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Da Natureza Pastoral do Vaticano II

Por Rev. Pe. Damien Dutertre, ICR.

(Traduzido por Richard Rafael Campeiro, dono do site Visão Meridional)

Este artigo aborda a objeção de que o Vaticano II seria "meramente pastoral" e, portanto, não mandatório, e que poderia ensinar o erro, mesmo em matéria de fé.



ARTIGO I – A "NATUREZA PASTORAL" DO VATICANO II NÃO EXCLUI O SEU CARÁCTER MANDATÓRIO


1. Objeção: “O Vaticano II era meramente um concílio pastoral”. Pelo termo “concílio pastoral” entende-se por vezes a ideia de que o Vaticano II não pretendia definir qualquer nova doutrina, e que, consequentemente, o Vaticano II não é infalível. Pretendia-se que fosse um esforço para apresentar a doutrina católica de uma forma adequada ao homem moderno. A isto se responde, em primeiro lugar, que o Vaticano II publicou ambas as “constituições pastorais” e “constituições dogmáticas”. A Lumen gentium, por exemplo, é uma constituição dogmática, cuj o objetivo era promover a apresentação da eclesiologia iniciada no Concílio Vaticano de 1870, e aprofundar a compreensão da Igreja sobre o papel dos bispos na Igreja. Ninguém nega este fato. Daí que tenha ensinado claramente a doutrina dogmática. O fato de João XXIII desejar dar-lhe um carácter pastoral não contradiz a sua natureza dogmática, como explicaremos quando comentarmos as palavras de João XXIII. Referimo-nos ao capítulo dedicado à indefectibilidade da Igreja para uma explicação mais profunda da doutrina da Igreja sobre o magistério, a sua autoridade e o seu exercício. Que seja suficiente repetir alguns pontos, a fim de avaliar devidamente de que tipo de autoridade o Concílio Vaticano II gozaria, de acordo com os princípios teológicos tradicionais da eclesiologia.

2. Um breve lembrete da doutrina católica sobre o magistério da Igreja. Leão XIII ensinou em sua encíclica Satis cognitum: “Cristo instituiu na Igreja um magistério vivo, autêntico e, ademais, perpétuo, o qual ele investiu da sua própria autoridade, revestiu do espírito de verdade, confirmou por milagres, e quis e severissimamente ordenou que os ensinamentos doutrinais desse magistério fossem recebidos como os seus próprios”. O poder do magistério da Igreja não é um poder de revelar novas doutrinas, mas sim o poder de salvaguardar o depósito da revelação (contida na Sagrada Escritura e na Tradição), de interpretar, de definir e de explicar. A Igreja pode, portanto, julgar infalivelmente que essa ou aquela doutrina esteja contida no depósito da revelação e também pode condenar uma doutrina que seja contrária. Deve-se distinguir o magistério pontifício, que é o exercício do poder de ensinar apenas pelo Papa, do magistério universal, que é o poder de ensinar, exercido por toda a Ecclesia docens (Igreja docente), nomeadamente pelos bispos em conjunto com o Papa e submetidos a ele. Nesta última categoria, deve-se novamente distinguir o magistério exercido no dia a dia (i.e., magistério ordinário) e o magistério exercido solenemente nos concílios ecumênicos. O magistério ordinário universal do Papa e dos bispos é exercido quando estão dispersos pelo mundo inteiro e ensinam à Igreja com autoridade, cada bispo da sua diocese, unidos sob a autoridade suprema do Romano Pontífice. O magistério extraordinário universal dos bispos, i.e., os concílios ecumênicos, é exercido quando todos os bispos do mundo estão solenemente reunidos pela autoridade do Romano Pontífice, e como um corpo moral julgam questões de doutrina e disciplina para a igreja universal. É importante ter em mente que o magistério supremo da Igreja é infalível, quer seja exercido de uma forma ordinária ou extraordinária, e quer seja exercido apenas pelo Papa ou por toda a Ecclesia docens(Igreja docente).

3. Os ensinamentos dos concílios ecumênicos são infalíveis Tal afirmação é verdade pelo fato de: a) Um concílio ecumênico, confirmado pela autoridade do Romano Pontífice, representa o poder supremo da Igreja docente, que é infalível. b) Se um concílio ecumênico errasse, toda a Igreja seria levada ao erro, uma vez que não é possível recorrer do julgamento definitivo de um concílio ecumênico sobre questões de fé. c) O testemunho da Tradição sempre demonstrou que os julgamentos dos concílios ecumênicos são irreversíveis, dados sob a assistência do Espírito Santo, cuja aceitação foi imposta a todos como critério de adesão à Igreja Católica. Como consequência, os teólogos explicam que o que quer que seja imposto de uma forma definida por um concílio ecumênico é infalível; o que quer que seja imposto a todos os católicos sem qualquer recurso possível é infalível. O que não é infalivelmente proposto, porém, são discussões realizadas durante o concílio, argumentos aduzidos em defesa dos doutrina proposta, exemplos, e coisas ditas en passant.

4. A ausência de anátemas, normalmente pronunciada pelos conselhos ecumênicos para definir a condenação de heresias, não é uma prova de falta de infalibilidade. Num concílio ecumênico, tanto os capítuloscapita –, como os cânones – canones – são infalíveis. Eis a explicação: tradicionalmente, os concílios ecuménicos apresentam a doutrina católica de duas maneiras: a) apresentam ou explicam positivamente uma doutrina, disposta em "capítulos"; b) definem a doutrina de forma negativa, através da fulminação de anátemas contra erros opostos (estes são chamados os "cânones"). Assim, tanto o Concílio de Trento, quanto o Concílio Vaticano de 1870 seguiram claramente este padrão. A doutrina da Igreja é apresentada pela primeira vez numa série de capítulos, definindo a doutrina, explicando-a, dando argumentos para a apoiar. Depois, no final dos documentos, vários cânones condenam ideias contrárias à doutrina que acabou de ser definida nos capítulos. Ambos os capítulos e cânones, contudo, são infalíveis, e sempre foram assim considerados pelos Padres, doutores e teólogos. Consequentemente, o fato de o Vaticano II não ter publicado qualquer fórmula de anátema (nenhum "cânone") não significa, por si só, que não seria infalível, uma vez que publicou vários capítulos, apresentados em diferentes constituições dogmáticas.

5. Os diferentes documentos publicados pelo Vaticano II têm uma confirmação tradicional “no Espírito Santo” pelo “poder apostólico dado por Cristo”. Os documentos publicados pelo Vaticano II terminam com palavras solenes deste tipo: “Tudo o que está estabelecido nesta Constituição Dogmática obteve a aprovação dos Padres do Sacrossanto Concílio. E Nós, com o poder apostólico que nos foi conferido por Cristo, juntamente com os veneráveis Padres, aprovamo-los, decretamo-los e estatuímo-los no Espírito Santo, e ordenamos que o que foi assim decretado pelo Concílio seja promulgado para a glória de Deus”. [↓1] Tal conclusão solene é muito característica de um documento emitido por um concílio ecumênico, que é uma reunião solene de toda a Igreja docente, a quem foi prometida a assistência do Espírito Santo e a autoridade suprema de Cristo: "Quem vos ouve, a mim ouve" (Lc. X, 16). Tais decretos solenes foram sempre considerados como estando protegidos do erro pelo Espírito Santo.

6. Alguns comentários de João XXIII, Paulo VI e da Comissão Teológica, são mal interpretados por alguns. Algumas pessoas, especialmente do campo do Reconhecer & Resistir, tiraram certas citações de João XXIII, Paulo VI e da Comissão Teológica do Vaticano II, fora do contexto, para negar praticamente qualquer autoridade ao Vaticano II, e certamente para negar que este deveria ser protegido pela assistência do Espírito Santo. Esta falsa afirmação já foi refutada por vários autores que escreveram em defesa do Vaticano II. E está continuamente a ser refutada pela própria existência da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), entre outros, uma vez que a sua própria existência é prova positiva de que o Vaticano II é tão obrigatório dentro das estruturas canônicas da "Igreja" oficial que não se pode permanecer dentro dessas estruturas enquanto se rejeitam as novidades do Vaticano II. É um fato muito bem estabelecido e experienciado que qualquer padre diocesano que comece a questionar o ensino do Vaticano II é rapidamente punido, e se não se arrepender, acaba por ser excomungado. A fim de refutar o que poderia ser considerado um mito tradicionalista, passemos por diferentes intervenções de João XXIII e Paulo VI, de modo a compreender que autoridade tem o Vaticano II, em suas visões.

