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Dossiê da Ação Integralista Brasileira

I – A doutrina filosófica do integralismo

II – O integralismo e a religião

III – Conclusões

IV – Prevendo objeções

V – Textos numerados a que se refere o relatório

VI – Considerações acessórias



I – A doutrina filosófica do integralismo


Nota-se, em muitos círculos católicos, uma certa desorientação sobre a atitude a ser assumida perante o integralismo.

Há quem aconselhe francamente aos católicos a entrarem na Ação Integralista Brasileira. É o que fez, por exemplo, o Sr. Alceu Amoroso Lima, incontestavelmente a figura de maior relevo do laicato católico do Brasil.

Mas há, também, quem se coloque em atitude de franca hostilidade.

Como é possível que, nos arraiais católicos, em que uma admirável disciplina intelectual congrega todos os espíritos em torno dos mesmos princípios sociais, se pronuncie uma tão funda divergência?

O fato é facilmente explicável. Muito poucos são os católicos que se deram ao trabalho de estudar a fundo o integralismo. Em geral, a diferença de atitude dos católicos, a este respeito, provém da diversidade das impressões gerais que eles colhem, sobre o problema, pela rápida leitura dos jornais. Queremos crer que um exame mais atento do que seja o integralismo reconduziria todos os espíritos à unidade.


Como estudar o integralismo

O programa oficial do integralismo está contido nas chamadas Diretrizes Integralistas.

Reconhecendo que este documento não contém senão alguns dos pontos fundamentais da doutrina integralista, resolveu a Ação Integralista Brasileira criar um Departamento de Doutrina, cuja incumbência consiste em elaborar os itens que deverão completar futuramente as Diretrizes.

Para realizar este desideratum, cabe ao Departamento de Doutrina orientar os estudos políticos e sociais dos intelectuais filiados ao integralismo, de sorte a coordenar seus esforços na elaboração dos pontos complementares do programa oficial. Compete-lhe também velar [para] que os trabalhos publicados pelos integralistas não se afastem do pensamento contido nas Diretrizes.

O Departamento de Doutrina costuma editar, por sua conta, as obras dos intelectuais integralistas, que lhes pareçam particularmente interessantes.

As obras editadas <sob> o patrocínio do Departamento de Doutrina, que é orientado muito de perto pelo Chefe Nacional, Sr. Plinio Salgado, são pois, obras oficiosas do integralismo. Não são propriamente oficiais, porque o Departamento de Doutrina não faz suas todas as ideias contidas em tais obras. Mas são oficiosas, porque o Departamento ao editá-las, declara implicitamente que nada do que elas contêm colide com o programa ou as tendências do integralismo.

Temos aí, portanto, mais um elemento para estudar o integralismo.

Finalmente, temos os já numerosos periódicos integralistas.

Os autores do presente trabalho tiveram em mãos abundantes documentos pertencentes a essas várias categorias. Leram-nos com um espírito de inteira imparcialidade. E estariam dispostos, se preciso fosse, a jurar sobre o Santíssimo Sacramento, que são absolutamente sinceros nos comentários que vão a seguir.


O que é o integralismo?

É esta a primeira interrogação que ocorre a quem estuda o integralismo. A doutrina do sigma é apenas uma doutrina política? É também social? Filosófica? Religiosa?

Vamos às fontes. Delas se deduz que (ver os apêndices, com os textos 1 <a 10>):

1) O integralismo não é ainda uma doutrina completa: está em formação. Seu programa comportará futuramente diversos itens que nele ainda não figuram (vide no apêndice, texto 1).

2) O integralismo não é uma doutrina apenas política, mas também social, econômica, filosófica, moral (vide textos <10 e segs.>, no apêndice).


Qual a doutrina filosófica e moral do integralismo?

O primeiro ponto que, a este respeito, deveria ser esclarecido é o seguinte: o integralismo aceita como sua uma doutrina filosófica, moral e religiosa preexistente? Ou quer criar uma doutrina nova?

A pergunta não é ociosa. Afirmam os documentos que citamos, que a doutrina integralista abrange uma filosofia e uma moral.

Se o integralismo simplesmente incorpora à sua doutrina uma filosofia preexistente – o tomismo, por exemplo –, será fácil conhecer o pensamento filosófico dos camisas verdes.

