top of page

Os erros de Sì Sì No No (primeira parte)

Rev. Pe. Giuseppe Murro

Eu conheci o inesquecível Dom Putti (“Padre Francesco”, para os amigos) e, justamente em sua memória e em honra sua, tomo a pena para responder aos erros escritos no jornal por ele fundado. Não somente Dom Putti jamais os haveria publicado, como ele os teria combatido e fustigado sem mais, como costumava fazer.

Neste número [da revista Sodalitium (N. do T.)] analisarei um primeiro erro, reservando-me à refutação daquilo que escreveu o Abbé Philippe Marcille no próximo número.

Por comodidade, utilizarei as seguintes abreviações:

F. = Fraternidade Sacerdotal S. Pio X.

S. = Sì Sì No No.

I.P. = Insegnamenti Pontifici – La Chiesa [Ensinamentos Pontifícios – A Igreja], Roma: Edizioni Paoline, 1961.

DS = Denzinger-Schönmetzer, Enchridion Symbolorum definitionum et declarationum, XXXVI edição, Herder, 1976.

Conc. Vat. = Concílio Vaticano: neste artigo designa o Concílio celebrado no Vaticano entre 8/12/1869 e 20/10/1870, comumente chamado Conc. Vaticano I.



O consenso dos teólogos é mais importante do que um Concílio Ecumênico


Será possível que S. diga coisa do gênero? Se não tivesse lido com meus próprios olhos, não teria acreditado. Leiamos juntos Sì Sì No No, Ano XXII, n.º 7, de 30/4/1996, págs. 6-7: “Por que o Inferno não pode estar vazio”. A enormidade consiste nisto: para provar que o Inferno não está vazio, S. justamente utiliza o argumento do consenso dos teólogos, o qual dá a doutrina infalível da Igreja. Mas, no mesmo artigo, S. chega a dizer que o Concílio Ecumênico (que tem a máxima autoridade na Igreja, muito superior ao consenso dos teólogos) não é infalível!

A questão gira em torno das notas teológicas (cfr. Sodalitium 41 [estudo “A infalibilidade da Igreja”, do A. (N. do T.)], pág. 67): quando se estuda uma doutrina, a nota teológica é o juízo dado pelo Magistério da Igreja que indica qual é o grau de certeza de tal doutrina com respeito à Fé Católica. Muitos creem erroneamente que se é obrigado a aderir a uma doutrina somente quando ela é definida de fide [= de fé], razão pela qual em todos os outros casos se estaria livre para crer ou não. Vejamos por que isso não é verdade.

A palavra (ou nota) “de fé” indica, de modo genérico, uma verdade contida ao menos implicitamente no Depósito da Revelação [1. Uma verdade está contida na Revelação quando se encontra na Sagrada Escritura ou na Tradição (ensinada pelos Padres da Igreja).]. Essa nota genérica precisa de uma especificação: é de fé divina aquilo que está contido explicitamente ou implicitamente na Revelação [2. Na Revelação, por exemplo, está contido explicitamente que Jesus é Deus; ora, Deus é onipresente; logo, está implicitamente revelado que Jesus, enquanto Deus, é onipresente.]; é de fé divina e católica (ou eclesiástica) aquilo que, além de estar contido explícita ou implicitamente na Revelação, foi também definido pelo Magistério da Igreja [3. Como por exemplo a Imaculada Conceição. A definição do Magistério pode ser feita com um ato do Magistério solene ou com o Magistério ordinário; em Concílio ou então fora do Concílio.]; é de fé católica (ou eclesiástica) aquilo que está contido só virtualmente no depósito (conexo com ele) e foi definido pelo Magistério. Quem nega una doutrina de fé, seja qual for, peca gravemente contra a fé, e facilmente pode escorregar para uma posição de cisma ou de heresia.

O que não é de fé pode ter uma das seguintes notas: próximo da fé,doutrina católica, teologicamente certo, sentença comum, verdadeiro,seguro. Todos os católicos são obrigados a seguir a doutrina afirmada com qualquer uma dessas notas, e a recusar as doutrinas que tenham recebido alguma censura: tudo isso sob pena de pecado grave. [4. Exemplos de censura: Erro, próxima da heresia ou do erro, suspeita ou com sabor de heresia, erro em teologia, temerária, falsa, ofensiva ao sentido cristão, escandalosa, não segura.]

Inversamente, uma doutrina que tem somente o valor (ou nota) deprovável pode ser objeto de opinião, razão pela qual é-se livre para aceitá-la ou para aderir a uma contrária.

Repito que estamos falando das notas ou censuras dadas pelo Magistério da Igreja: não estamos tratando aqui das notas ou censuras dadas pelos teólogos. Mas, quando os teólogos, ou os mais importantes deles, são unânimes em ensinar uma doutrina, não se é livre de recusá-la. É evidente que, se uma doutrina ensinada pela unanimidade dos teólogos deve ser seguida, com razão maior ainda é-se obrigado a aceitar uma doutrina ensinada pelo Magistério da Igreja.