7. O discurso de abertura do Vaticano II, por João XXIII, a 11 de outubro de 1962. No discurso de abertura [↓2] proferido a 11 de outubro de 1962, João XXIII afirma claramente que o Concílio Vaticano II será o vigésimo primeiro Concílio Ecuménico da Igreja. Ele diz claramente que está prestes a “afirmar, uma vez mais, a continuidade do magistério eclesiástico”, e “apresentar este magistério de uma forma extraordinária a todos os homens”. [↓3] Ele classifica claramente o concílio ecumênico como “magistério extraordinário da Igreja”. [↓4] João XXIII estabelece claramente “a salvaguarda e a promoção da doutrina” como a “tarefa principal do concílio” [↓5]. Diz ele em termos inequívocos: “O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz”. [↓6] A primeira menção à "natureza pastoral" do Concílio vem na seção da alocução intitulada “Como deve ser promovida a doutrina hoje” [↓7]. Por conseguinte, é muito claro que o carácter "pastoral" do Concílio não deve ser tomado como sendo contrário ao seu carácter doutrinal. Pelo contrário, João XXIII explica: “Mas atualmente é necessário que toda a doutrina cristã, com todas as suas partes, seja recebida por todos no nosso tempo com um novo anseio, com uma mente serena e calma, ensinada nessa forma precisa de formular por palavras e de exprimir, que brilha particularmente nas atas dos Concílios de Trento e Vaticano I”. [↓8] Assim, o que João XXIII chama um magistério de "natureza pastoral" é que a mesma doutrina seja apresentada com autoridade pela Igreja, mas de uma forma mais adequada ao nosso tempo e ao homem moderno, para que possa ser melhor apreciada e compreendida: “Uma coisa é a substância do ‘depositum fidei’, isto é, as verdades contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando-lhes, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance. Será preciso atribuir muita importância a esta forma e, se necessário, insistir com paciência, na sua elaboração; e dever-se-á usar a maneira de apresentar as coisas que mais corresponda ao magistério, cujo caráter é prevalentemente pastoral”. [↓9] João XXIII decide, consequentemente, propor a doutrina sem condenar solenemente os erros contrários: “A Igreja sempre se opôs a estes erros; muitas vezes até os condenou com a maior severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações.” [↓10]

8. Explicações dadas pela Comissão Teológica do Vaticano II em 6 de março de 1964, e 16 de novembro de 1964 Estas explicações foram dadas durante o Concílio e devem, portanto, ajudar a clarificar a intenção do Concílio. Além disso, as notificações dadas em 16 de novembro de 1964, foram publicadas em anexo à versão oficial latina da Constituição sobre a Igreja, Lumen gentium, promulgada alguns dias mais tarde, em 21 de novembro de 1964 [↓11]. Mostra claramente a importância destas notificações. Lê-se o seguinte: NOTIFICAÇÕES FEITAS PELO EX.MO SECRETÁRIO GERAL DO SAGRADO CONCÍLIO, NA CONGREGAÇÃO GERAL CXXIII, NO DIA 16 DE NOVEMBRO DE 1964 Foi perguntado qual deve ser a qualificação teológica da doutrina exposta no esquema De Ecclesia que se propõe à votação. A Comissão Doutrinal respondeu à pergunta ao examinar os Modos referentes ao capítulo terceiro do esquema De Ecclesia, com estas palavras: “Como é evidente, o texto conciliar deve sempre ser interpretado segundo as regras gerais, de todos conhecidas”. A Comissão Doutrinal, nesta ocasião, remete para a sua Declaração do dia 6 de março de 1964, cujo texto se transcreve aqui: “Tendo em conta a praxe conciliar e o fim pastoral do presente Concilio, este sagrado Concilio só define aquelas coisas relativas à fé e aos costumes que abertamente declarar como de fé. Tudo o mais que o sagrado Concílio propõe, como doutrina do supremo Magistério da Igreja, devem-no os fiéis receber e abraçar segundo a mente do mesmo sagrado Concílio, a qual se deduz quer do assunto em questão, quer do modo de dizer, segundo as normas da interpretação teológica”. [↓12] As normas de interpretação teológica são que um concílio ecumênico é infalível quando ensina fé e moral, embora os exemplos ou argumentos apresentados na exposição da doutrina contida nos capítulos não possam ser cobertos pela mesma garantia. Os mesmos critérios aplicados pelos teólogos às constituições dogmáticas dos Concílios passados, tais como a constituição Dei Filius do Concílio Vaticano de 1870, devem ser aplicados exatamente da mesma forma às constituições dogmáticas do Vaticano II, tais como a Lumen gentium. Este é o significado claro destas notificações, e é confirmado pela atitude do “magistério” oficial subsequente em relação ao mesmo.

9. A 4 de novembro de 1965, Paulo VI reconheceu explicitamente que o Vaticano II já tinha emitido, a essa altura, muitos pontos de magistério extraordinário. A própria natureza de um concílio ecumênico faz com que o seu ensino pertença ao que temos descrito como magistério extraordinário ou solene, que é sempre infalível quando se ensina sobre a fé e a moral. E o próprio Paulo VI parece ter reconhecido este fato. Assim, a 4 de novembro de 1965, ele declarou: “E primeiro que se apresentem agradecimentos dignos a Deus Todo-Poderoso, que, durante toda a celebração do Concílio, nunca deixou de estar presente pela sua ajuda sobrenatural e pela abundância de luzes celestiais. De fato, se considerarmos a imensa quantidade de trabalho já realizado pelo Concílio, somos realmente tomados de admiração, quer em conta dos muitos pontos de doutrina que foram propostos pelo magistério extraordinário da Igreja, ou por causa das normas de disciplina sabiamente emitidas [...]”. (grifo do autor) [↓13] Não se pode negar que, nessa altura, Paulo VI reconheceu claramente o trabalho do Vaticano II a ser o trabalho do magistério extraordinário da Igreja. É importante perceber que a constituição dogmática Lumen gentium já tinha sido publicada um ano antes, a 21 de novembro de 1964. Claramente, portanto, a Lumen gentium é um dos documentos [↓14] que Paulo VI qualificou como contendo “muitos pontos de doutrina propostos pelo magistério extraordinário da Igreja”.

10. Homilia proferida a 7 de dezembro de 1965, na última sessão do Concílio Vaticano II, na qual Paulo VI declara que nenhuma doutrina tem sido definido por um pronunciamento extraordinário. Foi visto que Paulo VI considerava os documentos do Vaticano II como fazendo parte do magistério extraordinário da Igreja, e ele irá reiterar isto mais tarde, como será visto. Paulo VI afirma, contudo, que o Vaticano II não promulgou nenhum novo dogma de uma forma extraordinária. Isto pode parecer contraditório, mas Paulo VI quer fazer uma distinção entre o modo ou a forma como o magistério é exercido pelo Vaticano II, e a sua autoridade dogmática. Como concílio ecumênico, o Vaticano II pretende ser um acontecimento extraordinário da vida da Igreja e, portanto, um exercício extraordinário do seu magistério. Mas, afirma Paulo VI, o Vaticano II não define qualquer nova doutrina, e meramente apresenta a doutrina católica de uma nova forma adaptada ao mundo moderno ("pastoral"), e assim não seria classificado como contendo qualquer definição extraordinária, mas meramente um nível ordinário de ensino. O que se discute, então, é exatamente como compreender esta novidade [↓15] introduzida por Paulo VI. Alguns relegaram todo o ensino do Vaticano II como sendo meramente um magistério autêntico, ou seja, um ensino que, embora obrigatório, nunca é infalível. Mas isto é claramente falso, por muitos motivos. De fato, mesmo o magistério ordinário é infalível no ensino da fé, se ele apenas ensinasse coisas já definidas. Mesmo que a Igreja não defina nenhum novo dogma, ela é infalível em transmitir e ensinar a fé a cada geração, em todo o mundo. Certamente, portanto, ela deve ser infalível em um evento tão solene como um concílio ecumênico, mesmo que ela esteja apenas repetindo doutrinas já definidas. É inconcebível que a Igreja, em seu ensinamento ordinário da Fé, seja através de encíclicas do Romano Pontífice, seja mesmo através de catecismos aprovados em todo o mundo, possa impor como vínculo às consciências algo que contradiga as definições anteriores da Fé. Porque caso a Igreja estivesse obrigando as consciências de todos os católicos a algo contrário à fé, logo a Igreja se tornaria um meio de danação, o que é absolutamente impossível. Vamos antes aplicar a teologia tradicional princípios para avaliar o valor dogmático de Vaticano II. Para fazer uma comparação com Concílio Vaticano de 1870, podemos dizer que o Vaticano II não emitiu nenhuma profissão solene de dogma tal como foi promulgado no dogma constituição Pastor Aeternus, que definiu como um dogma solene a infalibilidade papal, mas que o Vaticano II ensina a fé em um modo semelhante ao realizado por a outra constituição do Concílio Vaticano de 1870, Dei Filius, ou seja, ao dar uma regra de fé, sem propor especificamente um ponto particular como um dogma recentemente definido. Eis a passagem relevante da homilia proferida por Paulo VI: “Agora é útil observar que, embora a Igreja não quisesse definir nenhum ponto da doutrina através de pronunciamentos dogmáticos extraordinários em seu magistério, ela propôs com autoridade sua doutrina em muitas questões, às quais os homens são hoje obrigados a conformar sua consciência e seu comportamento”. [↓16] Paulo VI não está de modo algum dizendo que “o Vaticano II não é infalível e pode ser descartado”, mas pelo contrário, ele na verdade declara positivamente que se está obrigado a se conformar e manter a doutrina do Vaticano II, mesmo que não tenha definido nenhum novo dogma. E o ensino de um concílio ecumênico, que se torna obrigatório para os fiéis, é certamente garantido pela assistência do Espírito Santo, que também é claramente ensinado por Paulo VI, como será visto mais adiante.

