
A “Revista Integrismo” ofereceu a tradução deste artigo em Espanhol, publicado na “Sodalitium” n° 47 (1998, ed. fr. e ed. it. páginas 48 a 64), que trata de uma questão sempre atual e de capital importância para os católicos que defendem a Tradição da Igreja: a infalibilidade do Magistério. O autor refuta a tese Lefebvrista do Bispo Williamson (e muitos outras) que reduz esta infalibilidade a um mínimo, e que constitui o erro real e fundamental com relação à questão. Ao fazer isso, o autor se baseia nas declarações do próprio Magistério pontifício (aquele “grande ausente”, curiosamente, ironicamente e infelizmente, das declarações de muitos católicos anti-modernistas, muitas vezes dadas a opiniões e profecias pessoais…) e no testemunho dos teólogos mais autorizados. Dom Williamson contra o Concílio Vaticano… I!
Maior: o Papa é infalível.
Menor: ora, esses últimos papas são liberais.
Conclusão:
• (liberal) logo, é preciso fazer-se liberal
• (sedevacantista) logo, esses últimos ‘papas’ não são verdadeiros papas”.
[1. Le sel de la terre (Couvent de la Haye-aux-Bonshommes, F – 49240, Avrillé), n.° 23, inverno de 1997-8, págs. 20-22; cit. à pág. 21.]
Se perguntássemos a um católico o que ele pensa desse silogismo, os pareceres seriam diversos. Após breve reflexão, as discussões se voltarão certamente para a estranha premissa menor que é o “motor” do silogismo: haverá quem a aceite, quem a recuse, quem faça distinções. Mas a nenhum católico normal poderia passar pela cabeça deslocar a discussão para a Maior e pôr em dúvida a infalibilidade do Papa, exumando o galicanismo sepultado pelo Concílio Vaticano I.
Eis, no entanto, o que diz, a propósito desse silogismo por ele inventado, Mons. Williamson (doravante W) num escrito de 9 de agosto de 1997, intitulado “Considerações libertadoras sobre a infalibilidade”, traduzido em francês pela revista Le sel de la terre (para quem não saiba, W é um dos quatro bispos da Fraternidade São Pio X e Diretor do Seminário dos Estados Unidos): “Aqui, a lógica é boa e a ‘menor’ também é; então, se as conclusões deixam a desejar, devemos buscar o problema na premissa maior, raiz comum das duas conclusões opostas”. [1. Ibidem, pág. 21.]
W quer demonstrar que os que seguiram o Concílio Vaticano II (indicados pelo termo “liberais”) e os que recusam a autoridade de João Paulo II (indicados pelo termo “sedevacantistas”) estão em erro: e a “raiz comum” desse erro seria nada menos que crer na infalibilidade do Papa! “Os liberais – diz W – compartilham com os sedevacantistas de uma noção da infalibilidade muito difundida a partir de 1870 (Concílio Vaticano I), noção, no entanto, falsa.” [2. Ibidem, pág. 20.]
Exposição da tese de W
Segundo W, o problema seria, então, constituído pela definição da infalibilidade do Papa de 1870: essa definição seria mal interpretada (“noção falsa”) e, mesmo se bem interpretada, “contribuiu muito [per accidens] para uma desvalorização da Tradição…”. Os “liberais”, opositores da definição, teriam mudado de estratégia: não mais negar a infalibilidade das definições solenes, mas afirmar que tudo o que não for solenemente definido pode ser posto em dúvida.
Contra esse novo erro, os teólogos católicos, ao invés de recordarem que “não é a definição que faz a verdade”, teriam acabado inventando, pouco a pouco, uma falsa infalibilidade do magistério ordinário: “Os manuais de teologia escritos entre 1870 em 1950, (…) para estabelecer uma verdade não definida solenemente, se sentem – visivelmente – na necessidade de construir um magistério ordinário infalível a priori, calcado no magistério extraordinário infalível a priori(…). Esses ‘bons’ autores de manuais fizeram de certo modo o jogo dos liberais, sem dúvida inconscientemente, eclipsando a verdade objetiva atrás da certeza subjetiva, e dessa forma eles contribuíram para preparar a catástrofe do Vaticano II e desse ‘magistério ordinário supremo’ de Paulo VI, graças ao qual ele, de fato, agrediu gravemente a Igreja!” (págs. 22-23).
