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EXPLICAÇÃO DA TESE DE MONS. GUÉRARD DES LAURIERS

Por S.E.R. Mons. Donald Sanborn





O problema do papado depois do Vaticano II.

Qualquer pessoa que esteja familiarizado com o movimento tradicionalista sabe que o mesmo começou uma resistência às mudanças do Vaticano II. Também sabe que há diferentes níveis ou maneiras de resistir. A resistência mais débil é aquela da Missa com indulto, junto às congregações que têm permissão para usar a Missa tradicional, tais como a Fraternidade São Pedro. Daqui para adiante me referirei a toda esta parte do movimento tradicionalista com o nome de indultistas.


Os indultistas aceitam o Vaticano II e suas muitas mudanças como católicas e legítimas, e somente preferem as tradições da Igreja Católica porque são “melhores”. Evidentemente não veem problema com o papado de João Paulo II, pois reduzem sua resistência a uma simples questão de preferência e não veem no Vaticano II e em João Paulo II defecção alguma da fé católica, moral ou disciplinar.


Os próximos na linha são os lefebvristas, a Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Eles veem no Vaticano II e em João Paulo II uma defecção da Fé Católica, da moral e da disciplina. Em consequência, estabeleceram um apostolado paralelo contra a vontade da pessoa que sustentam ser o Santo Padre, e por ele foram excomungados. Naturalmente têm, logo, um problema teológico para resolver em relação ao Papado. O resolvem desta maneira: dizem que, ainda que João Paulo II seja Papa, não obedecerão em nada que vá contra da Fé Católica, moral e disciplina. Apelam à Tradição, que, segundo eles, está acima do Romano Pontífice.


Em seguida, temos os sedevacantistas, os quais também veem defecção da Fé Católica, da moral e da disciplina, tanto no Vaticano II quanto em João Paulo II. Entretanto apresentam uma objeção à solução dos lefebvristas, por ser incompatível com o ensinamento católico sobre a Igreja. Os sedevacantistas afirmam que a indefectibilidade e infalibilidade da Igreja nos impede dizer que o Papa tem promulgado falsos ensinamentos, falsa liturgia, disciplinas perversas, etc. Se João Paulo II fez essas coisas, dizem os sedevacantistas, não pode ser Papa. Também argumentam dizendo que João Paulo II é um herege público, em consequência, um não católico, e que alguém que não é católico não pode ser papa.


Alguns sedevacantistas são opinionistas, pois dizem que o fato de João Paulo II ser ou não Papa é uma questão aberta, um assunto de mera opinião teológica. Pode-se ir por qualquer caminho legitimamente, dizendo que é Papa ou que não é. Há muitos opinionistas na Fraternidade São Pio X, onde é bem conhecido e tolerado que há entre eles sacerdotes sedevacantistas que excluem o nome de João Paulo II no Cânon da Missa. Em outras palavras, ele são sedevacantistas secretos, e isto é possível apenas pelo o meio do opinionismo.


Outra distinção entre os sedevacantistas é aquela entre absolutos, ou totalistas, e material-formalistas. Os absolutos dizem que João Paulo II não é nada de modo algum, ou seja, não possui jurisdição papal e também não foi eleito validamente. Os material-formalistas dizem que não é Papa porque carece de jurisdição, mas que foi eleito validamente ao Papado e que está em posição de fazer-se Papa.


Onde está a verdade?


Certamente, esta variedade de respostas ao problema do Vaticano II e de João Paulo II deve ser desconcertante para o leigo comum, que somente deseja praticar sua Fé e praticar seu catolicismo.


Não deveria este desconcerto levar o leigo, ou, inclusive, a certos sacerdotes, a um espírito de amargura, pela a falta de habilidade dos sacerdotes para entrarem em algum acordo. Nem deveria tal pessoa rir de uma situação por não ser capaz de entendê-la. Creio que todos os sacerdotes e leigos, em todas as categorias que descrevi acima, têm um desejo sincero de preservar a Fé, moral e disciplinas católicas. Todos eles amariam despertar-se de um mau sonho e encontrar-se na situação da qual o Vaticano II nunca ocorreu. Gostariam de ver desaparecer o Vaticano II. Neste sentido estão todos unidos. Acham-se divididos em matérias que pedem uma explicação teológica a respeito do que estão fazendo. Enfrentando com a necessidade de resistir ao Vaticano II e suas mudanças, deveria oferecer-se uma explicação coerente, de acordo ao dogma e à teologia católica, do motivo de ser uma boa ideia o fato de estar resistindo. Claro está que existe uma diferença essencial entre às três categorias gerais de resistência:

  1. O indultista,

  2. O lefebvrista e

  3. O sedevacantista.

Resistir ao Vaticano II meramente por preferência, tanto para os lefebvristas (ao menos neste ponto) como para os sedevacantistas, é algo muito débil. Os lefebvristas diferem dos sedevacantistas do seguinte modo: afirmam que não temos direito de julgar o Papa, ao que os sedevacantistas respondem que considerar sua nova missa, seus ensinamentos,e sua disciplina universais como falsas e malignas - como fazem os lefebvristas - leva logicamente ao não papado de Wojtyla. Este artigo, entretanto, não concerne às diferenças entre indultistas, lefebvristas e sedevacantistas. Tenho analisado estas diferenças cuidadosamente em outros lugares. O presente artigo tem por objetivo as existentes entre os sedevacantistas.


Que fique estabelecido antes de qualquer coisa que há uma unidade substancial de posição entre os sedevacantistas: João Paulo II não é papa e seu nome não deve ser mencionado no Canon da Missa. Neste ponto estão todos de acordo, e é essencial, pois remove da Igreja a mancha de apostasia de Cristo, que seria o caso se Wojtyla fosse um verdadeiro Papa.