11. Em 12 de janeiro de 1966, Paulo VI atribuiu a autoridade do “supremo magistério ordinário” da Igreja ao Concílio Vaticano II. Em uma audiência geral, realizada em 12 de janeiro de 1966, primeiramente Paulo VI lembra que o objetivo principal do Concílio era reafirmar a doutrina da Igreja de uma maneira adequada para tempos atuais. Ele assim o declara: “É um grande ato do magistério eclesiástico; e quem adere ao Concílio assim reconhece e honra ao magistério da Igreja”. [↓17] Paulo VI se refere então às mesmas regras dadas acima, quanto à autoridade que deve ser dada aos ensinamentos do Concílio: “Há quem pergunte qual é a autoridade, a qualificação teológica, que o Concílio quis atribuir a seus ensinamentos, sabendo que evitou dar definições dogmáticas solenes, engajando-se na infalibilidade do magistério eclesiástico. E a resposta é conhecida por aqueles que se lembram da declaração conciliar de 6 de março de 1964, repetida em 16 de novembro de 1964: ‘dado o caráter pastoral do Concílio, evitou pronunciar de forma extraordinária dogmas dotados da nota de infalibilidade, mas dotou seus ensinamentos da autoridade do supremo magistério ordinário, que o magistério ordinário e tão claramente autêntico deve ser aceito dócil e sinceramente por todos os fiéis, de acordo com a mente do Concílio quanto à natureza e objetivos dos documentos individuais’”. [↓18] Ninguém pode negar que Paulo VI considera o magistério do Vaticano II um magistério extraordinário, como já demonstramos, no sentido de que é o ensinamento de um concílio ecumênico, que é uma forma extraordinária de ensinar a fé. O que Paulo VI quis dizer nesta audiência, portanto, é que a autoridade do Vaticano II é a mesma do magistério supremo ordinário da Igreja, que embora não declare solene e infalivelmente qualquer novo pronunciamento dogmático, ainda assim propõe a fé já definida pela Igreja (de uma forma nova, pastoral, adaptada ao homem moderno, supostamente). E, ao fazer isso, a Igreja é infalível. É realmente muito importante lembrar que o supremo magistério ordinário da Igreja é tão infalível quanto o seu magistério solene. Repitamos aqui o ensinamento do Concílio Vaticano de 1870 (na Constituição Dogmática Dei Filius): “Deve-se, pois, crer com fé divina e católica tudo o que está contido na palavra divina escrita ou transmitida pela Tradição, bem como tudo o que a Igreja, quer em declaração solene, quer pelo Magistério ordinário e universal, nos propõe a crer como revelado por Deus”. Consequentemente, como já dissemos, os mesmos critérios de interpretação tradicionalmente aplicado aos concílios ecumênicos anteriores deve ser aplicado igualmente ao Concílio Vaticano II. O próprio Paulo VI o diz nesta mesma audiência: “Devemos entrar no espírito destes critérios basilares do magistério eclesiástico”. [↓19]

12. Em 31 de janeiro de 1966, Paulo VI indicou regras adequadas de interpretação do Concílio Vaticano II. Em uma alocução aos membros da Comissão encarregada da interpretação dos decretos do Vaticano II, Paulo VI disse o seguinte: “Um dever é confiado a vós... É realmente lutar por todos os meios para que não surjam dúvidas a respeito dos decretos do Concílio, e que não se possa julgá-los ou transformá-los à sua vontade. Será útil reiterar aqui as palavras empregadas pelo Papa Pio IV, nosso predecessor, quando confirmou o Santo Concílio de Trento: ‘se por mais que algo parecesse a alguém ter sido dito ou estabelecido de forma obscura neles (isto é, nos decretos), e por causa disso, precisar de alguma interpretação ou decisão: que ele venha ao lugar escolhido pelo Senhor, isto é, à Sé Apostólica, mestre de todos os fiéis’”. [↓20] Os decretos de um concílio ecumênico devem ser compreendidos no sentido de que a Igreja os entende, por seu magistério. Assim é impossível, a fim de salvar o Vaticano II, "girar" seu ensino de uma forma contrária à interpretação dada oficialmente pelo magistério autoritativo.

13. Em 23 de abril de 1966, Paulo VI exigiu que atribuíssemos a doutrina conciliar à inspiração do Espírito Santo. Alguns meses apenas após o fim do Vaticano II, Paulo VI nos pediu, em outra exortação, para ter uma “adesão inteira e sem reserva” para as deliberações do Concílio Vaticano II, e para considerar seu ensino como “inspiração do Espírito Santo”: “Mas agora é necessário atribuir as doutrinas conciliares ao magistério da Igreja, ou melhor, ao sopro do Espírito Santo e devemos com uma fé segura e unânime aceitar o grande 'tomo', isto é, o volume, o texto dos ensinamentos e preceitos, que o Concílio transmite à Igreja”. [↓21] Enfatizemos o fato de que Paulo VI declara claramente que o ensinamento do Concílio faz parte do magistério da Igreja, e que é atribuído ao sopro do Espírito Santo. Este ensinamento, diz ele, deve ser aceito com fé segura e unânime. Deixe o leitor refletir sobre estas palavras. Elas foram ditas depois de todos os comentários mencionados acima, provando assim que nossa compreensão está correta: O Vaticano II não pretendia proclamar solenemente qualquer novo pronunciamento dogmático, mas em princípio as mesmas regras de interpretação devem ser aplicadas a seu ensino, que são aplicadas ao ensino dos concílios ecumênicos anteriores, como a constituição dogmática Dei Filius do Vaticano I.

14. Em 23 de junho de 1966, Paulo VI confirmou a natureza obrigatória do Vaticano II, e que deve ser utilizado no ensino da fé como catecismo. Em uma alocução à Conferência Episcopal Italiana, Paulo VI elogiou o trabalho do Vaticano II e insistiu no dever de salvaguardar e aplicar seu ensinamento. Ele o chamou de “grande catecismo” para nosso tempo, o que é muito significativo, pois um catecismo da Igreja universal seria dado como norma de fé e, portanto, protegido pela infalibilidade da Igreja; e desde que confirma o que explicamos a respeito da orientação pastoral do Concílio Vaticano II. “Temos que olhar para o Concílio com gratidão a Deus e com confiança pelo futuro da Igreja; será o grande catecismo dos novos tempos”. [↓22]

15. Paulo VI denunciou a atitude do Arcebispo Lefebvre, primeiro em um consistório secreto de 24 de maio de 1976. Paulo VI dirigiu-se aos Cardeais: “E isto é afirmado abertamente! Eles não hesitam sequer em afirmar que o Concílio Vaticano II carece de qualquer força obrigante; que a fé estaria até em perigo por causa das normas propostas após o Concílio; que não se deve obedecer, a fim de preservar certas tradições. Que tradições? É a este grupo, e não ao Romano Pontífice, e não ao Colégio Episcopal, e não ao Concílio Ecumênico, que caberia definir, entre as inúmeras tradições, aquelas que devem ser consideradas como padrões de fé! Como veem, veneráveis irmãos, tal atitude se configura como juiz dessa vontade divina que fez de Pedro e seus legítimos sucessores a cabeça da Igreja para confirmar seus irmãos na fé e alimentar o rebanho universal. (cf. Lc. XXII, 32; Jo XXI, 15 ss.), e que o fez patrono e guardião do depósito da fé”. [↓23]