W estende sua crítica inclusive aos que atualmente creem na infalibilidade [negativa] de um rito litúrgico promulgado pelo Papa, como Michael Davies. [3. Em nota, os dominicanos de Avrillé explicam: “Michael Davies é um autor inglês que escreveu diversos livros para defender a Tradição e especialmente Dom Lefebvre. No entanto, ele não segue completamente as posições de Dom Lefebvre, particularmente sobre a missa nova. É presidente da Una Voce”. Le sel de la terre, pág. 22.] Pelo contrário, sempre segundo W, para responder aos liberais, teria sido suficiente na ocasião, e também hoje, apelar à verdade objetiva contida na Tradição, como fez Dom Lefebvre.
Elenco dos erros de W
Para facilitar a leitura deste artigo, assinalemos desde já os erros presentes no texto de W.:
a) Negação da infalibilidade do Magistério ordinário do Papa mediante o acréscimo, alegado como pretexto, de condições. O mesmo vale para o Magistério Ordinário Universal.
[4. Quanto ao Magistério Ordinário Universal, cfr. Sodalitium n.º 41, pág. 57 e ss.; n.º 45, pág. 30 e ss. (N. do T. – Respectivamente, “A infalibilidade da Igreja”, a traduzir, e “O Magistério segundo o Abbé Marcille”.).]
b) Negação da regra próxima da nossa fé (o Papa), confundida com a regra remota (a Revelação).
c) Afirmação de que um rito litúrgico promulgado pelo Papa pode ser “intrinsecamente mau”.
d) Afirmação de que uma definição dogmática pode ser boa em si mesma mas má per accidens, isto é, em razão das circunstâncias.
e) Afirmação de que as definições da Igreja são devidas unicamente à diminuição da caridade nos fiéis.
Examinarei, uma a uma, essas teses de W. Antes, porém, já que estamos discutindo sobre a definição de 1870, dou os termos dela.
A definição dogmática do Concílio Vaticano
Na sessão de 18 de julho 1870, depois de muitas discussões devidas às objeções dos anti-infalibilistas tendentes a evitar a definição, os Padres do Concílio (quando dizemos Concílio neste artigo, referimo-nos ao Vaticano I) proclamaram solenemente:
“Nós, aderindo fielmente à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus, nosso Salvador, para a exaltação da religião católica e a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos ser dogma divinamente revelado:
O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do ofício de Pastor e de Doutor de todos os cristãos, define, em virtude de sua suprema autoridade Apostólica, que uma doutrina em matéria de fé ou moral deve ser aceita por toda a Igreja, goza, pela assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, daquela infalibilidade com a qual o Redentor quis munir a sua Igreja quando define uma doutrina referente à fé ou à moral; e, por isso, tais definições do Romano Pontífice são irreformáveis por si mesmas, e não em virtude do consenso da Igreja.
Portanto, se alguém – o que Deus não permita – ousar contradizer esta Nossa definição: seja anátema.” (DS 3074-5).
[5. CONC. VAT. I, Const. dogm. Pastor Aeternus, cap. IV, 18-7-1870.]
Segundo o que afirma o texto dogmático, o Papa no exercício da sua função de Papa (e não como pessoa privada) é infalível. Noutros termos, quando, como pastor e doutor universal, o Papa dá uma sentença definitiva sobre uma doutrina (relativa à fé ou à moral), ele tem o privilégio da infalibilidade, isto é, ele goza de uma assistência especial do Espírito Santo para ensinar a verdade revelada sem o mínimo erro. Nisso o Papa se distingue de todos os outros homens, católicos ou não, os quais não têm essa assistência prometida por Nosso Senhor a São Pedro e aos seus sucessores (Mt XVI, 19) [6.Sodalitium n.º 41, pág. 58.].
Estrutura do artigo
Dado que W contesta a autoridade na matéria de todos os teólogos dos últimos 128 anos, citarei, sobretudo, os próprios textos do Concílio Vaticano I, tais como se encontram na coleção editada por Mansi. Lendo os atos e a história do Concílio, percebe-se como W (e muitos tradicionalistas) retomam os argumentos que foram o “cavalo de batalha” da minoria liberal e anti-infalibilista no Vaticano I, buscando, antes da definição, aumentar desmesuradamente as condições para a infalibilidade do Papa e, depois da definição, diminuir-lhe o alcance de tal maneira que o Papa seria infalível apenas muito raramente.