As diferenças entre os sedevacantistas se fundam na explicação de como e por qual motivo João Paulo II não é papa. Tais diferenças não dizem respeito ao dogma católico, mas à explicações teológicas de coisas que pertencem ao Dogma Católico.

Esta classe de diferenças - as explicações teológicas de dogmas - sempre existiram na Igreja. A mais notável é a que existe entre dominicanos e jesuítas sobre a obra da Graça na alma. Há muitas outras. Ainda que cada um sustente que sua posição é verdadeira e a outra falsa, também cada qual afirma que não existe heresia em afirmar tal ou qual explicação teológica. Assim, ainda que dominicanos e jesuítas estão em veemente em desacordo a respeito de certos pontos teológicos, nada os impede trabalhar juntos e viver em paz como membros do Corpo Místico.


Neste artigo, darei ao leitor a apresentação mais simples possível da tese de Mons. Guérard Des Lauriers a respeito do Papado depois do Vaticano II. Entendê-la exige certo esforço intelectual. Uma das objeções contra a tese diz que é muito difícil de entender, inverossímil, e demasiado teológica. Porém, tal queixa não é legítima, dado que o mesmo pode ser dito de quase qualquer explicação teológica de cada um dos dogmas. O dogma da Santíssima Trindade, por exemplo, é simples: há três Pessoas em um só Deus. Mas a explicação teológica de como encontramos três Pessoas em um só Deus, é extremamente complicada e difícil. Isto se deve a que a teologia está obrigada a respeitar duas coisas que aparentemente são contraditórias: a unidade da essência divina e a trindade de Pessoas.



Se um leigo fosse ler uma explicação da Trindade tal como aparece nos livros de estudos dos seminários, depois de uns parágrafos não faria mais que fechar o livro. Aqui é igual. O leigo não deveria dizer: “não entendo, logo não pode ser verdadeiro”. Há muitas coisas difíceis de entender na teologia que são, no entanto, absolutamente verdadeiras.


A “Tese de Cassiciacum” de Mons. Guérard Des Lauriers -como se a chama- é uma explicação que respeita as duas exigências do dogma católico:

  1. Aquele que promulga uma doutrina falsa, um culto falso e disciplinas perversas, não pode ser o Romano Pontífice;

  2. Deve haver uma linha interrupta de sucessores legítimos de São Pedro, desde São Pedro mesmo até a Segunda Vinda de Cristo.


Como encontrar a verdade?


Como disse acima, a tese é somente uma explicação do dogma católico. Logo, para determinar se é ou não verdadeira, deve-se primeiro conhecer e entender os dogmas católicos concernentes a Igreja e ao Papado, que devem ser respeitados em qualquer explicação da situação da autoridade papal depois do Vaticano II.


Irei expor (primeiramente) algumas verdades teologicamente corretas, ou seja, conclusões teológicas admitidas por todos, assim como também (em segundo lugar) outras verdades extraídas da filosofia e do sentido comum. Havendo realizado isto apresentarei, (finalmente) uma explicação da tese. Terminarei (o artigo) respondendo a algumas questões.


As exigências do dogma católico


I. A Igreja Católica é infalível.


Pela assistência de Cristo, a Igreja é infalível na preservação e exposição do depósito revelado. Esta qualidade da Igreja está expressada nas palavras de Cristo:

“E Eu te digo que tu és pedra e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra Ela”(1), e nas palavras de São Paulo, que chama a Igreja

“coluna e fundamento da verdade”(2).


Entretanto, nenhuma destas coisas seria verdadeira se a Igreja pudesse errar em seu ensinamento oficial. Logo, a Igreja é infalível. Ainda mais, se a Igreja ensinasse erro em matéria de Fé e moral, mais que uma sociedade que leva almas para o Céu, seria uma sociedade que as envia para o inferno.


II. A Igreja Católica é indefectível.


Esta qualidade da Igreja significa que Ela durará até o fim dos tempos sem variação essencial alguma de seus elementos constitutivos; a saber, unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade. Esta doutrina tem por base o mesmo raciocínio e os mesmos textos que a doutrina da infalibilidade da Igreja. A isto acrescentamos:


“Estejam seguros que Eu estarei sempre convosco, até a consumação dos séculos” (3), promessa de Nosso Senhor aos Apóstolos segundo a qual o Espírito Santo permaneceria com eles para sempre.


O Concílio Vaticano I em 1870, declarou:

“Agora bem, o que Cristo Nosso Senhor, Príncipe dos Pastores e grande Pastor das ovelhas, instituiu no Bem-aventurado Apóstolo Pedro para perpétua saúde e bem perene da Igreja, preciso é que dure perpetuamente por obra do mesmo Senhor na Igreja que, fundada sobre a pedra, tem que permanecer firme até a consumação dos séculos" (5).


III. É impossível que o Romano Pontífice ensine oficialmente doutrinas contrárias à Fé e moral católicas, aprove ou mesmo permita uma falsa liturgia ou disciplinas perversas para toda a Igreja. Esta doutrina é simplesmente uma conclusão das duas doutrinas precedentes, posto que o Romano Pontífice, Vigário de Cristo, goza da assistência de Cristo, pela qual a Igreja não pode errar ou defeccionar.


O Papa Gregório XVI declarou:

“É possível que a Igreja, que é coluna e fundamento da verdade e que está continuamente recebendo o ensinamento do Espírito Santo de toda verdade, possa ordenar, assentir, ou permitir algo que se torne em detrimento da salvação das almas, em desprezo e dano de um Sacramento instituído por Cristo?” (6).