O que diz, porém, Sì Sì No No? A propósito da doutrina segundo a qual no Inferno há condenados, um leitor de S. escreve: “É ou não é uma verdade de fé? Se sim, de qual tipo de verdade de fé (divina, divino-católica, eclesiástica etc.) se trata?” [5. S. n.º 7, pág. 6, col. 2.].

Já faz anos que nos habituamos a ouvir dizer pela F., que controla S. desde a morte de Dom Putti: no Magistério da Igreja pode haver erros; somente as declarações solenes são infalíveis, as outras podem conter erros. Por isso, pode-se desobedecer tranquilamente ao Concílio Ecumênico Vaticano II, aos ensinamentos de Paulo VI e João Paulo II, a toda a legislação das últimas décadas dada pela Santa Sé desde então, já que nada disso tudo é assegurado pela infalibilidade.

Ora, começando a ler a resposta de S., exultei de alegria em ver finalmente afirmadas algumas das verdades sacrossantas até hoje negadas despudoradamente. De fato, lê-se: que a Igreja com o Magistério Ordinário e Universal é infalível; que a Igreja é a intérprete autorizada das Escrituras; que a voz do Magistério obriga inclusive naquilo que está definido implicitamente. Acreditei, esperei (que ingênuo sou!) que, tomando essa carta como deixa, a F. silenciosamente retornava ao reto caminho.

Tive de me desenganar, imediatamente.

Continuando a ler o artigo, S. apresenta uma segunda carta sobre o mesmo assunto, que aqui abrevio por motivos de espaço. O leitor afirma: é só uma opinião que o Inferno esteja cheio, opinião válida tanto quanto a oposta (que afirma que o Inferno está vazio); a prova é dada pelo princípio (ensinado e difundido durante anos pela F.) segundo o qual somente as doutrinas contidas na Revelação e definidas solenemente são verdadeiras (como “a experiência do Vaticano II me ensinou”, confessa o remetente). Desse princípio o leitor conclui: se o Concílio Ecumênico Vaticano II não é infalível (porque não teria dado definições solenes) e pode ser recusado, então também a doutrina pela qual o Inferno é habitado por homens (que não tem, a seu favor, nem definição solene, nem Concílio Ecumênico) não é infalível e, portanto, pode ser licitamente recusada. É ler para crer: “Por que eu seria autorizado a recusar (como recuso) certas doutrinas do Vaticano II e não autorizado a recusar doutrinas que têm peso teológico igual ou menor?” Por isso, conclui ele, os teólogos neomodernistas puderam criar a doutrina do Inferno vazio, dado que a questão não era definida.

Na prática, o leitor é fervoroso seguidor do velho princípio da F.: “só as verdades reveladas e definidas solenemente são verdadeiras”. Mas ele cometeu dois erros. Primeiro, deduziu as consequências lógicas, e ele não sabe que deduzir as consequências dos princípios da F. conduz inevitavelmente à heresia. Segundo, não se aggiornou [= atualizou] sobre os últimos desenvolvimentos doutrinários da F.: pelo que acabamos de ler no início deste artigo de S., parece que agora a F. se deu conta (depois de decênios) de que – além das definições solenes – há muitos outros pronunciamentos do Magistério que são infalíveis e que obrigam o fiel a crer.

A resposta de S. começa mostrando uma bela cara-de-pau. Pois o leitor foi doutrinado sabe-se lá há quantos anos com o princípio lefebvrista: “só o dogma é de fé, o restante não”, e agora deve receber de seus próprios mestres o tapa na orelha. Escreve S.: “O patrimônio da fé católica não se limita… aos ‘dogmas definidos claramente e solenemente por Concílios Ecumênicos e por Papas’ e – coisa que certamente lhe surpreenderá [mas a surpresa vem de ouvir isto ser dito por S.!] – nem, tampouco, os dogmas limitam-se aos dogmas definidos” [6. S. pág. 7, col. 3.]. Além do mais, S. admite [hesito em crê-lo, tendo ouvido isto me ser negado mil vezes] que inclusive uma simples “sentença comum dos teólogos” tem o seu valor e pode ser definida pela Igreja. Para não falar então da autoridade dos Padres e dos Doutores da Igreja, dos quais não podemos nos apartar.