Mas, se ele cria uma doutrina filosófica nova, quer isto dizer que ele pretende constituir para si uma filosofia distinta de todas <as> correntes filosóficas anteriores, inclusive o tomismo.

Compreende-se, pois, facilmente, o grande alcance da questão que formulamos.

Para encontrar uma solução objetiva e imparcial, devemos consultar os textos integralistas (ver, no apêndice, os textos 22 e seguintes).

Parece-nos que os textos citados afirmam, com uma insistência bastante significativa, o fato de ser nova e própria a filosofia do integralismo.

Outros textos, mais explícitos, nos informam no que consiste esta filosofia.

No seu livro A Quarta Humanidade de que já citamos alguns trechos, o Sr. Plinio Salgado faz um longo histórico da evolução das diversas correntes filosóficas que o mundo tem conhecido, em todas as épocas e todos países.

E, referindo-se à filosofia do integralismo, que, segundo ele, será a filosofia de toda a humanidade futura, afirma que a filosofia integralista não repudia nenhum dos sistemas filosóficos anteriores, mas, pelo contrário, os assimila, a todos, em uma imensa síntese.

Depois de demonstrar que as características da vida intelectual no século XIX foram a análise e a fragmentação (textos 26 e 27), Plinio Salgado descreve o processo através do qual, segundo ele, essa fragmentação excessiva reconduziu o homem à fusão das ciências naturais e das correntes filosóficas em um corpo de doutrinas que constitui uma unidade superior, que é a filosofia e a ciência do integralismo, bem como sua sociologia e sua economia.

As duas grandes etapas do pensamento humano e os dois grandes grupos de filosofias, anteriores ao período de desagregação e ateísmo que foi o século XIX, foram os períodos de adição (politeísmo) e fusão (monoteísmo). (texto 29).

Quando o politeísmo entra em decadência, afirma Plinio Salgado que ele se vê “entre dois fogos: o helenismo, que prossegue nos métodos naturalistas e o orientalismo”, que é monoteísta e “prossegue no rumo sobrenatural, estabelecendo em Deus o centro do Universo e do mundo anterior”. (Quarta Humanidade, pg. 26 <2ª ed. pg. 28>).

O helenismo e o orientalismo são a súmula de todo o pensamento da Antiguidade. No século XIX, eles não tinham desaparecido. Pelo contrário, no século passado “o espírito da filosofia readquire o sentido grego da consideração do Universo, abandonando completamente a concepção teológica” (Quarta Humanidade, Plinio Salgado, pg. 96 <2ª ed. pg. 98>). E o marxismo foi o “misticismo da raça judaica. Para se compreender a essência recôndita do socialismo de Marx, é preciso conhecer o Talmud e os Protocolos dos Sábios de Sion. Em última análise, essa ateocracia que domina a Rússia não passa da velha teocracia hebreia revestida de forma negativa. O autor de O Capital espera o Messias, que não é um homem, mas uma raça. O seu governo será com verga de ferro, como diz o Talmud.” (Plinio Salgado, A Quarta Humanidade, pgs. 55-6 <2ª ed. [pgs.] 57-58>).

“Sintetizando” o pensamento do século XIX, o integralismo abrange nesta síntese todas as filosofias do passado (textos 30 e 31).

Filho deste passado, ele não o maldiz. Pelo contrário, nasce dos seus escombros como uma flor que brota entre ruínas.

E, ao cabo deste estudo, uma dolorosa verificação se impõe a nossos olhos:

a) a filosofia do integralismo não é uma filosofia nova. Pelo contrário, ela é, e proclama ser, o receptáculo de todas as filosofias antigas e modernas, a colcha de retalhos em que se alinhavam com linha verde, numa absurda baralhada, todas as verdades e todos os erros, que até hoje, brotaram do cérebro humano;

b) maldizendo às vezes a política ou a economia do século passado, o integralismo não rompe com o que este século teve de pior: sua filosofia, ou melhor, suas filosofias. Condenando os erros do século XIX, o integralismo se apega ao pior e ao mais grave de todos: seu ecletismo.


Integralismo e tomismo

Mas, dirá alguém, um certo ecletismo é o predicado da filosofia sã. Em todas as doutrinas, por mais errôneas que sejam, se encontra uma parcela de verdade. § Realizando a síntese de todas essas parcelas, chegar-se-ia ao tomismo. Não é este o desígnio do integralismo?

