Tractatus de moderno Ecclesiæ schismate, capítulo V
(trad. fr. Academic Press Fribourg, 2008)
São Vicente Ferrer, O.P., (1380):
“Eu respondo que não se deve julgar de maneira nenhuma sobre o papado [de alguém] segundo profetas modernos, ou aparentes milagres, ou mesmo visões.” (Tractatus…, p. 168.)
[Três razões para isso ser assim:]
1. “Com efeito, o povo cristão foi instituído desde o início e ordenado conforme a Providência divina por leis certas e determinadas, a serem observadas de maneira perpétua e imutável na Igreja militante, contra as quais profecia nenhuma, milagre nenhum, visão nenhuma deve ser admitida. Se anjos de Deus falassem contra a determinação da Igreja Romana, não se deveria crer neles. O Apóstolo diz, na Epístola aos Gálatas, capítulo 1: Se um anjo de Deus vos anunciar outra coisa diferente do que eu vos anunciei, seja ele anátema. A Glosa diz isto: Ele tem tal certeza da verdade de seu Evangelho, que se um anjo anunciasse outra coisa, não creria nele, mas o consideraria anátema. Se o próprio Cristo aparecesse e dissesse para fazer ou crer algo contrário às regras gerais da Igreja Romana, as quais segundo a Providência devem ser observadas de maneira imutável, seria preciso crer que não é Cristo.”(Tractatus…, p. 168.)
2. “Em segundo lugar, porque essas três coisas [i.e. as profecias, milagres e visões] são muito falíveis e incertas, elas nem sempre são de Deus, mas muitas vezes acontecem por obra do demônio. Acerca das profecias, isso fica evidente em Jeremias, no capítulo 23: Não escutai as palavras dos profetas que profetizam e vos enganam; é da visão de seu coração que ele fala, e não da boca do Senhor. Acerca dos milagres, isso se mostra nos capítulos 7 e 8 do Gênesis, onde se lê sobre os feiticeiros do faraó que eles fizeram numerosos milagres, contradizendo Moisés, o servo de Deus. Cassiano narra, nasConferências dos Padres, que muitos grandes homens foram enganados de maneira vergonhosa por se fiarem em visões. O Apóstolo diz, na segunda Epístola aos Coríntios, no capítulo 11: O mesmo Satanás se transforma em anjo de luz; para enganar os homens, como diz a Glosa.” (Tractatus…, p. 169.)
3. “Em terceiro lugar, porque essas três coisas devem ser para nós enormemente suspeitas. Elas abundam, com efeito, sobretudo no tempo do Anticristo, para enganar os homens. Em Mateus, no capítulo 24: Surgirão pseudo-cristos e pseudo-profetas e eles farão grandes sinais e prodígios, de modo a induzir em erro até mesmo os eleitos, se isso fosse possível. Assim também, na primeira Epístola a Timóteo, no capítulo 23: Nos últimos tempos, alguns se afastarão da fé, atendo-se aos espíritos do erro e às doutrinas dos demônios, à hipocrisia daqueles que dizem mentira. Quanto mais nos aproximamos do tempo do Anticristo, mais devemos considerar suspeitas todas as novas profecias, todos os milagres aparentes e todas as visões, e, consequentemente, não devemos tirar delas argumento para o que se refere à fé ou à Igreja. Alguns aderem e creem demasiadamente nessas novas profecias, pois elas dizem uma coisa ou outra de justo, e mediante isso ousam falar contra a determinação do Colégio Apostólico que é a da Igreja Romana. Deve-se saber, no entanto, que segundo a declaração de Santo Tomás na Secunda Secundæ à questão 172 artigo 6, por permissão de Deus os demônios preveem numerosos eventos futuros corretos para os homens mediante seus profetas, para enganá-los mais eficazmente a fim de que, após diversas verdades que eles anunciaram, preste-se fé, em seguida, aos seus dizeres.” (Tractatus…, p. 169-170.)
[Conclusão do Santo:]
“Por isso, àqueles que…buscam profecias, milagres ou visões, cumpre responder o que foi respondido ao rico que se encontrava no inferno e que pedia ao próprio Abraão, em Lucas, no capítulo 16: Eu vos peço, pai Abraão, que tu envies Lázaro à casa de meu pai, tenho cinco irmãos, e que ele advirta a eles, para que não venham a este lugar de tormentos. E eis que Abraão lhe disse: Eles têm Moisés e os profetas, que eles os escutem. Eles têm as Santas Escrituras e os estatutos dos Soberanos Pontífices e dos Cardeais, que eles os escutem. Crisóstomo diz: Aquilo que dizem as Escrituras, diz o Senhor. Daí estar dito: Mesmo que um morto ressuscitasse ou um anjo descesse do céu, as Escrituras são mais dignas de fé que todos; com efeito, o Senhor dos Anjos, dos vivos e dos mortos as instituiu.” (Tr., p. 171.)
SOBRE O AUTOR E A OBRA:
“Embora o Tratado [i.e. o ‘Tratado del cisma moderno’, trad. esp. do ‘De moderno Ecclesiae schismate’ (N. do T.)] seja obra ocasional, a doutrina nele manuseada, sobretudo na primeira parte, não pode ser chamada de circunstancial ou datada… A aplicação destes princípios ao caso concreto falhou a Frei Vicente Ferrer, não precisamente por seus raciocínios e dados positivos a priori… Se o enganaram com astúcia política, ele carece de toda a responsabilidade.”
(Da Introdução da edição da B.A.C.: São Vicente FERRER, O.P.,Biografía y escritos, Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1956).
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