Sínodo Universal”. [↓33] João Paulo II explica ainda como deseja implementar a eclesiologia do Vaticano II e o ecumenismo, também quer fazer todo o seu conteúdo mais explícito: “É necessário que as coisas que nele se escondem ou – como dizem – são ‘implícitas’ pode se tornar explícito à luz das experiências feitas desde então e das exigências da mudança das circunstâncias”. [↓34] João Paulo II lembrará logicamente aos bispos de seu próprio dever de implementar o concílio. Assim, em um discurso na Conferência Episcopal Espanhola, ele disse o seguinte: “Uma parte importante da função episcopal hoje consistirá em aplicar corretamente os ensinamentos do último concílio ecumênico, sem qualquer desvio por defeito ou por excesso, levando em conta as indicações dadas em documentos pontifícios subsequentes...” [↓35]
20. Mais algumas confirmações sobre o caráter obrigatório do Vaticano II As confirmações podem ser inumeráveis, mas deixe nós aqui damos apenas alguns deles, mostrando que esta natureza obrigatória do Vaticano II tem sido consistentemente mantido desde que foi promulgado, até nossos dias. I – Em 1985 o Cardeal Ratzinger disse em uma entrevista: “Deve-se afirmar que o Vaticano II é mantido pela mesma autoridade que o Vaticano I e o Concílio de Trento, isto é, o Papa e o Colégio dos Bispos em comunhão com ele, e que também em relação ao seu conteúdo, o Vaticano II está na mais estrita continuidade com ambos os Concílios anteriores e incorpora seus textos palavra por palavra em pontos decisivos... Quem aceita o Vaticano II, como ele se expressou e compreendeu claramente, ao mesmo tempo aceita toda a tradição vinculante da Igreja Católica, particularmente também os dois Concílios anteriores... É igualmente impossível decidir a favor de Trento e do Vaticano I, mas contra o Vaticano II. Quem nega o Vaticano II nega a autoridade que sustenta os outros dois Concílios e assim se separa de sua fundação”. [↓36] Ratzinger era então o Cardeal Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. É evidente que ele considerava o Vaticano II como sendo defendido pela mesma autoridade que os Concílios de Trento e Vaticano I, ou seja, a autoridade de toda a Igreja docente, papa e bispos, unidos em um concílio ecumênico solene. Ele argumentou que rejeitar o Vaticano II é rejeitar esta autoridade e, portanto, pela mesma razão, é também rejeitar a autoridade sobre a qual se baseiam os Concílios de Trento e do Vaticano I. II - Em uma audiência dada aos catequistas em 30 de janeiro de 2021, Francisco os instruiu a ensinar as doutrinas do Vaticano II como a regra de fé. Ele repetiu as palavras de Paulo VI: “será o grande catecismo dos novos tempos” (dito em 23 junho de 1966) e ele acrescentou: “Isto é magistério: o Concílio é o magistério da Igreja. Ou estás com a Igreja e, portanto, segue o Concílio, ou se não segues o Concílio ou não o interpreta à tua maneira, como desejas, não estás com a Igreja. A este respeito, temos que ser exigentes, severos. Não, o Concílio não é se negocia para ter mais destes... Não, o Concílio é assim... Por favor, nenhuma concessão para aqueles que tentam apresentar uma catequese que não esteja de acordo com o Magistério da Igreja”. [↓37] Portanto, é impossível catequizar e ser catequizado sem estar em conformidade com os ensinamentos do Concílio Vaticano II. O Concílio Vaticano II é, portanto, estabelecido como regra de fé.