Após a crise advinda com o Concílio Vaticano II e a introdução do novo missal, os “tradicionalistas” começaram justamente a resistir ao “aggiornamento” (que contradiz muitas verdades da doutrina católica), recusando as reformas. Mas, quando se fez observar a eles que os novos ensinamentos e as reformas eram promulgados por Paulo VI (e depois por João Paulo II), e que, portanto, – como todos os decretos do Soberano Pontífice – deviam ser aceitos porque garantidos pela infalibilidade, muitos “tradicionalistas” não encontraram nada melhor do que retomar os argumentos dos liberais. O Papa é infalível somente em certas condições totalmente extraordinárias – sustentaram eles – as quais não se encontram todas presentes nessas reformas; assim, por não serem elas garantidas pela infalibilidade, não somos obrigados a obedecer. Muitos não entenderam, ou temeram entender, que a recusa das reformas punha em discussão a autoridade que as havia promulgado. W segue essa corrente de pensamento que, ao nosso ver, é contrária à definição do Vaticano I, tanto nos termos quanto no sentido.
Neste artigo analisamos os pontos negados por W, atendo-nos particularmente ao primeiro.
a) Primeiro erro de W: sobre o Magistério ordinário
e sobre as condições para a infalibilidade.
Os teólogos distinguem in genere um magistério ordinário do Papa (sozinho) e um magistério ordinário da Igreja (“ordinário e universal”). O segundo foi definido como infalível pelo Vaticano I (DS 3011): falarei dele no final deste ponto “a)”. Quanto ao magistério ordinário do Papa, in genere se afirma que é teologicamente certo que ele é infalível. De fato, o Papa goza da mesma infalibilidade da Igreja (DS 3074). Ora, a Igreja é infalível em seu magistério ordinário (DS 3011). Logo, também o Papa é infalível em seu magistério ordinário. [7.Sodalitium n.º 45, pág. 39 (N. do T. – Cf. “O Magistério segundo o Abbé Marcille”).] Essa argumentação seria suficiente para provar quão gravemente erra W. Lendo, porém, os textos do Magistério e os Atos do Vaticano I, dei-me conta de que, na realidade, a própria definição da infalibilidade do Papa ao falar ex cathedra (DS 3074) não faz distinção alguma entre Magistério ordinário ou Magistério solene do Papa.
Toda a vez que o Papa fala não como pessoa privada, mas como Papa, ensina autenticamente (com autoridade) [8. Sodalitium n.º 41, pág. 58]e, portanto, pode ensinar ex cathedra. Esse ensinamento não é raro e extraordinário, como nas solenes definições dogmáticas (por exemplo: a Imaculada Conceição, em 1854; a Assunção, em 1950), mas todos os dias o Papa pode ensinar de maneira definitiva à Igreja universal, sobre assuntos que se referem à fé ou à moral; obviamente toda a Igreja é obrigada a adotar, no foro externo e interno, o ensinamento da autoridade suprema. O Papa, nesse caso, não está obrigado a usar um modo determinado, ou a forma solene: se ele fala como Papa, basta que se saiba, da maneira que for, que ele quer dar uma sentença definitiva sobre um assunto ligado, ainda que só indiretamente, à fé ou moral.
Em conclusão: nós afirmamos que o termo ex cathedra indica somente a infalibilidade do Papa tanto no magistério ordinário quanto no solene. W afirma que o termo ex cathedra indica o Magistério solene, enfatizando suas quatro condições e negando toda infalibilidade ao magistério ordinário. Passo agora a provar a minha tese, com os textos do Magistério e os atos do Vaticano I.
[8 bis. (N. do T. – Fonte: Pe. G. Murro, A propósito da infalibilidade, in:Sodalitium, n.º 49, abr. 1999, pp. 67-68.)
No n.° 47 de Sodalitium, a propósito do artigo “Mons. Williamson contra o Concílio Vaticano... I”, um sacerdote enviou-nos a seguinte objeção:
«Segundo vós, os Magistério e o Santo Concílio Vaticano não distinguem entre magistério ordinário e solene do Papa. Certamente não distinguem quando falam de um em particular e não do outro, mas é um erro pensar que “ex cathedra” equivale ao magistério ordinário e ao solene ao mesmo tempo. Basta ver o cânon do Código de Direito Canônico de n.º 1323 § 2: “Pronunciar esses juízos solenes pertence propriamente quer ao Concílio, quer ao Pontífice Romano quando fala ex cathedra”. De resto, isso me parece estar claro nas atas do Vaticano I.