16. Paulo VI enviou uma carta direta ao Arcebispo Lefebvre, para dizer-lhe pessoalmente que o Vaticano II é obrigatório e que a Missa Nova é obrigatória. Nesta carta muito importante, de 11 de outubro de 1976, Paulo VI dá uma série de esclarecimentos, contra qualquer tentativa de destituição da autoridade do Vaticano II ou da natureza obrigatória da Missa Nova. Citaremos em grande parte passagens desta carta, uma vez que ela aborda claramente todas as objeções que refutamos, em uma carta dirigida a ninguém menos queo Arcebispo Lefebvre, que está na origem dessas mesmas objeções, seja diretamente ou através de seus discípulos. Daí que esta carta de Paulo VI é uma resposta direta, do próprio Paulo VI, contra as objeções que ele (Paulo VI) não pretendia tornar obrigatório o Vaticano II, ou não o considerava protegido pela infalibilidade dada à Igreja pelo Espírito Santo. Entre outras coisas, Paulo VI deixa muito claro que rejeitar o Vaticano II e a Missa Nova é rejeitar a autoridade do Romano Pontífice e de um Concílio Ecumênico: “O que realmente está em jogo é a questão, que deve ser verdadeiramente chamada fundamental, de sua recusa claramente proclamada em reconhecer, em seu conjunto, a autoridade do Concílio Vaticano II e a do Papa. Esta recusa é acompanhada de uma ação orientada para propagar e organizar o que, infelizmente, deve ser chamado de rebelião. Este é o problema essencial e é verdadeiramente insustentável”. [↓24] Paulo VI declara então, em termos inequívocos, que o Vaticano II, por ser um concílio ecumênico, é um ato do magistério solene da Igreja, que é garantido estar livre de erros: “Quanto aos bispos unidos ao soberano pontífice, seu poder em relação à Igreja universal é exercido solenemente nos concílios ecumênicos”. [↓25] “Papas e concílios ecumênicos têm agido comumente desta forma, com a ajuda especial do Espírito Santo. E foi precisamente o que fez o Concílio Vaticano II. Nada do que foi decretado neste Concílio, ou nas reformas que promulgamos para que o Concílio entrasse em vigor, se opõe ao que a tradição de 2.000 anos da Igreja contém como fundamental e imutável. Disto somos o fiador, não em virtude de nossas qualidades pessoais, mas em virtude do encargo que o Senhor nos conferiu como legítimo sucessor de Pedro, e em virtude da assistência especial que Ele nos prometeu como a Pedro: ‘Rezei por ti, para que tua fé não falhe’ (Lc. XXII, 32). Conosco, o episcopado universal é a garantia disto”.(Grifo do autor) [↓26] Paulo VI continua indicando que todos os documentos do Concílio têm que ser aceitos e qualquer ensinamento definitivo relativo à doutrina revelada exigiria de fato um consentimento de fé: “Também não se pode apelar para a distinção entre o que é dogmático e o que é pastoral para aceitar certos textos deste Concílio e para recusar outros. De fato, nem tudo em um Concílio requer um consentimento da mesma natureza: apenas o que é afirmado por atos ‘definitivos’ como objeto de fé ou como verdade relacionada à fé requer um consentimento de fé. Mas o resto também faz parte do magistério solene da Igreja ao qual cada fiel deve uma aceitação confiante e uma aplicação sincera”.[↓27] Paulo VI faz um argumento semelhante contra a rejeição do Arcebispo Lefebvre da Missa Nova: “Da mesma concepção errônea surge seu abuso de celebrar a chamada Missa de São Pio V”. [↓28] Paulo VI exige com autoridade uma retratação formal, professando adesão ao Concílio Vaticano II como a outros Concílios Ecumênicos: “Esta declaração deverá, portanto, afirmar que vós aderistes sinceramente ao Concílio Ecumênico Vaticano II e a todos os seus documentos – sensu obvio ("em seu sentido óbvio") – que foram adotados pelos pais do Concílio e aprovados e promulgados por Nossa autoridade. Pois tal adesão sempre foi a regra, na Igreja, desde o início, em matéria de concílios ecumênicos. Deve ficar claro que vós aceitastes igualmente as decisões que tomamos desde o Concílio para colocá-lo em prática, com a ajuda dos órgãos da Santa Sé; entre outras coisas, vós deveis reconhecer explicitamente a legitimidade da liturgia reformada, notadamente do Ordo Missae, e nosso direito de exigir sua adoção por todo o povo cristão. Vós também deveis admitir o caráter obrigatório das regras do direito canônico agora em vigor” [↓29] Na verdade, o Arcebispo Lefebvre foi informado por Paulo VI que o Vaticano II ainda é, em certos aspectos, de maior importância do que o Concílio de Niceia. [↓30]

17. Carta do Cardeal Seper a Dom Lefebvre (28 de janeiro de 1978) Paulo VI confiou a análise das posições doutrinárias de Dom Lefebvre à Congregação para a Doutrina da Fé. Esta congregação (a substituição do antigo Santo Ofício), sob a direção do Cardeal Seper, conduziu uma investigação detalhada das posições de Dom Lefebvre, e esclareceu uma série de coisas a respeito do caráter obrigatório do Concílio. A resposta da Congregação estabeleceu claramente, entre outras coisas, que a declaração sobre liberdade religiosa, embora não seja uma definição, requer a docilidade e o consentimento dos fiéis, e não pode ser rejeitada como errônea: “Pela declaração conciliar, este ponto de doutrina pertence claramente à magistério, e embora não seja o objeto de uma definição, exige docilidade e parecer favorável. Não é, portanto, lícito para a fiéis católicos para rejeitá-lo como errôneo, mas eles devem aceitá-lo no exato significado e intenção que lhe foi dada pelo Concílio”. [↓31] Ao comentar sobre a rejeição de Dom Lefebvre à Missa Nova, a Congregação explica: “Vossas críticas ao Ordo Missae promulgado por Paulo VI vai muito acima qualquer preferência litúrgica, mas tem uma natureza que é essencialmente doutrinal... Os fiéis não podem de fato lançar dúvidas sobre a conformidade com a doutrina da fé de um rito sacramental aprovado pelo Supremo Pastor, especialmente quando se trata do rito da Missa, que está no coração da vida da Igreja”. [↓32] A Congregação também reprovou Dom Lefebvre por duvidar da validade do novo rito de confirmação, assim como a validade das absolvições gerais. Finalmente, o comportamento do arcebispo francês foi condenado como sendo uma rejeição prática da autoridade de um concílio ecumênico e do Romano Pontífice. A Dom Lefebvre foi dado um mês para explicar-se e retratar de seus erros.

18. Conclusão sobre este ponto É evidente que Paulo VI está impondo a aceitação do Vaticano II como um critério de catolicidade, assim como os concílios ecumênicos foram tornados obrigatórios no passado, o que responde qualquer objeção de que o Vaticano II não seria obrigatório, devido a sua caráter pastoral incompreendido. Na verdade, aqueles que construiram esta reivindicação são os próprios que provam que está errado, uma vez que tornam evidente que o Vaticano II é tão obrigatório que não se pode ficar dentro das estruturas canônicas da Igreja, se rejeita o Vaticano II e a Missa Nova. É também evidente que Paulo VI está alegando a assistência do Espírito Santo, que garantiria a ortodoxia do Vaticano II. Esta posição foi mantida por João XXIII e Paulo VI em todos os momentos. Por isso, devemos concluir que as ocasiões em que se referiam à natureza pastoral do Vaticano II, a recusa de fazer quaisquer novas definições dogmáticas, ou de pronunciar anátemas solenes, não tira a natureza doutrinária do Concílio, e o fato de que isso deve ser seguido como regra de fé. Podemos repetir aqui novamente que a atitude solicitada aos católicos em relação aos documentos doutrinários do Concílio Vaticano II é da mesma natureza que a atitude exigida aos católicos em relação a documentos como a constituição dogmática Dei Filius (exceto os cânones, que o Vaticano II não tem) promulgada pelo Concílio Vaticano de 1870. Documentos deste tipo, mesmo que não definam nenhum dogma solene, dão uma regra infalível de fé, e sempre foram considerados como tal pelos teólogos.

19. Tanto o Papa como os bispos, segundo João Paulo II, têm o importante dever de implementar o Concílio Vaticano II. João XXIII é responsável pelo lançamento da revolução do Vaticano II; Paulo VI é responsável por tê-la realizado completamente; João Paulo II é responsável por tê-la confirmado em todos os lugares. No primeiro discurso de seu "pontificado", João Paulo II expõe os princípios pelos quais ele pretende orientar a Igreja: são os do Concílio Vaticano II. “Antes de mais nada, queremos ressaltar a importância incessante do Concílio Ecumênico Vaticano II, e aceitamos o dever definido de pô-lo em prática com assiduidade. De fato, não é esse Concílio universal uma espécie de marco por assim dizer, um evento da maior importância nos quase dois mil anos de história da Igreja e, consequentemente, na história religiosa e cultural do mundo? Entretanto, como o Concílio não se limita apenas aos documentos, também não se completa com as formas de aplicação que foram concebidas nestes anos pós-conciliares. Portanto, consideramos, com razão, que estamos obrigados ao dever primordial de promover com a maior diligência a implementação dos decretos e normas diretivas desse mesmo Sínodo Universal”. [↓33] João Paulo II explica ainda como deseja implementar a eclesiologia do Vaticano II e o ecumenismo, também quer fazer todo o seu conteúdo mais explícito: “É necessário que as coisas que nele se escondem ou – como dizem – são ‘implícitas’ pode se tornar explícito à luz das experiências feitas desde então e das exigências da mudança das circunstâncias”. [↓34] João Paulo II lembrará logicamente aos bispos de seu próprio dever de implementar o concílio. Assim, em um discurso na Conferência Episcopal Espanhola, ele disse o seguinte: “Uma parte importante da função episcopal hoje consistirá em aplicar corretamente os ensinamentos do último concílio ecumênico, sem qualquer desvio por defeito ou por excesso, levando em conta as indicações dadas em documentos pontifícios subsequentes...” [↓35]

20. Mais algumas confirmações sobre o caráter obrigatório do Vaticano II As confirmações podem ser inumeráveis, mas deixe nós aqui damos apenas alguns deles, mostrando que esta natureza obrigatória do Vaticano II tem sido consistentemente mantido desde que foi promulgado, até nossos dias. I – Em 1985 o Cardeal Ratzinger disse em uma entrevista: “Deve-se afirmar que o Vaticano II é mantido pela mesma autoridade que o Vaticano I e o Concílio de Trento, isto é, o Papa e o Colégio dos Bispos em comunhão com ele, e que também em relação ao seu conteúdo, o Vaticano II está na mais estrita continuidade com ambos os Concílios anteriores e incorpora seus textos palavra por palavra em pontos decisivos... Quem aceita o Vaticano II, como ele se expressou e compreendeu claramente, ao mesmo tempo aceita toda a tradição vinculante da Igreja Católica, particularmente também os dois Concílios anteriores... É igualmente impossível decidir a favor de Trento e do Vaticano I, mas contra o Vaticano II. Quem nega o Vaticano II nega a autoridade que sustenta os outros dois Concílios e assim se separa de sua fundação”. [↓36] Ratzinger era então o Cardeal Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. É evidente que ele considerava o Vaticano II como sendo defendido pela mesma autoridade que os Concílios de Trento e Vaticano I, ou seja, a autoridade de toda a Igreja docente, papa e bispos, unidos em um concílio ecumênico solene. Ele argumentou que rejeitar o Vaticano II é rejeitar esta autoridade e, portanto, pela mesma razão, é também rejeitar a autoridade sobre a qual se baseiam os Concílios de Trento e do Vaticano I. II - Em uma audiência dada aos catequistas em 30 de janeiro de 2021, Francisco os instruiu a ensinar as doutrinas do Vaticano II como a regra de fé. Ele repetiu as palavras de Paulo VI: “será o grande catecismo dos novos tempos” (dito em 23 junho de 1966) e ele acrescentou: “Isto é magistério: o Concílio é o magistério da Igreja. Ou estás com a Igreja e, portanto, segue o Concílio, ou se não segues o Concílio ou não o interpreta à tua maneira, como desejas, não estás com a Igreja. A este respeito, temos que ser exigentes, severos. Não, o Concílio não é se negocia para ter mais destes... Não, o Concílio é assim... Por favor, nenhuma concessão para aqueles que tentam apresentar uma catequese que não esteja de acordo com o Magistério da Igreja”. [↓37] Portanto, é impossível catequizar e ser catequizado sem estar em conformidade com os ensinamentos do Concílio Vaticano II. O Concílio Vaticano II é, portanto, estabelecido como regra de fé.