21. Conclusão: O Vaticano II é vinculativo e obrigatório
Qualquer um que tente resistir às mudanças do Vaticano II perceberá rapidamente que será recebido com forte oposição e, se for padre, experimentará o caráter vinculante do Vaticano II de uma forma muito prática: a dissidência do Vaticano II não é permitida e nunca será tolerada. Os ensinamentos do Concílio devem ser respeitado e seguido sem dúvida. A Missa Nova é igualmente obrigatória e não pode ser rejeitada, particularmente, por razões doutrinárias. O próprio Dom Lefebvre, em carta enviada a João Paulo II em 24 de dezembro de 1978, implorava pelo simples direito de praticar a fé tradicional e a liturgia: “Santíssimo Padre, pela honra de Jesus Cristo, pelo bem da Igreja, pela salvação das almas, rogamos-lhe que diga uma palavra, uma frase, como Sucessor de Pedro, como Pastor da Igreja Universal, aos bispos do mundo inteiro: ‘Laissez faire. Permitimos o livre exercício do que tem sido usado pela Tradição secular na salvação das almas’”. [↓38] Este pedido não lhe foi concedido, uma vez que ele deveria aceitar plena e publicamente os ensinamentos do Concílio Vaticano II e a legitimidade da reforma litúrgica. Neste ponto, Dom Lefebvre estava apenas pedindo uma coexistência pacífica, lado a lado, em cada diocese, da Missa Nova e da liturgia tradicional, em termos que na verdade pediam menos do que as concessões dadas pelo Summorum pontificum de Bento XVI. O Padre Guérard des Lauriers, O.P., repreendeu severamente o arcebispo por considerar tal compromisso possível, numa famosa carta intitulada “Monseigneur, nous ne voulons pas de cette paix” (“Excelência, não queremos uma paz deste tipo”).
ARTIGO II – A "NATUREZA PASTORAL" DO VATICANO II REFERE-SE A UMA ÊNFASE EXCESSIVA NA PESSOA HUMANA E A UM ABANDONO DA FILOSOFIA TRADICIONAL
22. “Pastoral” é uma palavra-chave dos modernistas Na mente do público em geral, tomar uma “abordagem pastoral” de um problema moral, no contexto da religião do Vaticano II, significa não resolver esse caso moral por uma mera conformidade com normas objetivas de moralidade, mas sim encontrar uma solução (um “discernimento”) baseada na experiência pessoal da lei moral. Nesta segunda parte, teremos um olhar para o significado desta “natureza pastoral” do Concílio Vaticano II, e mostraremos que antes do que significar uma apresentação simples e clara da fé católica, na verdade se refere a um abandono da filosofia tradicional para substituí-la por algo mais em consonância com o pensamento subjetivista moderno.
23. Como o Vaticano II foi uma “Concílio Pastoral” na concepção João Paulo II. Para marcar o décimo aniversário do início do concílio, em 1972, enquanto ele era arcebispo de Cracóvia, João Paulo II publicou um livro intitulado Sources of Renewal: Study on the Implementation of the Second Vatican Council. Nesta obra, João Paulo II endossa plenamente a “natureza pastoral” do Vaticano II, e explica: “Um Concílio ‘puramente’ doutrinário teria concentrado em definir o significado das verdades da fé, enquanto um Concílio Pastoral proclama, recorda ou esclarece verdades com o objetivo principal de dar aos cristãos um modo de vida, uma forma de pensar e agir”. [↓39] É preciso lembrar que João Paulo II foi um dos principais defensores do título “constituição pastoral”dada documento do Concílio Vaticano II intitulado Gaudium et spes. Enquanto muitos consideraram este documento como sendo de uma menor importância, e queria rotulá-lo como um mero “decreto” ou “carta” do Concílio, o Arcebispo Wojtyła, que tinha trabalhado no rascunho desde 1964, pronunciou-se a favor do título que enfatizou tanto a importância quanto a novidade do documento. Acabou sendo rotulada como uma “Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Moderno”. Era para ser o complemento “pastoral” e aplicação da Lumen gentium ou “Constituição dogmática sobre a Igreja” já publicada pelo mesmo Concílio. Gaudium et spes apareceu com uma nota explicativa, que apresenta como a sua natureza “pastoral”deve ser entendida: “E chamada ‘pastoral’, porque, apoiando-se em princípios doutrinais, pretende expor as relações da Igreja com o mundo e os homens de hoje”. Como consequência, se aplicarmos os princípios teológicos tradicionais, a doutrina contida nelas é o autêntico ensinamento do Concílio, que deve ser definitivo, enquanto que as aplicações práticas (seu aspecto "pastoral") está sujeito a circunstâncias, que por natureza não são definitivas. A mesma nota preliminar citada acima, diz isso em termos inequívocos: “Não compreende apenas elementos imutáveis, mas também transitórios. A Constituição deve, pois, ser interpretada segundo as normas teológicas gerais, tendo em conta, especialmente na segunda parte, as circunstâncias mutáveis com que estão intrinsecamente ligados os assuntos em questão”.