O estranho conceito que, de filosofia, tem o Sr. Plinio Salgado, (texto 26), mostra até que ponto sua concepção filosófica é diversa do tomismo. § Mas temos, para demonstrar essa diversidade, textos mais numerosos e não menos claros. Provaremos que a doutrina integralista é contrária ao tomismo:

a) por suas concepções históricas;

b) por sua ideia de Deus;

c) por diversos outros pontos de atrito, de importância indiscutível.


A concepção da história, segundo o Sr. Plinio Salgado

Para não correr o risco de deformar, <resumindo-o>, o pensamento do Sr. Plinio Salgado, preferimos, tanto quanto possível, reproduzir textualmente suas palavras.

Diz ele que, para compreender a história, é necessário “surpreendermos as leis essenciais dos ritmos humanos, a teoria dos movimentos do Homem em torno do Absoluto.

“A história deve revelar-nos as posições do Ser Humano na sua permanente gravitação. No desenvolvimento desses ritmos é que vamos surpreender as três etapas, que poderemos denominar: de adição, de fusão, de desagregação.

“A formação da sociedade obedeceu a esses movimentos. A Primeira Humanidade veio da caverna, até a criação do politeísmo; a Segunda, vem do politeísmo ao monoteísmo; a Terceira vem do monoteísmo ao ateísmo; e a Quarta, que é a nossa, encontra-se na mesma situação trágica da Primeira diante do mistério universal.

“Depois da adição, da fusão e da desagregação, chegou a hora da síntese.” § (Plinio Salgado, Quarta Humanidade, pags. 15-16 <2ª ed. p. 17>).

A “síntese” a que se refere Plinio Salgado, é a filosofia nova, soma integral das filosofias anteriores, que abrangerá o pensamento oriental, com Jesus Cristo, Buda, Maomé; o pensamento grego, com Platão e Aristóteles; o pensamento medieval com S. Agostinho, S. Tomás e os nominalistas; o pensamento moderno com Hegel, Kant, Bergson e Marx.

Assim, depois da civilização ateia que ora agoniza, baseada no espírito analítico, desagregador e ateu das filosofias atuais, virá a Humanidade Integralista, isto é, a Quarta Humanidade (ver texto 24).

Detenhamo-nos, por um momento, na apreciação dessa estranha filosofia da história.

Segundo o Sr. Plinio Salgado, a Humanidade teria sido, a princípio, politeísta. Nesse primeiro período, os deuses novos se iam juntando aos antigos, até atingir o incontável número de deuses que o paganismo cultuava. Esse [é] o período de adição de deuses, isto é, o período politeísta.

Veio em segundo lugar o período monoteísta. Como surgiu o monoteísmo? Os deuses se fundiram num só. Daí o nome do período: monoteísmo ou fusão.

Em terceiro lugar, veio o período do ateísmo, caracterizado pela análise e pela desagregação.

Finalmente virá a síntese integralista.

Dessa concepção histórica ressaltam:

a) um erro: é francamente evolucionista;

b) uma interrogação para nós: Plinio Salgado divide a história em quatro períodos caracterizados por quatro posições da inteligência no problema de Deus; dessas quatro posições, as três primeiras nos são conhecidas – politeísmo, monoteísmo, ateísmo. Qual será a posição do integralismo <perante Deus>? Como se deve entender, neste terreno, a “síntese” que ele quer fazer?



Evolucionismo

Ninguém ignora que há divergências entre os historiadores, a respeito da origem da religião na humanidade primitiva.

Os evolucionistas afirmam que o homem foi primeiramente politeísta, e só depois monoteísta. Com isto, estaria destruída a tradição bíblica, que nos mostra o primeiro casal humano, e seus filhos, adorando um Deus único.

Os católicos, pelo contrário, afirmam que o homem foi primitivamente, monoteísta. Mais tarde, alguns povos decaíram para o politeísmo. Incólume, só ficou o povo eleito.

A este respeito, o que pensa o Sr. Plinio Salgado?

Ele divide a História em três etapas caracterizadas por três posições diferentes do homem, perante Deus. A estas etapas, ele dá os nomes de: 1) período de adição (politeísmo); 2) período de fusão (monoteísmo); 3) período de desagregação (ateísmo). Futuramente, a humanidade entrará em um novo período, que é o do integralismo, o período último e definitivo por que passará o Mundo. (Quarta Humanidade, pg. 15 <2ª ed. p. 17>).