IV. É impossível que a pessoa que ensina oficialmente doutrinas contrárias à Fé e moral católicas, que aprove ou sequer permite uma falsa liturgia ou disciplinas perversas para toda a Igreja, possa ser o Romano Pontífice. Isso é simplesmente um corolário de III.


V. Por direito divino, deve haver uma linha perpétua de Sucessores de São Pedro.

Esta doutrina foi definida pelo Concílio Vaticano I (1870): “Se alguém pois, disser que não é por instituição do mesmo Cristo,ou seja, de direito divino, que o Bem-aventurado Pedro tem perpétuos sucessores no Primado da Igreja universal; ou que o Romano Pontífice não é Sucessor do Bem-aventurado Pedro no mesmo Primado, seja anátema” (7).


Isso também se prova claramente pela natureza mesma da Igreja, pois a autoridade divina foi dada por Cristo à São Pedro. Assim, alguém atribuir-se a autoridade suprema da Igreja Católica, somente se é legítimo Sucessor de São Pedro.


Verdades teologicamente corretas


I. É impossível que um herege público seja o Romano Pontífice.


Isso é verdade porque a heresia pública destrói automaticamente o efeito do batismo, pelo qual somos incorporados como membros da Igreja. Quem não é membro da Igreja não pode ser sua Cabeça. Este princípio é de sentido comum, admitido por 99% dos teólogos católicos e confirmado pelo o documento Cum ex apostolatus do Papa Paulo IV.


II. Existe algo conhecido como sucessão material.


A sucessão material consiste em continuar recebendo um cargo de poder sem receber o poder. Esse termo é universalmente usado pelos teólogos católicos para descrever a pretensão de sucessão apostólica dos cismáticos gregos, pelo fato de ter nomeado bispos perpetuamente para suceder nos episcopados estabelecidos pelos Apóstolos (v.g. Alexandria, no Egito). Os teólogos católicos respondem que sua sucessão é meramente material, ou seja, que eles ocupam o lugar, mas não tem jurisdição alguma para guiar os fiéis. Não pode ter jurisdição, pois esta deriva do Romano Pontífice, a quem rejeitam. Os teólogos opõem sucessão material a sucessão formal, que significa ocupar o posto de autoridade e ter jurisdição ao mesmo tempo. Os gregos cismáticos não têm designação legal nem legítima para sustentar o posto de autoridade, pois sua designação vem daqueles que foram excluídos legalmente da Igreja Católica.


III. Os “Papas” do Novus Ordo têm sucessão material.


Não penso que haja alguém que negue que os “Papas” do Novus Ordo estão pelo menos na mesma posição que os bispos cismáticos gregos em sedes apostólicas. O quid da questão está em saber se a nomeação de pessoas pertencentes ao Novus Ordo em postos de autoridade é ou não algo legítimo. Os sedevacantistas absolutos diriam que essas pessoas não estão em melhores condições que os cismáticos gregos, isso é, que sua sucessão é somente material, sem designação legítima. Por outra parte, os material-formalistas dizem que tais pessoas têm a sucessão material, mas com uma designação legal e legítima. Ambas partes coincidem ao afirmar que tais “Papas” não possuem jurisdição, isso é, são falsos papas.


Verdades extraídas da filosofia e do sentido comum


I. As coisas naturais estão compostas de matéria e forma.


A matéria de algo é aquilo do que está feito. Uma estátua, por exemplo, está feita de mármore. O mármore é a matéria da estátua. A forma é o que faz a uma coisa ser o que é. Assim, o parecido ou semelhante a uma estátua de Nossa Senhora é a forma de uma estátua de Nossa Senhora.


O artista deve esculpir a semelhança ou retrato no mármore. Quando a matéria e a forma se juntam, obtemos a estátua de Nossa Senhora. A argila é a matéria do pote. Quando o artesão dá ao barro sua figura, está a dar-lhe a forma. Do mesmo modo, a alma é a forma do corpo.


II. Na autoridade existe matéria e forma.


A matéria da autoridade é a pessoa legal e legitimamente eleita para receber a autoridade. A forma da autoridade é o poder, a jurisdição para governar. Assim, na primeira terça-feira do mês de novembro, o novo presidente dos Estados Unidos é legal e legitimamente eleito, mas não tem o poder, não é presidente. No dia 20 de janeiro começa a sê-lo, pois nesse dia recebe o poder. Desde novembro a janeiro é presidente materialmente, pois foi oficialmente designado. Em janeiro, é presidente formalmente.


Toda autoridade, inclusive a civil, vem de Deus. A designação para ser presidente, rei ou governante (ou no caso da Igreja, papa), vem dos homens. Quando a pessoa designada (por exemplo: o presidente eleito) e o poder se juntam, faz-se um governante.


III. Entre o poder de designar e o poder de governar tem uma diferença essencial.


A designação a governante vem de uma fonte diferente do poder pelo o qual alguém é de fato governante. A primeira, vem dos homens; a segunda, de Deus. Por consequência, ambos poderes podem existir separadamente, ou seja, alguém pode ter o poder de designar sem ter o poder de governar. Por exemplo: quem vota tem o poder de designar, mas não tem o poder de governar. O objeto ou propósito do poder de governar é ordenar a sociedade a seu próprio bem, a seus próprios fins, e isso por meio das leis. Assim, não pode fazer uma lei alguém meramente designado a um ofício. O presidente eleito não é presidente, e carece absolutamente de poder.


Ele nomeia para ser membro para o gabinete a quem, no entanto, obterá o poder quando ele chegar ao poder. À pessoa que foi designada devemos tão somente reconhecimento; a quem é de fato governante devemos obediência. Por exemplo, no cisma do Ocidente , os cardeais de Avignon, deixaram de reconhecer ao Romano Pontífice como quem possuía uma verdadeira designação. Equivocaram-se, pois deveriam reconhecer sua designação papal.