24. O personalismo de João Paulo II João Paulo II é um proeminente adepto da filosofia do personalismo, um sistema que pretende conciliar objetivismo e subjetivismo, e mesclar elementos do realismo tomista com a fenomenalismo [↓40]. Entre outras obras, escreveu Osoba i Czyn – Pessoa e ato – (1969), reconhecida como sua principal obra filosófica, na qual rejeitou um conhecimento puramente objetivo da personalidade, em favor de uma personalidade conhecida através da ação e experiência. Maurice Blondel (1861-1949) é reconhecido como um dos pais de personalismo. Tradicionalmente, a verdade é definida como a adequação da mente à realidade, isto é, alguém sabe a verdade quando sua mente está conforme a realidade objetiva. Blondel substituiu esta definição escolástica de verdade com o seguinte: a verdade é a adequação da mente com a vida. Portanto, neste sistema, a verdade é definida por uma conformação à experiência pessoal. Isto está no âmago do modernismo, e da nouvelle théologie. Blondel é hoje reconhecido por muitos como sendo o “filósofo do Vaticano II”, ou o “pai do Concílio”. Esta noção de verdade, dada por Blondel, é de certa forma integrado ao conceito de personalidade de João Paulo II. De fato, João Paulo II rejeita um entendimento objetivo da pessoa humana e da moralidade, mas apoia uma noção de pessoa humana que integra a experiência pessoal de sua existência e suas ações. Assim, torna-se errado avaliar a moralidade de uma maneira estritamente objetiva, sem referência à experiência pessoal. Esta abordagem à moralidade é particularmente evidente na Declaração do Vaticano II sobre a Liberdade Religiosa, na qual a liberdade religiosa se define a partir de um único ponto de vista, o da pessoa, e em relação somente à experiência da pessoa, em vez da verdade objetiva. Isto, acredita-se, é o que a “natureza pastoral” do Vaticano II realmente é.
25. João Paulo II reconhece que a “natureza pastoral” do Vaticano II refere-se a personalismo. João Paulo II descreve a “pastoral natureza” do Vaticano II como uma apresentação da verdade que está sendo experimentada pelos homens. O objetivo do Concílio, ele explica, não era “para responder perguntas como ‘O os homens devem acreditar?’, ‘Qual é o verdadeiro significado desta ou daquela verdade de fé...’ e assim por diante, mas sim para responder às mais complexas perguntas: ‘O que significa ser um crente, católico e membro do Igreja...’[...] [Esta pergunta é] difícil e complexa, porque não só pressupõe a verdade da fé e a pureza doutrina, mas também apela para que essa verdade estar situada na consciência humana e exige uma definição da atitude, ou melhor, as diversas atitudes, que vão para tornar o indivíduo um membro fiel da Igreja”. (Grifo do autor) [↓41] Como consequência, João Paulo II explicitamente identificou o Vaticano II como um “Concílio personalista”: “Um dos elementos que determina o caráter aberto do Vaticano II é o lugar ocupado pela pessoa humana no pensamento conciliar [...]. O homem foi considerado na situação que lhe é devida porque é uma pessoa. Talvez nunca até agora isso tenha sido dito tão claramente em um ensinamento. Nesse sentido, este é um concílio personalista.”. [↓42]
26. Paulo VI confirma que a “natureza pastoral" do Concílio é este enfoque sobre a pessoa humana.