Na primeira etapa, o homem – diz Plinio Salgado – criou diversos deuses, que ele ia adicionando aos mais antigos, à medida que criava novos. Dessa constante adição de deuses, nasceu o politeísmo. Daí o nome de período: de adição, ou politeísta. Note-se bem que esta é a primeira etapa. Logo, antes dela, não houve outras.

Na segunda etapa, que é monoteísta, a humanidade fundiu os deuses, uns com os outros, até chegar à concepção de um Deus uno. De onde o nome do período: de fusão ou monoteísta.

Na terceira etapa, este Deus uno desagregou-se no espírito do povo. Isto é, o povo repudiou o Deus uno. Tornou-se ateu. Daí o nome do período: de desagregação, ou ateu.

Virá, finalmente, o período Integralista, caracterizado por uma nova concepção de Deus. Este relatório estuda, em outro lugar, o assunto referente à concepção integralista de Deus.

Basta-nos, por enquanto, fazer notar que, se o Sr. Plinio Salgado aceitasse, como os historiadores católicos, a tradição da Bíblia, antes da etapa politeísta, ele deveria ter mencionado uma etapa monoteísta.

Da sua enumeração de períodos históricos, o Sr. Plinio Salgado excluiu, no entanto, a menção deste período inicial. A primeira etapa, para ele, foi politeísta.

Com isto, ele rejeita a tradição bíblica. E filia-se à corrente evolucionista.

Aliás, as convicções evolucionistas do Sr. Plinio Salgado são evidentes em toda a sua obra.

Em uma de suas obras, diz ele que, no primeiro período, “o homem primitivo fundou a tribo e engendrou o totem”. (Quarta Humanidade, pg. 16 <2ª ed. [p.] 18>).

Mostra-nos a História que a tribo não foi fundada pelo homem primitivo, como o homem moderno funda instituições comerciais ou beneficentes. Supô-lo seria grave erro. A tribo primitiva é, pura e simplesmente, o desdobramento da família, desdobramento gradual e espontâneo, que independe de qualquer fundação.

O evolucionismo do Sr. Plinio Salgado é particularmente nítido quando ele explica o aparecimento do monoteísmo.

Ouçamo-lo.

Quando entra em decadência o politeísmo, “começam a germinar, simultaneamente, as sementes das duas humanidades, as próximas antagonistas, que se perpetuarão e se revezarão no correr dos tempos: a humanidade monoteísta e a humanidade ateísta.

“Podemos representar graficamente o largo período politeísta como as nascentes de um rio. As causas são numerosas, todas convergem para uma causa única, para uma larga e profunda caudal. E é curioso como o mesmo espírito (o espírito politeísta) que fundiu todas as correntes para uma única concepção de Deus, é o mesmo espírito que prossegue, tentando a destruição do próprio Deus. É, em última análise, o mesmo espírito naturalista, que faz compreender melhor o universo formal. É a procura da causa única.” (Plinio Salgado, Quarta Humanidade, pg. 26 <2ª ed. p. 28>).

Assim, pois, para o Sr. Plinio Salgado, o monoteísmo é irmão do ateísmo. Nasceram ambos, por um processus lógico, do politeísmo.

Nessa evolução, ateísmo e monoteísmo são produtos do gênio diverso de duas raças diferentes, trabalhando sobre o fundo comum das convicções politeístas.

Filho do espírito analítico e naturalista da Grécia, o ateísmo é o “helenismo, que prossegue nos métodos naturalistas de interpretação e explicação dos elementos”. (Plinio Salgado, Quarta Humanidade, pg. 26 <2ª ed. p. 28>).

Filho do espírito místico do Oriente, o monoteísmo é um “orientalismo, que prossegue no rumo sobrenatural, estabelecendo em Deus o centro do Universo e do mundo interior, consequentemente o centro dos movimentos sociais”. (Plinio Salgado, Quarta Humanidade, pg. 26 <2ª ed. p. 28>).

Monoteísmo e ateísmo “vieram do politeísmo, pelo mesmo caminho, mas separaram-se porque cada um deveria constituir uma força na eterna dialética. Essas duas humanidades deveriam exprimir as duas faces da verdade, porque impossível seria compreender uma sem a outra.