IV. Pode haver uma diferença entre o que é de fato verdadeiro e o que é legalmente verdadeiro.

Alguém pode ser um assassino de fato, se matou a uma pessoa inocente; mas não é assassino diante da lei, senão até ser condenado. Se em juízo é achado inocente permanece diante da lei como inocente, inclusive ainda que de fato seja assassino. O oposto também pode suceder. Um homem inocente pode ser acusado de assassinato e condenado.


Diante da lei é assassino; de fato, não o é. Um homem que em segredo se abstém de pôr a intenção ao casar-se com sua esposa, mas faz-se a cerimônia externa, não contrai de fato verdadeiro matrimônio. Mas perante a lei, dado que o defeito não é conhecido nem reconhecido pelas autoridades, estão casados. Eles gozam dos direitos e obrigações legais do matrimônio, mas não dos benefícios espirituais. As leis de taxação, de propriedade, etc… os considerariam como casados; mas perante os olhos de Deus não podem comportar-se moralmente como marido e mulher. Pelo o que já foi dito, vemos que é possível que alguém possa gozar de um status legal que não reflita a realidade do que é. Geralmente, a lei é lenta para reconhecer a realidade.


Por exemplo: Nestório foi herege público em 428, mas não foi declarado como tal legalmente nem deposto de sua sede, senão até o ano 431. Lutero foi herege público em 1517, mas não foi legalmente excomungado senão até 1521. Em ambos os casos, esses hereges deixaram de fato de serem católicos quando publicaram suas heresias, mas continuaram sendo católicos legalmente até sua separação legal da Igreja por parte das autoridades eclesiásticas.


A razão desta dupla e, às vezes, conflitiva pauta, é o fato de que a sociedade - qualquer sociedade, inclusive a Igreja - não é uma multidão sem controle. A sociedade é uma pessoa moral, e, do mesmo modo que uma pessoa, tem sentidos, intelecto, vontade que lhe são próprios e pode andar ficando para trás com respeito à realidade. Inclusive, de vez em quando, pode errar sua avaliação da realidade. E assim, o inocente pode às vezes ser condenado como culpado, e o culpado ser tido por inocente. Entretanto, na realidade, perante Deus, cada um continua sendo o que realmente é, inocente ou culpado.


Breve explicação da Tese


A tese, como já disse, é uma explicação teológica da situação da autoridade depois do Concílio Vaticano II.


Tenta apresentar um sistema que faz duas coisas:

  1. Mostrar o motivo pelo qual os “Papas” do Vaticano II não têm autoridade, e são, portanto, Papas falsos;

2. Mostrar como a linha interrupta de papas desde São Pedro continua.


Ambas coisas, como já dissemos, são exigências do Dogma Católico.


Os “Papas” do Vaticano não são Papas realmente, pois colocam um obstáculo à recepção da autoridade de Cristo. Assim como alguém pode pôr um obstáculo à recepção da Graça em um sacramento (por exemplo, apego ao pecado mortal no caso da Confirmação), do mesmo modo, alguém pode apresentar um obstáculo ao influxo de Cristo. Isso é verdade mesmo quando a pessoa cumpriu com todos os passos legais necessários para obter a autoridade. Da mesma maneira, alguém que põe um obstáculo à Graça do Sacramento da Confirmação recebe de todos os modos exteriormente o Sacramento. Se o Papa eleito removesse o obstáculo ao fluxo da autoridade, far-se-ia Papa; assim como aquele que confessasse seus pecados verdadeiramente contrito, logo receberia o efeito do Sacramento da Confirmação. Qual é esse obstáculo da autoridade? É a intenção de promulgar para toda a Igreja falsas doutrinas, liturgia falsa e disciplinas perversas, todo o qual constitui uma mudança essencial da Fé Católica.


O dever primeiro do governante é garantir o bem, o fim próprio da sociedade. Assim, um presidente deve jurar defender a constituição antes de receber a autoridade. Se não jurasse, não receberia a autoridade, mas permaneceria como presidente eleito até o momento em que esta designação lhe seja removida legalmente.


Da mesma maneira, alguém que é designado legalmente para ser Papa, mas que tenta fazer um mal essencial a Igreja, não pode receber a autoridade de Cristo para governar; e, assim, permanece Papa eleito até o momento em que esta designação lhe seja removida legalmente.


Quem remove a designação? Aqueles que a deram, os eleitores legalmente constituídos -e somente eles- têm o poder de removê-la.


A Tese também sustenta que os “Papas” do Vaticano II se sucedem ao papado como legalmente designados, e portanto, continuam a linha de São Pedro materialmente. Isso significa que os “Papas” do Vaticano II foram designados legitimamente para o cargo, porém carecem de jurisdição por causa do obstáculo que opõe à recepção da autoridade. É desse modo porque a lei nunca excluiu completamente a religião do Novus Ordo da Igreja Católica.


Deve suprimir-se, mas não foi; assim como um assassino deve ser julgado e condenado, mas pode não sê-lo. Por conseguinte, ainda que os membros da hierarquia do Novus Ordo são de fato hereges públicos e estão fora da Igreja, não obstante, devido à ausência de ação legal, retêm suas designações legais e seus cargos puramente legais. Eles não são a autoridade, não são verdadeiros papas ou bispos, mas estão legalmente em posição de tornar-se Papas e bispos verdadeiros, se removessem o obstáculo à autoridade.


Imaginem uma fábrica de cerâmica na qual há uma grande quantidade de argila, mas não de vasos. A argila pode tornar-se vaso, mas lhe está faltando a forma pela qual pode tornar-se verdadeiramente vaso. Assim Wojtyla e sua hierarquia são uma grande quantidade de argila, ou seja, a matéria da hierarquia, mas sem forma, ou seja, a autoridade pela qual seriam a verdadeira hierarquia da Igreja Católica.