O que me desenganou completamente sobre a boa fé de S. foi a questão do Concílio Ecumênico Vaticano II. Explico: se o consenso dos teólogos obriga o fiel, a fortiori [= com maioria de razão] o Concílio Ecumênico, expressão da Sagrada Hierarquia da Igreja, bem mais importante que o conjunto dos teólogos: “Cristo… preside e guia os Concílios da Igreja”, ensina Pio XII [7. PIO XII, Mystici corporis, 29-06-1943, I.P. n. 1049. Cf. S. PIO X, Ex quo, nono labente, 26-12-1910, I.P. n. 746.]. Um concílio só não obriga os fiéis quando não recebeu a aprovação da Autoridade da Igreja (como o Concílio de Basiléia). O Concílio Vaticano II é um concílio ecumênico e foi aprovado por Paulo VI; recusá-lo significa recusar a autoridade de Paulo VI.

Para escapar da doutrina católica, S. elabora uma nova tese: à Igreja, para ser infalível, não basta a assistência do Espírito Santo, mas é preciso que repita aquilo que foi dito sempre e por toda a parte (semper et ubique), do contrário pode conter erros. Esse é um princípio absoluto. O Magistério, segundo S., não é mais infalível por si mesmo: caberá a todos os fiéis, então, controlar, toda a vez que o Magistério fala, se o que ele diz foi sempre e por toda a parte aceito. “É regra absoluta, diz S., que o Católico deve crer somente aquilo que não está em contradição com o que a Igreja sempre e por toda a parte ensinou e acreditou” [8. S. pág. 8, col. 2.]. Se essa regra é absoluta, deve ser sempre aplicada sem exceção, e as suas conclusões resultarão sempre verdadeiras. Experimentemos, para ver. Quando Pio XII afirmou, contra o que fora afirmado previamente, que a Matéria e a Forma do Sacramento da Ordem são a imposição das mãos e a leitura doPræfatio, o seu pronunciamento – segundo a regra de S. – não pode ter sido infalível! Sorte idêntica tocará ao dogma da Imaculada Conceição: nem sempre e nem por toda a parte essa verdade foi crida, assim os mais altos teólogos como Sto. Tomás de Aquino chegaram a pensar o contrário. Para não falar da Missa vespertina e do jejum de três horas para a Comunhão, estabelecidos por Pio XII: segundo a tese de S., tudo isso constitui uma verdadeira revolução que solapou a regra absoluta, o semper et ubique!

A Regra da Fé, então, para S. não é mais o Magistério da Igreja (como vimos nas págs. 48-49), mas, sim, o ensinamento de sempre e toda a parte. E, para melhor afirmar essa nova teoria, haveria que mudar o Ato de Fé. É ler para crer: “‘Meu Deus, creio firmemente tudo o que Vós revelastes e que a Santa Igreja propõe a crer…’”. Para todos, a Igreja quer dizer o Papa reinante; inversamente, S. muda a interpretação do Ato de Fé e altera assim o seu significado, acrescentando: “…(a Santa Igreja – é óbvio, mas hoje é necessário fazer esta precisão – não se identifica com o Papa do momento, que não fala ex cathedra” [9. S. pág. 8, col. 1.]. Quiçá S. tenha se esquecido do axioma: “Ubi Petrus ibi Ecclesia” [A Igreja está onde Pedro está (N. do T.)]. A nova regra de S. é absoluta; já a Regra da Fé e o Ato de Fé, pelo contrário, não são absolutos!

Recordo somente as palavras de Pio XII [10. Humani Generis, 12-8-1950, I. P. n. 1278.]:


“E embora este Sagrado Magistério deva ser para todo teólogo, em matéria de fé e de moral, a norma próxima e universal da verdade (visto que foi a ele que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou o Depósito da Fé – ou seja, as Sagradas Escrituras e a Tradição divina – para ser guardado, defendido e interpretado), todavia por vezes se ignora, como se não existisse, o dever que todos os fiéis têm de fugir mesmo daqueles erros que se aproximam, em maior ou menor medida, da heresia e, portanto, ‘de observar também as constituições e decretos em que a Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões’ [11. C.J.C., cân. 1324; Conc. Vat., De Fide cath., DS 3045.].”


Dirá alguém: mas não vês que esses da F. deram um passo à frente? Cumpre encorajá-los, e eles darão mais um: no fundo estão de boa fé, em busca – também eles – da verdade.

Não me agrada dizer isto, mas há confirmação de que a boa fé, propriamente, está ausente. Com efeito, S. cita Pio IX no famoso Breve ao Bispo de Munique [12. Tuas libenter 21-12-1863, DS 2879, citado por S. pág. 8, col. 2.], no qual o Papa diz que a obediência não deve ser limitada às verdades definidas…


“mas deve estender-se também às verdades que, pelo Magistério Ordinário da Igreja, espalhada pelo mundo inteiro, são transmitidas como divinamente reveladas e, por isso, são consideradas matéria de fé pelo comum e universal consenso dos teólogos”.