21. Conclusão: O Vaticano II é vinculativo e obrigatório

Qualquer um que tente resistir às mudanças do Vaticano II perceberá rapidamente que será recebido com forte oposição e, se for padre, experimentará o caráter vinculante do Vaticano II de uma forma muito prática: a dissidência do Vaticano II não é permitida e nunca será tolerada. Os ensinamentos do Concílio devem ser respeitado e seguido sem dúvida. A Missa Nova é igualmente obrigatória e não pode ser rejeitada, particularmente, por razões doutrinárias. O próprio Dom Lefebvre, em carta enviada a João Paulo II em 24 de dezembro de 1978, implorava pelo simples direito de praticar a fé tradicional e a liturgia: “Santíssimo Padre, pela honra de Jesus Cristo, pelo bem da Igreja, pela salvação das almas, rogamos-lhe que diga uma palavra, uma frase, como Sucessor de Pedro, como Pastor da Igreja Universal, aos bispos do mundo inteiro: ‘Laissez faire. Permitimos o livre exercício do que tem sido usado pela Tradição secular na salvação das almas’”. [↓38] Este pedido não lhe foi concedido, uma vez que ele deveria aceitar plena e publicamente os ensinamentos do Concílio Vaticano II e a legitimidade da reforma litúrgica. Neste ponto, Dom Lefebvre estava apenas pedindo uma coexistência pacífica, lado a lado, em cada diocese, da Missa Nova e da liturgia tradicional, em termos que na verdade pediam menos do que as concessões dadas pelo Summorum pontificum de Bento XVI. O Padre Guérard des Lauriers, O.P., repreendeu severamente o arcebispo por considerar tal compromisso possível, numa famosa carta intitulada “Monseigneur, nous ne voulons pas de cette paix” (“Excelência, não queremos uma paz deste tipo”).

ARTIGO II – A "NATUREZA PASTORAL" DO VATICANO II REFERE-SE A UMA ÊNFASE EXCESSIVA NA PESSOA HUMANA E A UM ABANDONO DA FILOSOFIA TRADICIONAL


22. “Pastoral” é uma palavra-chave dos modernistas Na mente do público em geral, tomar uma “abordagem pastoral” de um problema moral, no contexto da religião do Vaticano II, significa não resolver esse caso moral por uma mera conformidade com normas objetivas de moralidade, mas sim encontrar uma solução (um “discernimento”) baseada na experiência pessoal da lei moral. Nesta segunda parte, teremos um olhar para o significado desta “natureza pastoral” do Concílio Vaticano II, e mostraremos que antes do que significar uma apresentação simples e clara da fé católica, na verdade se refere a um abandono da filosofia tradicional para substituí-la por algo mais em consonância com o pensamento subjetivista moderno.

23. Como o Vaticano II foi uma “Concílio Pastoral” na concepção João Paulo II. Para marcar o décimo aniversário do início do concílio, em 1972, enquanto ele era arcebispo de Cracóvia, João Paulo II publicou um livro intitulado Sources of Renewal: Study on the Implementation of the Second Vatican Council. Nesta obra, João Paulo II endossa plenamente a “natureza pastoral” do Vaticano II, e explica: “Um Concílio ‘puramente’ doutrinário teria concentrado em definir o significado das verdades da fé, enquanto um Concílio Pastoral proclama, recorda ou esclarece verdades com o objetivo principal de dar aos cristãos um modo de vida, uma forma de pensar e agir”. [↓39] É preciso lembrar que João Paulo II foi um dos principais defensores do título “constituição pastoral”dada documento do Concílio Vaticano II intitulado Gaudium et spes. Enquanto muitos consideraram este documento como sendo de uma menor importância, e queria rotulá-lo como um mero “decreto” ou “carta” do Concílio, o Arcebispo Wojtyła, que tinha trabalhado no rascunho desde 1964, pronunciou-se a favor do título que enfatizou tanto a importância quanto a novidade do documento. Acabou sendo rotulada como uma “Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Moderno”. Era para ser o complemento “pastoral” e aplicação da Lumen gentium ou “Constituição dogmática sobre a Igreja” já publicada pelo mesmo Concílio. Gaudium et spes apareceu com uma nota explicativa, que apresenta como a sua natureza “pastoral”deve ser entendida: “E chamada ‘pastoral’, porque, apoiando-se em princípios doutrinais, pretende expor as relações da Igreja com o mundo e os homens de hoje”. Como consequência, se aplicarmos os princípios teológicos tradicionais, a doutrina contida nelas é o autêntico ensinamento do Concílio, que deve ser definitivo, enquanto que as aplicações práticas (seu aspecto "pastoral") está sujeito a circunstâncias, que por natureza não são definitivas. A mesma nota preliminar citada acima, diz isso em termos inequívocos: “Não compreende apenas elementos imutáveis, mas também transitórios. A Constituição deve, pois, ser interpretada segundo as normas teológicas gerais, tendo em conta, especialmente na segunda parte, as circunstâncias mutáveis com que estão intrinsecamente ligados os assuntos em questão”.

24. O personalismo de João Paulo II João Paulo II é um proeminente adepto da filosofia do personalismo, um sistema que pretende conciliar objetivismo e subjetivismo, e mesclar elementos do realismo tomista com a fenomenalismo [↓40]. Entre outras obras, escreveu Osoba i Czyn – Pessoa e ato – (1969), reconhecida como sua principal obra filosófica, na qual rejeitou um conhecimento puramente objetivo da personalidade, em favor de uma personalidade conhecida através da ação e experiência. Maurice Blondel (1861-1949) é reconhecido como um dos pais de personalismo. Tradicionalmente, a verdade é definida como a adequação da mente à realidade, isto é, alguém sabe a verdade quando sua mente está conforme a realidade objetiva. Blondel substituiu esta definição escolástica de verdade com o seguinte: a verdade é a adequação da mente com a vida. Portanto, neste sistema, a verdade é definida por uma conformação à experiência pessoal. Isto está no âmago do modernismo, e da nouvelle théologie. Blondel é hoje reconhecido por muitos como sendo o “filósofo do Vaticano II”, ou o “pai do Concílio”. Esta noção de verdade, dada por Blondel, é de certa forma integrado ao conceito de personalidade de João Paulo II. De fato, João Paulo II rejeita um entendimento objetivo da pessoa humana e da moralidade, mas apoia uma noção de pessoa humana que integra a experiência pessoal de sua existência e suas ações. Assim, torna-se errado avaliar a moralidade de uma maneira estritamente objetiva, sem referência à experiência pessoal. Esta abordagem à moralidade é particularmente evidente na Declaração do Vaticano II sobre a Liberdade Religiosa, na qual a liberdade religiosa se define a partir de um único ponto de vista, o da pessoa, e em relação somente à experiência da pessoa, em vez da verdade objetiva. Isto, acredita-se, é o que a “natureza pastoral” do Vaticano II realmente é.