Pareceria que vós introduzis essa afirmação para recordar uma verdade importante, a saber, que o Papa sozinho – sem o Episcopado – pode falar infalivelmente com frequência, e não de maneira tão extraordinária a ponto de acontecer uma vez por século, como creem os minimalistas contradizendo o Santo Concílio. Contudo, sobre esse ponto Mons. Williamson tem razão (apenas sobre esse ponto), ou seja, ao sustentar que ex cathedra é sinônimo de “solene”; não tem razão, porém, em pensar que isso ocorra raramente ou quase nunca. O Papa é infalível todos os dias como parte primeira e principal do M.O.U. e não definindoex cathedra; por isso, este tipo de magistério papal é chamado de extraordinário.
Na prática o Papa define ex cathedra toda vez que: define um dogma de fé, mas também quando define uma doutrina como certa, ou a condena como herética, favorável a ou com sabor de heresia, cismática, contrária aos ouvidos pios. Define ex cathedra também toda vez que canoniza um santo ou (como é mais provável) o beatifica, quando aprova definitivamente um Instituto de perfeição, quando promulga leis universais disciplinares ou litúrgicas, etc. etc. Em todas essas ocasiões o Papa reinante é infalível porque define ou determina do alto da Cátedra suprema. Por essa razão, as definições ex cathedra de um Papa, mesmo que ele reine poucos anos, são numerosíssimas. Mas tudo isso não tem nada a ver com o Magistério ordinário do Papa, que, por sua natureza, tal como o M.O.U., não define, mas antes transmite. Se há nele uma definição papal, há nele um juízo solene, ou seja ex cathedra.»
Antes de tudo, façamos notar que a divergência de opinião entre Sodalitium e o nosso crítico, por importante que seja, não toca no fundo da questão: ambos estamos convictos da grande extensão da infalibilidade do Magistério papal, e isso contra a Tese de Mons. Williamson e da Fraternidade.
Quanto à tese com que nos critica, embora respeitável, está bem longe de ter toda a certeza, como é apresentada por nosso contraditor. A esse propósito, parece-nos suficiente citar Bernard Lucien:
“Precisemos ainda que, dentre os fautores de uma “visão larga” da infalibilidade pontifícia, podem-se encontrar (no mínimo) três categorias:
– alguns sustentam que a definição do Vaticano I seja efetivamente muito restrita (isto é, que os casos de infalibilidade que ela descreve sejam raros), mas que ela não é de modo algum restritiva (isto é, não exclui de modo algum que haja infalibilidade noutros casos);
– outros admitem que a definição do Vaticano I seja restritiva, mas reconhecem que, em si mesma, ela é larga;
– outros, enfim, – e entre estes nós nos inserimos – sustentam que a definição do Vaticano I é larga e, ao mesmo tempo, que ela não é restritiva”.
(Pe. Bernard LUCIEN, L’infaillibilité du Magistère Pontificale Ordinaire [A infalibilidade do Magistério Pontifício Ordinário], in Sedes Sapientiae, n.º 63, pág. 42.)
Ao que nos parece, o nosso contraditor pode ser classificado na segunda categoria, ao passo que nós nos situamos, com o Pe. Lucien, na terceira. Quanto à objeção calcada no cân. 1323 § 2 do Código de Direito Canônico, é fácil de responder, que o Código não estabelece uma identidade entre juízo solene e locução ex cathedra: todo juízo solene, para o Código, pertence ao Papa que fala ex cathedra ou ao Concílio Ecumênico, de acordo; mas o Código não diz que o Papa que fala ex cathedra o faz exprimindo-se somente de maneira solene. Por isso Lucien pôde, apesar do cân. 1323 § 2, que ele cita na pág. 38, estabelecer como característica da corrente minimalista sobre a infalibilidade do Papa a posição que identifica juízos solenes e locuções ex cathedra (pág. 45).]
Ensinamento da Igreja sobre
o Magistério Ordinário do Papa
Clemente VI em 1351 pede ao patriarca dos armênios que assine uma fórmula de fé, na qual se dizia ainda:
“Se tu crestes e ainda crês que unicamente o Romano Pontífice pode pôr fim às dúvidas que surgem acerca da fé católica, mediante uma deliberação autêntica à qual cumpre aderir de modo irrevogável, e que tudo o que ele próprio declara ser verdadeiro, por força da autoridade das chaves a ele consignadas por Cristo, deve ser aceito como verdadeiro e católico, e aquilo que ele declara ser falso e herético, assim deve ser considerado.”