Pensem em um cadáver, parece até certo ponto uma pessoa viva, poderia ser ressuscitado pelo o poder de Deus, mas permanece morto. A hierarquia do Novus Ordo poderia ser comparada ao cadáver da verdadeira hierarquia católica. Assim, a Tese vê ao Novus Ordo em uma posição diferente à dos cismáticos gregos e luteranos. Estes foram legalmente separados pela a Igreja, e são verdadeiramente seitas no sentido estrito do termo, pois estão isolados da Igreja (já de fato por seu cisma e heresia, já por separação legal).


Por outra parte, o Novus Ordo é de fato não católico, é uma seita por sua apostasia, mas não foi separado legalmente da Igreja Católica.


Efetivamente, temos este triste fato: que o Novus Ordo não tenha sido separado, é o coração mesmo do problema que hoje enfrentamos.


Se fosse claro, por declaração legal, que o Vaticano II constituiu defecção da fé, cessaria o problema na Igreja. É somente devido ao fato de que os hereges têm a máscara da legalidade, que tantos católicos estão sendo levados ao mau caminho. Inclusive, são os católicos que estão sendo marginalizados legalmente.


[Dito isso] começarei com as perguntas e respostas nas quais serão tratadas algumas objeções.


Perguntas e respostas


P. Segundo a tese, Wojtyla não é papa?

R. Não é Papa.


P. Se não é Papa, o que é ele então?

R. É um Papa eleito.


P. Como podem os cardeais, sendo eles mesmos hereges, terem o poder de eleger um legítimo papa eleito?


R. Há duas teorias para responder a esta pergunta.


Uma que eles recebem o poder de fazer isso extraordinariamente, pois a Igreja está em situação de absoluta necessidade. Do mesmo modo, o sacerdote que foi excomungado e que abandona o sacerdócio, inclusive um cismático grego, recebe a jurisdição para administrar o Sacramento da Penitência ao fiel em perigo de morte. Por quê? Porque o fiel o necessita. O mesmo sucede no processo da eleição papal. Por quê? Porque se o poder da legítima eleição não estivesse aí, a linha papal se extinguiria. A Igreja necessita absolutamente de eleição e eleitores legítimos.


A outra teoria afirma que, dado que o poder de designar vem da Igreja e não de Deus -ninguém está divinamente ungido para eleger um papa-, o poder de designar permanece válido ainda quando o poder de governar (jurisdição) esteja ausente. Permanece válido, já que pertence à ordem puramente legal e ninguém o removeu deles legalmente.


P. Mas, como os cardeais hereges podem ter jurisdição para eleger um papa, quando também eles defeccionaram culpavelmente a fé?


R. Tais cardeais não possuem jurisdição. O direito a votar (poder de designação) não é o poder de governar (jurisdição). Ainda mais, a defecção da Fé por parte dos cardeais é um obstáculo à jurisdição, mas não à eleição de um Papa.


P. Por que a defecção da fé não apresenta um obstáculo ao poder para eleger um Papa?


R. Porque a heresia pública não tem efeito legal até que seja declarada e reconhecida pela a autoridade legal. O direito legal que essas pessoas têm para eleger papa permanecerá até ser legalmente removido. A heresia não é um obstáculo ao poder de designação, o é ao poder de jurisdição. Pois por heresia se está de fato separado da Igreja e se torna, consequentemente, radicalmente incapaz de governar a Igreja. Mas, dado que os cardeais não sejam hereges na ordem legal, ou seja, não foram declarados hereges legalmente, permanecem capazes de realizarem ações pertencentes à ordem puramente legal, como a de eleger um candidato para ser papa.


P. Não é verdade que os hereges públicos estão excomungados automaticamente?

R. Sim, o estão. Mas uma excomunhão automática tem efeito legal somente se

  1. a pessoa culpada admite sua própria falta ou;

  2. seu superior legítimo lhe exige que observe a excomunhão.

  3. Se falta algumas destas condições, a excomunhão é nula (sem efeito legal). Mas ambas coisas estão ausentes ao que se refere aos cardeais, os eleitores do Papa. Logo, a excomunhão carece de efeito.

  4. Ainda mais, o Papa Pio XII declarou que toda censura (por exemplo, a excomunhão) se levanta quando os cardeais entram no conclave.

P. De todos os modos, se Wojtyla não é papa, como podemos ter cardeais reais? Por acaso não seriam falsos cardeais?


R. Quiçá sejam falsos cardeais, mas não são falsos eleitores. Wojtyla tem a autoridade para nomear eleitores ao papado pela a mesma razão que os cardeais têm o poder de eleger.

Tudo isso pertence à ordem de designação, e não à ordem de jurisdição. Mas o que faz a um Papa ser Papa é o poder de jurisdição (poder para governar), e não o poder de designação. A tese afirma que o Novus Ordo retém o poder de designar pessoas para receber o poder de jurisdição na Igreja. É uma realidade triste, mas é a realidade.


P. Por que é tão importante a linhagem de São Pedro?

R. Porque sem isso não há nem sucessão apostólica, nem título de autoridade. A Igreja deve ser Apostólica, ou seja, deve ser capaz de colocar a seus bispos, e em especial ao de Roma, em uma linha não cortada de sucessão legítima, até chegar aos Apóstolos. Se não se pode alcançar isso, não tem título para governar aos fiéis, dado que essa autoridade foi conferida à São Pedro e aos Apóstolos por Cristo. Sem essa linhagem, a Igreja seria substancialmente alterada; a palavra apostólica teria que ser removida do Credo.