25. João Paulo II reconhece que a “natureza pastoral” do Vaticano II refere-se a personalismo. João Paulo II descreve a “pastoral natureza” do Vaticano II como uma apresentação da verdade que está sendo experimentada pelos homens. O objetivo do Concílio, ele explica, não era “para responder perguntas como ‘O os homens devem acreditar?’, ‘Qual é o verdadeiro significado desta ou daquela verdade de fé...’ e assim por diante, mas sim para responder às mais complexas perguntas: ‘O que significa ser um crente, católico e membro do Igreja...’[...] [Esta pergunta é] difícil e complexa, porque não só pressupõe a verdade da fé e a pureza doutrina, mas também apela para que essa verdade estar situada na consciência humana e exige uma definição da atitude, ou melhor, as diversas atitudes, que vão para tornar o indivíduo um membro fiel da Igreja”. (Grifo do autor) [↓41] Como consequência, João Paulo II explicitamente identificou o Vaticano II como um “Concílio personalista”: “Um dos elementos que determina o caráter aberto do Vaticano II é o lugar ocupado pela pessoa humana no pensamento conciliar [...]. O homem foi considerado na situação que lhe é devida porque é uma pessoa. Talvez nunca até agora isso tenha sido dito tão claramente em um ensinamento. Nesse sentido, este é um concílio personalista.”. [↓42]

26. Paulo VI confirma que a “natureza pastoral" do Concílio é este enfoque sobre a pessoa humana. Em sua homilia proferida na última sessão geral do Concílio Vaticano II, em 7 de dezembro de 1965, Paulo VI fez as seguintes observações, confirmando o que dissemos: “Mas, na verdade, a Igreja, reunida no Concílio, dirige o seu pensamento com o maior cuidado, além de si mesma e da estreita ligação que a une a Deus, também ao homem, ao homem tal como se apresenta hoje; para o homem, queremos dizer, isso é viver; ao homem que se entregou apenas ao avanço de si mesmo; ao homem que não só se considera digno de que todos os esforços sejam dedicados a si mesmo como a um determinado centro, mas também não tem medo de afirmar que ele é o princípio e a razão de tudo o que quer que seja. (Grifo do autor) [↓43] Que o leitor reflita cuidadosamente sobre estas palavras. A doutrina do Vaticano II é humanista, não apenas na medida em que se concentra no homem e em tudo o que é relativo ao homem. Isto ainda pode ser feito de forma objetiva. Mas ao contrário, diz Paulo VI, o homem é tomado como o “princípio e razão” de toda a realidade, o que significa que todas as coisas são definidas não apenas em relação ao homem, mas através da experiência do homem. Isto é a doutrina do personalismo da qual foi dita. As coisas se tornam mais explícitas a seguir: “A religião (isto é, a adoração de Deus que quis tornar-se homem) e – pois deve ser considerado assim – a religião (isto é, a adoração do homem que desejou tornar-se Deus) se encontraram. Mas o que houve? Uma luta, uma batalha, um anátema? Isso, de fato, poderia ter acontecido, mas não aconteceu”. [↓44] Mais uma vez, o leitor deve notar que personalismo e o subjetivismo é exatamente isso: o homem se transformando em um deus. O objetivismo olha para a realidade como ela existe e como ela foi criada por Deus. O subjetivismo, por outro lado, é uma filosofia absurda, em que a realidade é definida em relação à experiência do homem. O subjetivismo atribui a definição da realidade à experiência do homem, em vez da criação de Deus. Neste sentido, ela torna o homem em um (falso) deus, definindo realidade. O subjetivismo infectou nosso mundo moderno, que nega cada vez mais abertamente a existência de qualquer lei moral objetiva, para substitui-la pela escravidão da “vontade geral”. O que for considerado certo pela maioria é transformado em um bem moral, e o que quer que seja condenado pela maioria é definido como maligno. Os pecados contra a natureza são aprovados e aplaudidos, porque a própria existência do lei natural é negada, enquanto os sentimentos do homem é tomado como uma bússola. Neste contexto histórico, as palavras de Paulo VI são absolutamente horríveis. E continua: “Vós humanistas desta nossa era que rejeitais verdades que transcendem a natureza, dais pelo menos este crédito ao Concílio, e reconheceis nossa nova devoção à humanidade, pois nós também – não nós acima de todos os outros – temos o culto ao homem”. [↓45][↓46] Esta terrível afirmação é um chamado para aqueles que negam verdades transcendentes, ou seja, é um chamado para fenomenólogos e subjetivistas, que negam a capacidade do homem de conhecer a verdade objetiva, além da experiência do homem. É um chamado a pedir-lhes que considerem o esforço do Vaticano II para este humanismo moderno. Em vez de um anátema da filosofia moderna, o Vaticano II deu-lhe um abraço. E agora Paulo VI está a espera de que os “humanistas modernos” reconheçam e apreciem esse esforço. O Concílio Vaticano II é uma tentativa de reconciliação da fé católica com a filosofia moderna (pomposamente chamada “valores humanos”). E Paulo VI confirma que tal é de fato a importância da natureza pastoral do Vaticano II: “Tudo o que dissemos e ainda poderíamos dizer sobre sua influência humana [a saber, do Concílio], por acaso voltou a mente da Igreja durante a celebração do Concílio para a cultura da mente moderna, que consiste inteiramente no homem? É preciso dizer que a Igreja não se desviou do rumo certo, mas a orientou nessa direção. Mas quem pondera com razão esta preocupação principal pela qual o Concílio considerou os bens humanos e temporais não pode deixar de reconhecer que tal preocupação deve ser atribuída àquela solicitude pastoral que o Concílio quis seguir como nota própria de seus trabalhos”. [↓47]

27. Será isto um mero abandono de noções filosóficas ultrapassadas? Os arquitetos do Vaticano II enfatizaram excessivamente que desejavam apenas expressar a mesma doutrina da fé, mas de uma maneira mais conforme com o homem moderno. Isso exigia, a seu ver, o abandono da filosofia tradicional da Igreja, para integrar certos elementos da filosofia moderna. Afirmaram que isso poderia (e deveria) ser feito sem prejuízo da própria doutrina. Isto é exatamente o que foi condenado por Pio XII em 1950, em sua encíclica Humani generis: “Quanto à teologia, o que alguns pretendem é diminuir o mais possível o significado dos dogmas e libertá-los da maneira de exprimi-los já tradicional na Igreja, e dos conceitos filosóficos usados pelos doutores católicos [...] Reduzindo a doutrina católica a tais condições, creem que se abre também o caminho para obter, segundo exigem as necessidades atuais, que o dogma seja formulado com as categorias da filosofia moderna, quer se trate do imanentismo, ou do idealismo, ou do existencialismo, ou de qualquer outro sistema”. Isso explica por que tantas pessoas tentaram, sem sucesso, avaliar adequadamente o significado e a importância dos documentos do Vaticano II e seu valor dogmático. De vez em quando, um novo livro é publicado, com o propósito de lançar luz sobre o significado “real”, objetivo, do Vaticano II. Mas o Vaticano II está cheio de princípios subjetivos. O Vaticano II não pretendeu ensinar a doutrina católica como verdade objetiva, clara e precisa, mas apresentá-la através das lentes da filosofia moderna envenenada pelo subjetivismo. A fé é apresentada não como uma verdade em conformidade com a realidade, mas relacionada com a experiência pessoal, “tal como é vivida” (dizem eles). Entender o Vaticano II é da mesma ordem de dificuldade que entender a filosofia moderna.

28. Conclusão Agora é evidente ao leitor que a “natureza pastoral” do Vaticano II não deve ser entendida como referindo-se ao estabelecimento de disciplinas católicas e sagradas para alimentar o rebanho de Cristo. Tampouco pretende ser uma exposição catequética de doutrina, como foi realizada pelo Catecismo do Concílio de Trento [↓48]. Pelo contrário, este “caráter pastoral” refere-se a uma tentativa de apresentar a fé católica no veículo de uma nova filosofia obsessivamente centrada na subjetividade da pessoa humana. NOTAS