“O bom não será bom sem o mau; a luz não será luz sem a treva; o agradável não o será sem o desagradável; o alto sem o baixo; o preto sem o branco. E do mesmo modo como a reta é que faz compreender a curva, embora a reta seja apenas uma ilusão, como observa Einstein, o Ser só se compreende em relação ao Não Ser, afirmação em relação à negação.” (Plinio Salgado, Quarta Humanidade, pg. 27 <2ª ed. p. 29>).

Positivamente, não é esta a doutrina católica, não é esta a filosofia do Doutor Angélico!

Mas, o Sr. Plinio Salgado continua:

“Qual é a única forma de negar? É abstrair. É não considerar. Negar, considerando, é uma maneira de afirmar.” (Plinio Salgado, Quarta Humanidade, pg. 27 <2ª ed. p. 29>).

Curioso é o conceito de cristianismo. “Para a Humanidade Monoteísta, que se desdobra dos hebreus para o amplo domínio do cristianismo (em cuja concepção de existência temos de incluir os maometanos e os budistas), Deus é a causa, a razão, a finalidade única do homem.” (Plinio Salgado, Quarta Humanidade, pg. 29 <2ª ed. p. 31>).

Curiosa, também, esta afirmação sobre o ateísmo grego: “dentro dele se encontram elementos da Quarta Humanidade, elementos que estão também na expressão contrária à do espírito grego. A ideia essencial está dentro de todas as civilizações e formas de mentalidade.” (Op. cit., pg. 30 <2ª ed. p. 32>).

É muito curiosa, também, esta outra afirmação: para o povo judeu, quando se encontrava no deserto, “na ausência da paisagem viva, no desamparo da amplidão arenosa, Jeová é a paisagem como é a Providência, que derrama as nuvens do maná e codornizes sobre as tribos esfaimadas; é a finalidade da nação, que acende a coluna de fogo para a marcha nas trevas do deserto; é a tradição que se conserva na Arca da Aliança; é a lei que procede do Decálogo; é a sociedade que se organiza segundo o culto divino, em levitas, guerreiros e trabalhadores. Tudo procede da ideia central, tudo nela repousa. <Tudo> é deduzido de um sentimento sobrenatural.” (Plinio Salgado, Quarta Humanidade, pg. 32 <2ª ed. p. 34>).

Não custa compreender, pois, que o Sr. Plinio Salgado chegue a afirmar que, “na elaboração da Humanidade Monoteísta, há o germen do materialismo, que mais tarde vai se aninhar no grupo sectário dos saduceus, cuja recusa à aceitação dos espíritos, anjos, arcanjos, irá ser repetida mais de vinte séculos depois, pelo racionalismo filosófico e pelo experimentalismo científico, em que tanto influíram os intelectuais da raça hebreia.” (Plinio Salgado, Op. cit., pg. 33 <2ª ed. p. 35>).

Por isto é que “as sociedades espiritualistas acusam índices de materialismo” como aliás também “das sociedades materialistas despontam traços de espiritualismo. É esse o aspecto geral dos séculos e nenhum pode fugir dessa fatalidade.

“É que não se compreende a tese sem a antítese. A certeza em trânsito paira sobre as dúvidas, como o espírito de Deus que paira sobre as águas.” (Op. cit., pgs. 34-35 <2ª ed. [pp.] 36-37>).

A própria doutrina cristã conheceu no seu seio a luta do materialismo e do monoteísmo: “há um momento em que se encontram as duas humanidades. São os primeiros séculos da Era Cristã. Esses dois caracteres universais do espírito vão se misturar, quase fundir-se, separar-se de novo, caminhar em sentido ora paralelo, ora divergente.” (Op. cit., pág. 35 <2ª ed. p. 37>).

Essas duas tendências do espírito humano, “tendo confluído na alvorada do cristianismo, sem nunca, entretanto, ter-se confundido de maneira absoluta, começam a separar-se em lineamentos mais nítidos, depois do século IV. O Concílio de Nicéia não é apenas o palco da controvérsia entre estudiosos da teologia dogmática. É um índice também revelador do livre-exame, de que Ario representa possivelmente a primeira expressão. É uma depuração de resíduos.” (Op. cit., pg. 37 <2ª ed. p. 39>).

Porque não se compreende a afirmação sem a negação, e a “única forma de negar é abstrair, é não considerar” (Op. cit., pg. 27) é que o helenismo e o pensamento burguês moderno são ateus: eles não negam Deus, mas abstraem dele.