P. Por que não estamos meramente em um prolongado intervalo, como em uma vacância da Sé entre dois papas?

R. Porque em tal intervalo não há ninguém designado ao papado. Mas em um intervalo normal, os eleitores legítimos permanecem, os quais têm o poder de obrigar a Igreja a reconhecer a pessoa que eles designaram. No sistema dos sedevacantistas absolutos, que não reconhece nenhum eleitor legal, não existe nenhum modo de designar um sucessor de São Pedro.


P. Tem algum precedente essa atual situação da Igreja?

R. Encontramos um precedente em Nestório, patriarca herege de Constantinopla. Nestório foi herege público em 428, mas não foi condenado oficialmente até o ano 431. Mas já em 428 o clero de Constantinopla rompeu a comunhão com Nestório, e disse: “temos imperador mas não bispo”.


Nestório permaneceu legalmente designado ao patriarcado de Constantinopla, ainda que tenha perdido a jurisdição devido a sua heresia pública. Não há precedentes no Papado, pois, nunca um Papa promulgou o erro, uma falsa liturgia, ou disciplinas perversas para toda a Igreja.


P. Por acaso Cum ex apostolatus é uma constituição apostólica, uma lei feita pelo o Papa Paulo IV, a qual diz que se um Papa fosse herege, sua elevação a esta dignidade seria nula. Esta lei teve por objetivo evitar que alguma vez um protestante acendesse ao Papado. Por duas razões não se aplica ao presente caso:


A primeira, é que já não é mais lei, foi ab-rogada (feita sem efeito jurídico) pelo o Código de Direito Canônico do ano 1917.


A segunda razão e mais importante, é que, mesmo se por alguma razão a lei tivesse efeito, esta poderia aplicar-se somente se Wojtyla fosse reconhecido legalmente como herege público. Porém, como já vimos, não existe nenhuma condenação legal de Wojtyla. Ante a lei da Igreja não tem o status de herege, porque:

  1. não se considera a si mesmo culpado de heresia, e

  2. 2. nenhum superior legítimo o considera culpado de heresia.

Cum ex apostolatus expressa certamente a mente da Igreja com repeito a hereges que possuem um ofício; Apresenta um excelente argumento teológico, ainda que não seja um argumento legal. Dá-nos uma razão muito forte para provar que de fato Wojtyla não é papa, mas na ordem da legalidade nada resolve.


P. Não sucede que no mesmo momento em que o cardeal é eleito, passa imediatamente a ser Papa? Se isso é assim, como pode ser um Papa eleito alguém designado sem autoridade?


R. É verdade que o cardeal eleito no conclave se torna Papa imediatamente depois de sua aceitação, com tal que, obviamente, não ponha um obstáculo a tal poder. O papa Pio XII aludiu a esta possibilidade dizendo:


“Se um leigo fosse eleito Papa, não poderia aceitar a eleição a menos que fosse apto para receber a ordenação e estivesse disposto a ser ordenado”.

(Discurso dirigido ao segundo congresso mundial para o apostolado leigo, 5 de outubro de 1957).


P. A tese concede demasiado à Wojtyla e ao Novus Ordo, é suave e comprometedora respeito a eles.


R. Os argumentos teológicos não são verdadeiros porque se apresentam como a coisa mais dura a dizer. Os argumentos teológicos são verdadeiros porque se conformam à realidade. Muitos católicos tradicionalistas estão desapontados com Wojtyla, e bem fazem, e não estão de acordo com nenhum sistema que lhe conceda algo. Inclusive o mesmo Mons. Guérard Des Lauriers dizia que seus lábios ardiam ao dizer isso sobre Wojtyla, mas é obrigado a fazê-lo devido às exigências do Dogma Católico e da natureza mesma da situação.


Mas, na verdade, dentro da variedade de sedevacantistas, quem tomam a linha mais dura contra Wojtila e o Novus Ordo são os adeptos à tese. Por exemplo, todos os material-formalistas que conheço dizem que é gravemente pecaminoso, objetivamente, assistir à uma Missa Una Cum (aquela na que o nome de Wojtyla é citado no Cânon).


No lado oposto, quase todos os sedevacantistas absolutos que conheço dizem que não está mal escutar tal Missa. Os que aderem à tese afirmam que a questão do [falso] Papado de João Paulo II não é opinável, enquanto que muitos dos absolutos, talvez a maioria, sustém que é matéria de opinião. Mons. Guérard Des Lauriers foi, muito provavelmente, o primeiro sedevacantista.


P. Se um herege não pode ser papa, como o senhor diz, como então Wojtyla pode ser papa mesmo materialmente?


R. Porque o aspecto material do Papado procede da autoridade eclesiástica, enquanto que o aspecto formal -aquilo que faz alguém ser papa- procede diretamente de Cristo. A pública adesão à heresia ou à apostasia, é um obstáculo ao fluxo da autoridade para governar que vem diretamente de Cristo. Mas a heresia pública não é um obstáculo à designação, a menos que seja declarada; ou seja, reconhecida pela a lei eclesiástica.


Por exemplo, um criminoso não pode possuir um ofício público nos Estados Unidos. Mas para que a eleição seja inválida, é necessário que seja criminoso aos olhos da lei. Assim, se alguém mata a sua esposa, mas não é condenado como criminal por um tribunal, poderia ser legalmente eleito para um posto público, já que não é culpável diante da lei. Da mesma maneira, Wojtyla não é culpado de heresia ou apostasia diante da lei, não há censura alguma sobre ele, portanto, é capaz de receber validamente a eleição legal para o papado. Assim, não é papa formalmente -ou seja, na realidade-, mas é Papa materialmente, ou seja, goza de eleição válida.