[↑1] Assim são de fato as palavras que concluem a promulgação da Constituição Dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium: “Haec omnia et singula quae in hac Constitutione dogmatica edicta sunt placuerunt Patribus. Et Nos, Apostolica a Christo Nobis tradita potestate, illa una cum Venerabilibus Patribus, in Spiritu Sancto approbamus, decernimus ac statuimus et quae ita synodaliter statuta sunt ad Dei gloriam promulgari jubemus. Romae, apud S. Petrum, die XXI mensis Novembris anno MCMLXIV.” (A.A.S. LVII, 1965, n. 1, p. 67). [↑2] Alocução Gaudet Mater Ecclesia em 11 de outubro de 1962 (in: A.A.S. LIV, 1962, n. 14, pp. 786-795). [↑3] “[...] ut iterum Magisterium Ecclesiasticum, numquam deficiens et ad finem usque temporum perseverans, affirmaretur; quod quidem Magisterium… per hoc ipsum Concilium omnibus hominibus, quotquot in orbe terrarum sunt, extraordinario modo, in praesenti exhibetur.” (Gaudet Mater Ecclesia, n. 2). [↑4]Testimonia extraordinarii hujus Magisterii Ecclesiae, scilicet universalium Synodorum […]” (Ibid.). [↑5] “Praecipuum Concilii munus: doctrina tuenda ac promovenda.” (Ibid., n. 5). [↑6] “Quod Concilii Oecumenici maxime interest, hoc est, ut sacrum christianae doctrinae depositum efficaciore ratione custodiatur atque proponatur.” (Ibid.). [↑7] “Qua ratione hodie doctrina promovenda sit.” (Ibid., n. 6). [↑8]Verumtamen in praesenti oportet ut universa doctrina christiana, nulla parte inde detracta, his temporibus nostris ab omnibus accipiatur novo studio, mentibus serenis atque pacatis, tradita accurata illa ratione verba concipiendi et in formam redigendi, quae ex actis Concilii Tridentini et Vaticani Primi praesertim elucet”(Ibid.). [↑9] “Est enim aliud ipsum depositum Fidei, seu veritates, quae veneranda doctrina nostra continentur, aliud modus, quo eaedem enuntiantur, eodem tamen sensu eademque sententia. Huic quippe modo plurimum tribuendum erit et patienter, si opus fuerit, in eo elaborandum; scilicet eae inducendae erunt rationes res exponendi, quae cum magisterio, cujus indoles praesertim pastoralis est, magis congruant.” (Ibid.). [↑10] “Quibus erroribus Ecclesia nullo non tempore obstitit, eos saepe etiam damnavit, et quidem severitate firmissima. Ad praesens tempus quod attinet, Christi Sponsae placet misericordiae medicinam adhibere, potius quam severitatis arma suscipere; magis quam damnando, suae doctrinae vim uberius explicando putat hodiernis necessitatibus esse consulendum.” (Ibid.). [↑11] A.A.S. LVII, 1965, n. 1, p. 72. [↑12] “Notificationes factae ab Exc.mo Secretario Generali Ss. Concilii in Congregatione Generali CXXIII diei XVI Nov. MCMLXIV. Quaesitum est quaenam esse debeat qualificatio theologica doctrinae, quae in Schemate de Ecclesia exponitur et suffragationi subicitur. Commissio Doctrinalis quaesito responsionem dedit, in expendendis Modis spectantibus ad caput tertium Schematis de Ecclesia, hisce verbis: ‘Ut de se patet, textus Concilii semper secundum regulas generales, ab omnibus cognitas, interpretandus est’. Qua occasione Commissio Doctrinalis remittit ad suam Declarationem 6 martii 1964, cuius textum hic transcribimus: ‘Ratione habita moris conciliaris ac praesentis Concilii finis pastoralis, haec S. Synodus ea tantum de rebus fidei vel morum ab Ecclesia tenenda definit, quae ut talia aperte ipsa declaraverit. Cetera autem, quae S. Synodus proponit, utpote Supremi Ecclesiae Magisterii doctrinam, omnes ac singuli christifideles excipere et amplecti debent iuxta ipsius S. Synodi mentem, quae sive ex subiecta materia sive ex dicendi ratione innotescit, secundum normas theologicae interpretationis’.” [↑13] “Ac primum dignae Omnipotenti Deo gratiae referantur, qui toto Concilii celebratione tempore, superna ope sua caelestiumque luminum copia numquam destitit Oecumenicae Synodo praesens adesse. Revera, si spectamus immensam laboris molem, quam Concilium hucusque absolvit, admiratione sane percellimur, sive ob compura doctrinae capita a Magisterio Ecclesiae extraordinario proposita, sive ob disciplinae normas sapienter impertitas, quae quidem, ecclesiastica traditione fideliter servata, actioni Ecclesiae nova patere jubent ininera, et ad animarum bonum procul dubio summopere conferent.” (Exortação Apostólica de 4 de novembro de 1965, in: A.A.S. LVII, 1965, n. 13, p. 866). [↑14] Outro documento que deve ser mencionado, promulgado no mesmo dia que a Lumen gentium (21 de novembro de 1964) é o decreto sobre ecumenismo, Unitatis redintegratio. [↑15] Dizemos que é uma novidade, uma vez que o ensino dos concílios ecumênicos sempre foi classificado pelos teólogos como magistério extraordinário, que é em si mesmo infalível e definitivo, embora os exemplos e argumentos apresentados para apoiar uma doutrina possam não ser eles próprios infalíveis, como explicado acima. Mesmo que um concílio ecumênico esteja apenas a repetir uma doutrina já definida, é tradicionalmente classificado como magistério extraordinário, e é certamente infalível. Também nunca foi chamado de magistério ordinário quando não definiu nenhum novo dogma. [↑16] “Nunc vero animadvertere juvat, Ecclesiam per suum magisterium, quamvis nullum doctrinae caput sententiis dogmaticis extraordinariis definire voluerit, nihilominus circa plurimas quaestiones cum auctoritate doctrinam proposuisse suam, ad cujus normam homines hodie tenentur conscientiam suam suamque agendi rationem conformare.” (Homilia de 7 de dezembro de 1965, in: A.A.S. LVIII, 1966, n. 1, p. 57). [↑17] “Esso è un grande atto del magistero ecclesiastico; e chi aderisce al Concilio riconosce ed onora con ciò il magistero della Chiesa.” (Paolo VI, Udienza Generale, Mercoledì, 12 gennaio 1966, disponível em: <https://www.vatican.va/content/paul-vi/it/audiences/1966/documents/hf_p-vi_aud_19660112.html>). [↑18] “Vi è chi si domanda quale sia l’autorità, la qualificazione teologica, che il Concilio ha voluto attribuire ai suoi insegnamenti, sapendo che esso ha evitato di dare definizioni dogmatiche solenni, impegnanti l’infallibilità del magistero ecclesiastico. E la risposta è nota per chi recorda la dichiarazione conciliare del 6 marzo 1964, ripetuta il 16 novembre 1964: dato il carattere pastorale del Concilio, esso ha evitato di pronunciare in modo straordinario dogmi dotati della nota di infallibilità; ma esso ha tuttavia munito i suoi insegnamenti dell’autorità del supremo magistero ordinario il quale magistero ordinario e così palesemente autentico deve essere accolto docilmente e sinceramente da tutti i fedeli, secondo la mente del Concilio circa la natura e gli scopi dei singoli documenti.” [↑19] “Dobbiamo entrare nello spirito di questi criteri basilari del magistero ecclesiastico.” [↑20] “Officium creditur vobis… Est enim omni ope annitendum, ne circa decreta Concilii dubitationes oriantur neque ad suum arbitrium quisquam de iis judicet vel ea detorqueat. Juvat hic iterare verba, quibus Pius Pp. IV, Decessor Noster, usus est, cum Sacrosanctum Concilium Tridentinum confirmavit: ‘si cui vero in eis (id est decretis) aliquid obscurius dictum et statutum fuisse eamque ob causam interpretatione aut decisione aliqua egere visum fuerit: ascendat ad locum, quem Dominus elegit, ad Sedem videlicet Apostolicam, omnium fidelium magistram’.” (Alocução, 31 de janeiro de 1966, A.A.S. LVIII, 1966, n. 2, p. 160). [↑21] “Oggi la nostra adesione alle deliberazioni conciliari dev’essere schietta e senza riserve… Ma bisogna oramai ascrivere al magistero dela Chiesa le dottrine conciliari, anzi al soffio dello Spirito Santo; e dobbiamo con fede sicura ed unanime accettare il grande ‘tomo’, cioè il volume, il testo degli insegnamenti e dei precetti, che il Concilio trasmette alla Chiesa.” (Alocução à Cúria Romana, 23 de abril de 1966. A.A.S. LVIII, 1966, n. 5, p. 380). [↑22] “Dobbiamo guardare al Concilio com riconoscenza a Dio e con fiducia per l'avvenire della Chiesa; esso sarà il grande catechismo dei tempi nuovi.” (Alocução, 23 de junho de 1966. A.A.S. LVIII, 1966, n. 8, p. 575). [↑23] “Idque palam affirmatur! Immo asserire non dubitant Concilium Vaticanum II vi obligandi carere; catholicam fidem in discrimine versari etiam propter normas post Concilium propositas; oboediendum non esse, ut quaedam traditiones serventur. Quae traditiones? Ad hunc hominum coetum - non autem ad Romanum Pontificem, non ad Episcoporum Collegium, non ad Concilium Oecumenicum - ius pertineret statuendi quaenam ex innumeris traditionibus habendae sint fidei normae! Ut videtis, Venerabiles Fratres Nostri, hac agendi ratione in iudicium vocatur illa divina voluntas quae Petrum eiusque legítimos Successores posuit Caput Ecclesiae, ut fratres in fide confirmaret atque universum gregem pasceret (Cfr. Luc. 22, 32; Io. 21, 15 ss.), eumque depositi fidei sponsorem et custodem constituit.” (Concistoro Segreto del Santo Padre Paolo VI per la nomina di venti Cardinali, Lunedì, 24 maggio 1976. Disponível em: < https://www.vatican.va/content/paul-vi/it/speeches/1976/documents/hf_p-vi_spe_19760524_concistoro.html >). [↑24] “Ce qui est en cause en effet, c’est la question, qu’on doit bien dire fondamentale, de votre refus, clairement proclamé, de reconnaître, dans son ensemble, l’autorité du Concile Vatican II et celle du Pape, refus qui s’accompagne d’une action ordonnée à propager et organiser ce qu’il faut bien appeler, hélas! une rébellion. C’est là le point essentiel, proprement insoutenable.” (Lettre de Paul VI à Mgr Lefebvre du 11 octobre 1976. Disponível em: <https://laportelatine.org/formation/crise-eglise/rapports-rome-fsspx/lettre-de-paul-vi-a-mgr-lefebvre-du-11-octobre-1976>). [↑25] “Quant aux évêques unis au Souverain Pontife, leur pouvoir à l’égard de l’Eglise universelle s’exerce solennellement dans les Conciles oecuméniques…” [↑26] “C’est ainsi qu’ont agi communément les Papes et les Conciles oecuméniques, avec l’assistance spéciale de l’Esprit-Saint. Et c’est précisément ce qu’a fait le Concile Vatican II. Rien de ce qui a été décrété dans ce Concile, comme dans les réformes que nous avons décidées pour le mettre en oeuvre, n’est opposé à ce que la Tradition bimillénaire de l'Église comporte de fondamental et d’immuable. De cela, nous sommes garant, en vertu, non pas de nos qualités personnelles, mais de la charge que le Seigneur nous a conférée comme successeur légitime de Pierre et de l’assistance spéciale qu’il nous a promise comme à Pierre: ‘J’ai prié pour toi afin que ta foi ne défaille pas.’ (Lc 22, 32.) Avec nous en est garant l'Épiscopat universel.” [↑27] “Vous ne pouvez pas non plus invoquer la distinction entre dogmatique et pastoral pour accepter certains textes de ce Concile et en refuser d’autres. Certes, tout ce qui est dit dans un Concile ne demande pas un assentiment de même nature: seul ce qui est affirmé comme objet de foi ou vérité annexe à la foi, par des actes ‘définitifs’, requiert un assentiment de foi. Mais le reste fait aussi partie du Magistère solennel de l'Église auquel tout fidèle doit un accueil confiant et une mise en application sincère.” [↑28] “C’est à la même conception erronée que se rattache chez vous la célébration abusive de la messe dite de saint Pie V.” [↑29] “Cette Déclaration devra donc affirmer que vous adhérez franchement au Concile oecuménique Vatican II et à tous ses textes - sensu obvio - qui ont été adoptés par les Pères du Concile, approuvés et promulgués par notre autorité. Car une telle adhésion a toujours été la règle, dans l’Eglise, depuis les origines, en ce qui concerne les Conciles oecuméniques. Il doit être clair que vous accueillez également les décisions que nous avons prises, depuis le Concile, pour le mettre en oeuvre, avec l’aide des organismes du Saint-Siège; entre autres, vous devez reconnaître explicitement la légitimité de la liturgie rénovée, notamment de l’Ordo Missae, et notre droit de requérir son adoption par l’ensemble du peuple chrétien. Vous devez admettre aussi le caractere obligatoire des dispositions du droit canonique en vigueur…” [↑30] Dom Lefebvre recebeu uma carta escrita à mão de Paulo Vi em 10 de setembro de 1975. Este é atestado por Michael Davier (no capítulo 24 de “O Concílio do Papa João”. Dom Lefebvre tendo a carta de Paulo VI em suas mãos, confiou diretamente este fato ao bispo Donald Sanborn em Ecône, Suíça, em 1975. [↑31] “Par la Déclaration conciliaire, ce point de doctrine entre clairement dans l’enseignement du Magistère et, bien qu’il ne soit pas l’objet d’une définition, il réclame docilité et assentiment (cf. Const. Dogm. Lumen Gentium, 25). Il n’est donc pas licite aux fidèles catholiques de le rejeter comme erroné, mais ils doivent l’accepter selon le sens et la portée exacte que lui a donné le Concile.” [↑32] “Votre critique de l’Ordo Missae promulgue par Paul VI va loin au-delà d’une préférence liturgique, elle a un caractère essentiellement doctrinal… Un fidèle ne peut en effet mettre em doute la conformité avec la doctrine de la foi d’um rite sacramentel promulgué par le Pasteur suprême, surtout s’il s’agit du rite de la Messe qui est au coeur de la vie de l’Eglise.” [↑33] João Paulo II na primeira radiomensagem urbi et orbi dada após sua eleição em 17 de outubro de 1978 (Disponível em: <https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/speeches/1978/documents/hf_jp-ii_spe_19781017_primo-radiomessaggio.html>). [↑34] ibid. [↑35] “Una parte importante della funzione episcopale oggi consisterà nell’applicare correttamente, senza deviazioni per difetto o eccesso, gli insegnamenti dell’ultimo Concilio Ecumenico. Tenendo conto delle indicazioni portate dai documenti pontifici successivi…” (Discorso all'Assemblea Plenaria della Conferenza Episcopale Spagnola, Madrid, 31 de outubro de 1982). [↑36] Joseph Ratzinger; Vittorio Messori, The Ratzinger Report, San Francisco, Ignatius, 1985, pp. 28-29, 31 [↑37] Audiencia a los participantes en la reunión organizada por la Oficina Nacional de Catequesis de la Conferencia Episcopal Italiana, 30.01.2021. Disponível em: <https://press.vatican.va/content/salastampa/es/bollettino/pubblico/2021/01/30/audina.html >. [↑38] “Très Saint Père, pour l'honneur de Jésus-Christ, pour le bien de l'Eglise, pour le salut des âmes, nous vous conjurons de dire um seul mot, une seule parole, comme Successeur de Pierre, comme Pasteur de l'Eglise universelle, aux Evêques du monde entier : «Laissez faire» ; «Nous autorisons le libre exercice de ce que la Tradition multiséculaire a utilisé pour la sanctification des âmes».” (Dom Lefebvre, Lettre de Mgr Lefebvre au Souverain Pontife du 24 décembre 1978, in: Itinéraires n. 233 - Mai 1979). [↑39] K. Wojtyla, Sources of Renewal: Study on the Implementation of the Second Vatican Council, Harper and Row, 1980. [↑40] O objetivismo ou realismo considera verdadeiro o que é objetivamente, independentemente de qualquer pessoa observando-o ou experimentando-o; enquanto subjetivismo coloca a verdade na experiência de algo. Fenomenalismo, uma espécie de subjetivismo, considera que o conhecimento humano é restrito a aparências apresentadas aos sentidos. Em contrário, o realismo ensina que o homem não é capaz apenas de experimentar as sensações, mas também conhecer a realidade objetiva das coisas. [↑41] K. Wojtyla, Sources of Renewal: Study on the Implementation of the Second Vatican Council, Harper and Row, 1980, pp. 17-18. [↑42] Citado pelo Rev. Pe. Louis-Marie de Blignières em L’enseignement de Jean-Paul II (Société Saint Thomas d’Aquin, 1983): “L'un des éléments qui décident du caractère ouvert de Vatican II est la place qu'occupe dans la pensée conciliaire la personne humaine (...). L'homme a été considéré en la situation qui lui revient du fait qu'il est une personne. Jamais peut-être jusqu'à présent, l'on n'avait dit cela de manière aussi claire dans um enseignement. En ce sens, c'est là un concilie personnaliste.” [↑43] Vide A.A.S. (Vol. LVIII, 1966, N. 1, pp. 51-58): “Verum enimvero Ecclesia, in Concilio collecta, suam considerationem summopere intendit – praeterquam in semetipsam, atque in necessitudinem, qua cum Deo conjungitur – in hominem etiam, in hominem, sicuti reapse hoc tempore se conspiciendum praebet: hominem, dicimus, qui vivit; hominem, qui sibimetipsi uni provehendo deditus est; hominem, qui non modo sese dignum existimat, ad quem unum, veluti ad quoddam centrum, omne studium conferatur, sed etiam affirmare non veretur, se esse cujusvis rei principium atque rationem.” [↑44] “Religio, id est cultus Dei, qui homo fieri voluit, atque religio – talis enim est aestimanda – id est cultus hominis, qui fieri vult Deus, inter se congressae sunt. Quid tamen accidit? Certamen, proelium, anathema? Id sane haberi potuerat, sed plane non accidit.” [↑45] “Hanc saltem laudem Concilio tribuite, vos, nostra hac aetate cultores humanitatis, qui veritates rerum naturam transcendentes renuitis, iidemque novum nostrum humanitatis Studium agnoscite: nam nos etiam, immo nos prae ceteris, hominis sumus cultores.” [↑46] Traduzimos a expressão “hominis sumus cultores” por “nós temos o culto do homem”. Até mesmo embora os “cultores” às vezes possam ter um significado, tanto o contexto da homilia, falando da “religião do homem que desejava tornar-se Deus”, e o habitual e religioso fascínio de Paulo VI pela humanidade explica este sentido (cf. Discurso de Paulo VI às Nações Unidas, de 4 de outubro de 1965). Veja também sua mensagem no Angelus de 7 de fevereiro de 1971: “Honra ao Homem! Honra ao seu pensamento! Honra à sua ciência! Honra à sua habilidade técnica! Honra ao seu trabalho! Honra a resistência humana! Honra a essa combinação de atividade científica e organização pela qual o homem, ao contrário dos outros animais, pode investir seu espírito e sua destreza manual com instrumentos de conquista. Honra ao homem, rei da terra, e hoje príncipe dos céus!” (Original em italiano: “Onore all’uomo! Onore al pensiero! Onore alla scienza! Onore alla tecnica! Onore al lavoro! Onore all’ardimento umano! Onore alla sintesi dell’attività scientifica e organizzativa dell’uomo, che, a differenza di ogni altro animale, sa dare strumenti di conquista alla sua mente e alla sua mano. Onore all’uomo, re della terra ed ora anche principe del cielo”.) [↑47] “Quae omnia de Concilio diximus, quaeque dicere insuper possimus ad humanum ipsius momentum quod attinet, numquid inter Concilium celebrandum, Ecclesiae mentem deflexerunt ad hodiernae mentis culturam, quae tota in homine consistit? Dicendum est, Ecclesiam non a recto itinere decessisse, sed hoc in illam partem direxisse. At qui probe perpendant hoc praecipuum studium, quo Concilium bona humana et temporalia consideravit, facere iidem non poterunt, quin agnoscant hujusmodi Studium pastorali illi sollicitudini tribuendum esse, quam Concilium tamquam propriam laborum suorum notam sequi voluit…” [↑48] Vários padres do concílio, juntamente com Dom Lefebvre (intervenção de 27 de novembro de 1962), pensando a princípio que esse era o sentido da “natureza pastoral” do Concílio, fez o pedido de separar claramente os documentos que se pretendiam precisos e teológicos, para os pastores e teólogos, dos os documentos “pastorais”, que seriam mais simples e fáceis de entender para o leigo médio (cf. Dom Lefebvre, Eu acuso o concílio). Este pedido, é claro, foi rejeitado, pois significava em ambos os casos uma ressonância objetiva e clara de doutrina.

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