Mas o materialismo marxista nem é antiespiritualista e nem é ateu (ver no apêndice textos 32 a 35). Pelo contrário, vibra nele o espírito do monoteísmo semítico (ver no apêndice, texto 36).

Eis aí a consequência a que chega a filosofia integralista!

Mas veja-se agora uma curiosa explicação da razão porque o comunismo prevaleceu na Rússia cristã e foi rejeitado pela Europa burguesa e ateia: é que a Europa ateia repugnou o comunismo, que é uma religião. Enquanto o comunismo não desagradou, em virtude de seu fundo religioso, ao povo russo, profundamente cristão. (Plinio Salgado, A Quarta Humanidade, pg. 56 <2ª ed. pg. 58>, ver texto 36 <do apêndice>).

Assim, pois, enquanto o integralismo proclama aos quatro ventos que a religião é a base da civilização, o Sr. Plinio Salgado sustenta que foi a religião que franqueou as portas da alma russa ao comunismo. Enquanto a irreligião burguesa salvou a Europa do perigo vermelho!


II – O integralismo e a religião


Deus, segundo o integralismo

Não há, no Brasil, quem ignore que o lema do integralismo é Deus, Pátria e Família. O lema é simpático entre os que mais o sejam.

Mas estamos no nosso direito de perguntar: qual é a concepção que, de Deus, faz essa filosofia integralista tão obscura e tão surpreendente, para a qual o monoteísmo e o ateísmo são irmãos gêmeos, filhos do politeísmo, para a qual se encontra no cristianismo o germen do ateísmo e que vê no comunismo uma semente do monoteísmo?

Ouçamos algumas <invocações> a Deus, feitas pelo Chefe Nacional, menos divulgadas que seus artigos na “Offensiva”, em que ele se mostra vagamente cristão. Estas palavras nos revelam um aspecto curioso de suas concepções teológicas. Falam os textos:

“Destino dos povos, vontade desconhecida, que age no fundo das Eras, através das transformações numerosas do Espírito do Tempo e da fisionomia da Terra;

“Força providencial, que determinastes as migrações das raças, e tangestes nações em marchas de conquistas, fundando reli­giões e estabelecendo impérios;

“Tenhas partido da Ásia, ou hajas ali renascido da morte de civilizações milenárias, és tão eterna como o roteiro dos astros, e és agora tão viva no nosso amargurado século XX, como estavas presente quando nasceram os primeiros deuses.

“Tu, Destino Misterioso, que conduziste, pelo deserto, Moisés e seu povo.

“Tu, Destino dos Povos, dá ao Brasil o seu instante de afirmação, proporciona-lhe a hora de sua palavra no Mundo.” § (Plinio Salgado, oração pronunciada em 1926).

O pensamento que esta oração contém, foi, segundo informa o autor <(Quarta Humanidade, pg. 135, 2ª ed. pg. 137)>, reproduzido por ele na tribuna da Câmara Estadual e em uma conferência em Ribeirão Preto. Este pensamento também foi afirmado no manifesto da Legião Revolucionária, em 1931, e aí foi mais bem fixado. Este mesmo pensamento foi novamente reafirmado no manifesto de Outubro de 1932, quando foi lançado o integralismo. Este discurso está anexo ao livro de Plinio Salgado, A Quarta Humanidade, pgs. 135 e seguintes. A seu propósito, o autor diz na edição de 1934 (loc. cit.): “é este o pensamento que me absorve, e que está presente em todos os meus livros. Esta oração cabe perfeitamente nestas páginas e serve para esta hora sombria que só os inconscientes não percebem.”

É inútil mostrar os erros evidentes, destes textos heterodoxos.

Eis agora outro trecho dessa significativa oração:

“É que acendes teu fogo imortal, Destino dos Povos, no risco fosfóreo do Boitatá, nas fagulhas da Mãe de Ouro, na brasa do cachimbo do Curupira e do Saci, nos largos sertões, como se fosse a própria alma do Brasil ígnea e palpitante.” (Plinio Salgado, A Quarta Humanidade, pg. 145 <2ª ed. p. 147>).

E continua:

Destino dos Povos, “vieste da nossa história, vives na nossa terra; és a meiguice das mães brasileiras, és a bondade do homem rude do Brasil. És o ritmo das nossas canções tristes, és a volúpia dos nossos maxixes e cateretês.” (Op. cit., pgs. 145-146 <2ª ed. [pp.] 147-148>).