P. Por que a solução dos sedevacantistas absolutos não é viável?


R. Porque priva a Igreja dos meios de eleger um legítimo sucessor de São Pedro. Destrói finalmente sua apostolicidade. Os sedevacantistas absolutos tentam solucionar o problema da linha sucessória de dois modos:


A primeira solução é o conclavismo. Eles argumentam que a Igreja é uma sociedade que tem um direito inerente de eleger aos que a guiam. Portanto, o resto que permaneceu fiel poderia reunir-se e eleger um papa. Ainda se esta tarefa pudesse ser cumprida alguma vez, apresenta muitos problemas.


Primeiro: quem seria designado legalmente para votar? Como seriam designados legalmente para votar?


Segundo: Que princípio obrigaria aos católicos reconhecer ao beneficiado de tal eleição como legítimo sucessor de São Pedro? O conclavismo é simplesmente um nome elegante para o governo de uma multidão, onde os que gritam mais forte dirigem ao resto. A Igreja Católica não é uma desordem, senão que é uma sociedade divinamente constituída com regras e legalidade.


Terceiro: O mais importante, não se pode fazer o salto do direito natural dos homens de eleger para si mesmos chefes de governo, ao direito de votar para eleger um papa. A Igreja não é uma Instituição natural como a sociedade civil. Não há direito inerente nos membros da Igreja de eleger ao Romano Pontífice. A eleição do Romano Pontífice foi originalmente feita por Cristo mesmo em São Pedro, e o modo de eleição a partir de então foi regulado por lei.


A segunda solução proposta pelos sedevacantistas absolutos consiste em que Cristo mesmo escolherá um Sucessor por uma intervenção milagrosa. Se Nosso Senhor fizesse tal coisa, e certamente poderia, o homem que elegesse para Papa seria sem dúvidas Seu Vigário sobre a terra, porém não seria Sucessor de São Pedro. A Apostolicidade se perderia, porque tal homem não poderia remontar sua linha sucessória até São Pedro por uma linha interrupta de sucessão legítima. Mais bem, como São Pedro, seria eleito por Cristo. Consequentemente, Nosso Senhor estaria iniciando uma nova Igreja.


P. Mas não seria Nosso Senhor um eleitor legítimo? Por que não poderia eleger um Papa que fosse ao mesmo tempo Sucessor de São Pedro?


R. Sim, obviamente, Nosso Senhor poderia eleger um Papa, assim como elegeu a São Pedro. Mas uma intervenção divina, do tipo que os sedevacantistas absolutos imaginam, seria equivalente a uma nova revelação pública, o qual é impossível. Toda revelação pública se terminou com a morte do último Apóstolo, isso é um artigo de Fé. Qualquer revelação que tenha lugar desde a morte do último Apóstolo está na categoria de revelação privada. Assim, no sistema dos absolutos, uma revelação privada daria a conhecer a identidade do Papa. É desnecessário dizer que tal solução destrói a visibilidade da Igreja Católica, assim como também sua legalidade, e faz depender de videntes sua existência mesma.


Também é conveniente dizer que isso deixa exposto o Papado ao mundo lunático dos aparicionistas. O objetivo mesmo da Igreja é propor a revelação divina ao mundo. Se a nomeação de um Papa, que é a pessoa mesma que propõe a Revelação, procedesse de uma revelação privada, todo o sistema colapsaria. Logo, um vidente seria a mais alta autoridade na Igreja, quem poderia fazer ou desfazer Papas. E não haveria modo autoritativo algum para determinar se o vidente é uma farsa ou não. Em última instância, o ato de Fé de cada um viria a depender da veracidade de algum vidente. Pelo contrário, a Igreja católica é uma sociedade visível e tem uma vida legal.


Nosso Senhor é a cabeça invisível da Igreja. A Igreja já não poderia reclamar para si a visibilidade, se a seleção de sua hierarquia fosse feita por uma pessoa invisível, inclusive por Nosso Senhor mesmo. Porém se por um momento admitimos essa possibilidade, segue sendo certeza que nós devemos seguir afirmando que o eleito de Nosso Senhor não seria Sucessor de São Pedro. A sucessão legítima. ocorre segundo os ditados da lei eclesiástica ou do costume estabelecido. Porém uma sucessão através de uma intervenção divina não ocorre como as duas primeiras. Logo, o eleito não seria Sucessor legítimo de São Pedro.


P. Que solução oferece a tese ao problema da Igreja?


R. Há muitas soluções possíveis, por exemplo as seguintes:

  1. Wojtila se converte à Fé Católica, repudia ao Vaticano II e suas reformas, recebe a jurisdição para governar e se torna Papa.

2. Alguns cardeais (inclusive um seria suficiente), se convertem, repudiam o Vaticano II, publicamente declaram a Sé Vacante e chamam a um novo Conclave.


Este ato removeria de Wojtyla o título de uma eleição válida. Inclusive é provável que a segunda solução se aplique aos bispos diocesanos do Novus Ordo, quem passariam a ter a jurisdição verdadeira se repudiassem ao Vaticano II. Também é verdade, segundo a tese, que estas possibilidades possam durar indefinidamente, ainda mais além da morte de Wojtyla.


P. O sacerdócio e o episcopado no Novus Ordo são provavelmente inválidos. Sendo isso assim, como eles poderiam ser ou tornar-se algo?

R. Inclusive um leigo pode ser nomeado para um posto eclesiástico de autoridade. Santo Ambrósio era não somente leigo, mas nem sequer era católico, quando foi eleito para ser bispo de Milão.


A chave está em que, para obter a jurisdição, um bispo ou um cardeal do Novus Ordo teria que dar seu consentimento a ser validamente sagrado. Deus, em Sua Providência infinita, há preservado ordens válidas durante esta crise na Igreja.