[9. CLEMENTE VI, “Carta Super quibusdam a Mekhithar, katholicos dos armênios”, 29-9-1351, DS 1064.]
Pio XI ensina:
“O Magistério da Igreja – estabelecido pela vontade divina na terra, com a finalidade de custodiar perenemente intactas as verdades reveladas, e de levá-las com segurança e facilidade ao conhecimento dos homens – todos os dias, é verdade, é exercido por meio do Romano Pontífice e dos Bispos que estão em comunhão com ele; mas tem também o encargo de proceder à definição de algum ponto de doutrina, com ritos ou decretos solenes, quando fosse necessário resistir com mais força aos erros e às contestações dos hereges, ou quando fosse preciso imprimir com mais precisão e clareza certos pontos de doutrina nas mentes dos fiéis”.
[10. PIO XI, Mortalium animos, 6-1-1928. DS 3683. O texto está publicado em I.P. n. 871.]
Ainda Pio XI:
“Seria indigno de um cristão… sustentar que a Igreja, por Deus destinada a Mestra e Rainha dos povos, não esteja iluminada o bastante acerca das coisas e circunstâncias modernas; ou então, não prestar a ela assentimento e obediência a não ser naquilo que ela impõe por via de definições mais solenes, como se as outras suas decisões se pudessem presumir falsas, ou não providas de suficientes motivos de verdade e de honestidade.”
[11. PIO XI Casti Connubi, 31/1/1930, I.P. n. 904-5.]
Pio XII:
“Nem se deve considerar que os ensinamentos das Encíclicas não exijam, por si mesmos, o nosso assentimento, com o pretexto de que os Pontífices não exercem aí o poder de seu Magistério Supremo. Na realidade, esses ensinamentos são do Magistério ordinário, para o qual valem também as palavras: ‘Quem vos ouve, ouve a Mim’ (Lc X, 16); ademais, a maior parte daquilo que é proposto e inculcado nas Encíclicas já é, por outras razões, patrimônio da doutrina católica. Portanto, se os Sumos Pontífices em seus atos emanam de caso pensado uma sentença em matéria até então controversa, é evidente para todos que essas questões, segundo a intenção e a vontade dos mesmos Pontífices, não podem mais ser objeto de livre discussão entre os teólogos”.
[12. PIO XII, Humani Generis, 12-8-1950, I.P. n. 1280.]
Ainda Pio XII:
“Não é, porventura, o Magistério… o primeiro ofício da Nossa Sé Apostólica? (…) Na Cátedra de Pedro Nós nos sentamos unicamente porque Vigário de Cristo. Nós somos o Seu Representante na terra; somos o órgão por meio do qual faz ouvir a Sua voz Aquele que é o único Mestre de todos (Ecce dedi verba mea in ore tuo [N. do T. – ‘Eis que ponho as Minhas palavras na tua boca’], Jer. 1, 9)”.
[13. PIO XII, Commossi, 4-11-1950, I.P. n. 1295.]
Desses textos resulta que a Igreja ensinou que o Magistério infalível pode ser tanto ordinário (exercido todos os dias) quanto solene.
Ensinamento do Concílio Vaticano sobre o Magistério do Papa
A matéria tratada pelo Concílio foi preparada por comissões, que se reuniram antes do Concílio, e foi apresentada aos Padres em forma de esquemas. Estes últimos eram discutidos pelos Padres, que, se o julgassem necessário, propunham emendas, examinadas em seguida pelos membros da Deputação da Fé. [14. Os membros da Deputação da Fé eram vinte e quatro, eleitos pelos Padres; e o presidente, o Cardeal Bilio, fora nomeado por Pio IX.] A Deputação, portanto, desempenhou um papel central, respondendo ainda às objeções dos que se opunham aos esquemas propostos. Para a nossa questão, pois, são de grande importância as intervenções dos membros da Deputação da Fé, bem como suas respostas às objeções: foram de fato esses Prelados que explicaram o sentido exato da definição conciliar, corrigindo as falsas interpretações.