P. A tese não causa uma divisão entre os sedevacantistas?


R. Não. Esta discussão os sedevacantistas vêm tendo desde a década de 70. Absolutos e material-formalistas divergem respeitosamente neste ponto, mas nunca isso tem sido causa de divisão. Eles trabalham em comum e têm contatos amistosos uns com os outros.


P. Quantos sacerdotes sedevacantistas são adeptos à tese?


R. Uma minoria, mas não pequena. Não obstante, acrescento que na prática, todos os sacerdotes sedevacantistas aderem à tese. Digo isso porque eles não consideram as pessoas do Novus ordo como não católicos legalmente. Quando estas pessoas retornam à Fé tradicional necessitam simplesmente dizer ao sacerdote, em todos os casos que conheço, que desejam ser membros de sua capela (centro de missa). Não fazem nenhuma abjuração, seja pública ou privada, e nenhuma excomunhão é levantada. Por outro lado, se um luterano aproximar-se a um sacerdote tradicional, este lhe pediria com justa causa que faça uma abjuração pública, na qual será levantada a excomunhão.


Ademais, se os luteranos se aproximassem para comungar, o sacerdote lhes negaria a Sagrada Comunhão, inclusive sem prévia advertência. Mas não conheço nenhum sacerdote que negue a sagrada Comunhão, sem prévia advertência, a alguém do Novus Ordo que vem por primeira vez à Missa Tradicional. Por que esta diferença? Porque os do Novus Ordo não foram legalmente separados da Igreja Católica.


Se a teoria dos sedevacantistas absolutos sobre Wojtyla fosse certa, que devido à sua heresia pública não possuísse um status legal na Igreja Católica, seria necessário aplicar as mesmas regras a todo aquele que pertencesse ao Novus Ordo. Deveriam ser reconciliados do mesmo modo que os protestantes. Não conheço nenhum sacerdote, inclusive entre os mais fiéis dos absolutos, que faça isso. Pelo contrário, passar do Novus Ordo a ser católico é fácil, pois não existe impedimento legal algum. O efeito de seu batismo, pelo o qual se uniram legalmente a Igreja Católica como a uma sociedade, nunca foi destruído. É necessário somente abandonar o Vaticano II, a Wojtyla (e muitos sedevacantistas absolutos nem isso requerem) e voltar aos Scramentos verdadeiros. Na prática, todos os sacerdotes tradicionalistas aderem à “tese materialiter”.


Resumo


A tese afirma que, devido a que os membros do Novus Ordo ocuparam os cargos de autoridade por meios legais, os possuem legítima e legalmente, porém não têm o poder que ordinariamente vai adjunto. Carecem deste poder, pois pretendem impor sobre a Igreja doutrinas e cultos falsos, ademais de disciplinas perversas, os quais são contrários aos fins e objetivos essenciais da Igreja. Posto que o poder de designação ao ofício pertence puramente à parte material da autoridade, os que integram o Novus Ordo possuem o poder de designar legitimamente aos postos de poder, até que esse lhes seja removido legalmente.


Como consequência disso, está estabelecida uma hierarquia material, ou seja, alguém legalmente nomeado para papa; outros legalmente nomeados para bispos; outros legalmente nomeados para eleitores do Papa. Mas nenhum desses tem jurisdição alguma e a nenhum devemos obediência, já que carecem de autoridade (a forma), o que faz que sejam o que são; a saber, Wojtyla, um Papa falso e os bispos, falsos bispos. Os cardeais são verdadeiros eleitores, na medida em que são nomeados para ser os que designam ao papa, mas sua função pertence à ordem material da autoridade; ou seja, somente à ordem de designação.


Conclusão


A tese concede o real ao que é real, e concede à legalidade ao que é legalidade. O real é o formal, o legal é o material.


A chave para entender a tese é essa: a jurisdição vem diretamente da autoridade divina; a designação para receber a jurisdição vem da autoridade eclesiástica. O que vem diretamente de Deus é anulado pelas intenções contrárias de Wojtyla; o que vem da autoridade eclesiástica pode ser anulado somente pela a autoridade eclesiástica.


A designação vem dos eleitores devidamente autorizados, e somente eles podem anular a designação. Assim Wojtyla na realidade não é Papa. Entretanto, materialmente o é, enquanto que está em uma possessão de uma eleição legal.


Se não se respeita a distinção entre a ordem real e legal, o formal e o material, faz-se com que a Igreja se torne uma multidão sem controle. Ademais, a teoria dos sedevacantistas absolutos arruína a apostolicidade da Igreja. Não lembro de ter visto a nenhum dos sedevacantistas absolutos sequer tratar o problema da apostolicidade na presente crise. Eles geralmente respondem: “Sim, mas Deus cuidará disso”.


Sim, mas “Deus cuidará disso” não é Teologia Sacra. A Igreja não respondeu às objeções contra a Trindade dizendo “de uma forma ou outra há três pessoas em um só Deus”, senão que cuidadosamente, pelo os ensinamentos dos Santos Doutores e finalmente pelas declarações do Magistério, definiu certas verdades sobre a Trindade pelas que se respeitam tanto a unidade da essência divina, como a trindade das Pessoas.


Portanto, se os sedevacantistas absolutos podem tratar com êxito o problema da continuidade da hierarquia fundada sobre São Pedro, nós, material-formalistas, os escutaremos.


Notas


1) Mt. XVI, 18.

2) I Tim. III,15.

3) Mt. XXVIII, 20.

4) Jo. XIV,16.

5) Dz. 1824.

6) Quo graviora, 4 de outubro de 1833.

7) Dz. 1825


Retirado da “Revista Integrismo”, 18 de maio de 2020.


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