Para a reta interpretação do Concílio, são de ajuda também os esquemas propostos, inclusive aqueles que não chegaram a ser debatidos, em razão da interrupção do Concílio: normalmente os esquemas que foram tratados receberam poucas modificações, ao menos não na substância. Por fim, são úteis ainda algumas intervenções dos Padres favoráveis à definição, nas quais podem-se encontrar provas incontrovertíveis sobre a infalibilidade do Papa: o Concílio deu razão a eles definindo o dogma.
Apoiando-me nestes testemunhos, examinarei sucessivamente as famosas “quatro condições”, que, na realidade, são somente a explicação do termo ex cathedra, expressão que comentarei no final. Seguirá um apêndice sobre o magistério ordinário do Papa e sobre o magistério ordinário e universal. Concluirei assim a análise do primeiro erro de W [ponto “a)”].
As quatro condições
Segundo a tese de W, o Papa é infalível “com quatro condições”, e não “com três e meia”. Dado que essas condições não foram inventadas por W, mas são tiradas da definição conciliar, vejamos o significado que o Concílio deu a elas. Recordemos quais sejam. O Papa: 1.° em virtude de sua suprema autoridade; 2.° define; 3.° uma doutrina sobre a fé e a moral; 4.° afirmando que essa doutrina deve ser aceita por toda a Igreja.
1.ª: O Papa utiliza a suprema autoridade
Diversas objeções haviam sido feitas contra a definição da infalibilidade do Papa, dentre as quais algumas referentes à doutrina; outras à oportunidade da definição; outras ao objeto, que teria ficado difícil de delimitar; outras ao termo mesmo, que poderia ser mal interpretado. Respondeu às objeções e deu a explicação do texto, que em seguida foi definido, a Deputação da Fé mediante Dom Gasser, Bispo de Bressanone: [15. 84.ª Congregação Geral, 11-7-1870, in MANSI,Collectio Conciliorum, vol. 52, col. 1204-18.]
“O sujeito da infalibilidade é o Romano Pontífice, enquanto Pontífice, ou seja, enquanto pessoa pública em relação com a Igreja universal”.
[16. Dom Gasser, ibidem, Mansi, 52, 1225.]
“Mas muitos dentre os Revmos. Padres – disse Gasser – não contentes com estas condições, vão além e quereriam introduzir ainda nesta Constituição Dogmática condições que, de modo variado, se encontram em diversos tratados de teologia e que dizem respeito à boa fé e à diligência do Pontífice em indagar e em enunciar a verdade.”
[17. Dom Gasser, ibidem, Mansi, 52, 1214.]
Gasser respondeu que pouco importavam as motivações e as intenções do Pontífice, que diziam respeito à sua consciência; mas que só contava o fato de que ele falava à Igreja:
“Nosso Senhor Jesus Cristo (…) quis que o carisma da verdade dependesse da relação pública do Pontífice com a Igreja universal; senão, esse dom da infalibilidade não seria um meio eficaz para conservar e proteger a unidade da Igreja. Por isso, não é preciso temer que por má fé e por negligência do Pontífice a Igreja universal possa ser induzida em erro sobre a fé. Com efeito, a tutela de Cristo e a assistência divina prometida aos Sucessores de Pedro é uma causa tão eficaz, que o juízo do Sumo Pontífice, se fosse errôneo e nocivo para a Igreja, seria impedido; ou então, se o Pontífice efetivamente faz uma definição, esta será infalivelmente verdadeira”.
[17. Dom Gasser, ibidem, Mansi, 52, 1214.]
A primeira condição indica, pois, que o Papa fala como Papa e não como pessoa privada: isso será ainda melhor demonstrado no parágrafo que trata da expressão ex cathedra.
2ª: Define.
3ª: Uma doutrina sobre a fé e a moral.
Dom Gasser explica este ponto:
“Exige-se a intenção manifestada de definir uma doutrina, isto é, de pôr fim à flutuação sobre uma doutrina ou sobre uma coisa a definir, dando uma sentença definitiva, e propondo essa doutrina como a ser aceita pela Igreja universal”.
[18. Ibidem, Mansi 52, 1225.]
Noutros termos, o Papa dá a conhecer, de qualquer modo que seja, que uma doutrina não pode ser livremente discutida na Igreja. Se, porém, ele não quer dirimir a questão, então esta permanece aberta, não há aí definição, mas uma orientação prática que pode ser revista.
Por exemplo, Gregório XVI pronunciou-se de maneira definitiva sobre a liberdade rel