Está claro pelo texto que, após o pronunciamento do Magistério que indica aquilo que foi revelado por Deus, os teólogos unanimemente são obrigados a consentir com tal doutrina, a qual, daí em diante, constitui matéria de fé. Não tivesse havido o ensinamento da Igreja, não haveria aí consenso entre os teólogos. Destarte, para os teólogos a Regra da Fé é o Magistério, ensina Pio IX; para S. a regra absoluta é o “sempre e por toda a parte” [13. S. repete isso também, para quem ainda não tivesse entendido, na pág. 8, col. 27.].

O mesmo S. cita Pio XII: a teologia deve estar “sob a vigilância do Sagrado Magistério” e é boa a teologia elaborada “por pessoas de não comum engenho e santidade” a quem “o Magistério da Igreja deu, com a sua autoridade, uma tão notável aprovação” [14. Humani Generis, 12-8-1950, S. pág. 8, col. 3.]: assim, Pio XII diz, mais uma vez, que é o Magistério a Regra da Fé. Mas o entendeu o articulista de S.?

Se a doutrina da Igreja não bastasse (e me atenho a Pio IX e Pio XII para prová-lo), procedamos por absurdo: utilizemos o princípio de S. junto com a doutrina da Humani Generis, para ver aonde isso leva. Para S., Paulo VI e João Paulo II são Papas e têm a Autoridade na Igreja: sob a “Autoridade” deles, o Magistério Ordinário e Universal declarou que é revelado por Deus que todos os homens, inclusive pecadores, têm uma dignidade que jamais se perde. Logo, devemos aderir a essa definição! Como se isso não bastasse, teólogos de não comum engenho (tais como De Lubac, Congar, Von Balthasar), “sob a vigilância do Sagrado Magistério” de Paulo VI e João Paulo II, afirmaram que essa é uma verdade de fé. S. procura objetar que são teólogos modernistas. Mas (continuo a citar S.), a essa teologia “o Magistério da Igreja deu, com a sua autoridade [de Paulo VI e João Paulo II (N. da R.)], uma notável aprovação”, ao ponto de nomeá-los Cardeais de Santa Madre Igreja! Por que então não deveríamos seguir esse consenso dos teólogos?

Caros amigos de S., se credes que João Paulo II tem a autoridade sobre a Igreja, come fazeis para contestar o que ele diz? Com que autoridade podeis julgá-lo? Pode haver alguém acima do Papa? Ou então recusais a autoridade de Wojtyla, como faz Sodalitium? Mas não, vós dizeis que ele tem a autoridade. Como os fariseus gritavam hipocritamente a Pilatos: “Não temos outro rei além de César”, assim também vós proclamais: “Reconhecemos a autoridade de João Paulo II”. Quem não reconhecia César tornava-se seu inimigo; quem não reconhece João Paulo II fica contra o mundo inteiro. “Julgai vós mesmos se é justo, diante de Deus, obedecer aos homens antes que a Deus” (Atos IV, 19), dizia São Pedro ao Sinédrio, que havia perdido a Autoridade.


_____________



APÊNDICE

(acrescentado pelo tradutor)


“Pseudo-Dionísio”, Resposta a Sì Sì No No, edição italiana, de 31 de janeiro de 1997, in: Sodalitium, n.º 46, dez. 1997, pp. 37-39:


Trata-se de um breve artiguete no qual Sì Sì No No responde ao primeiro dos artigos de Dom Murro sobre Os erros de Sì Sì No No (Sodalitium, n.º 44, pp. 51-54, novembro de 1996), que seguia a outro artigo dele, sobre A regra da nossa fé (ibidem, pp. 48-50). Até hoje, nenhuma resposta ao estudo bem mais imponente, do mesmo autor, intitulado Os erros de Sì Sì No No (II.ª parte): O Magistério segundo Abbé Marcille (Sodalitium, n.º 45, abril de 1997, pp. 30-50), salvo uma carta em privado do Abbé Marcille a Dom Murro. Trata-se de uma carta gentil e interessante, que honra o Abbé Marcille. Fazemos votos de que sejam sempre mais numerosos os católicos – dentro e fora da Fraternidade S. Pio X – que fazem com que, em nossas polêmicas doutrinais, a caridade e a verdade sejam sempre respeitadas, para a glória de Deus e o bem da Igreja. Diversa é a postura de Sì Sì No No, que até se precavê, na sua resposta, de citar Sodalitium (que deve permanecer ignorada pela maioria).

Depois de ter posto em dúvida a nossa sinceridade e boa fé, Sì Sì No No afronta em duas palavras uma única das questões suscitadas, e pela resposta se vê que não se entendeu completamente o que quisemos dizer.

A partir do depósito da fé, realmente – escreve Sì Sì No Nopodem ser deduzidas verdades implícitas, como a Imaculada Conceição, mas jamais coisas em contradição com a Fé constante da Igreja. Negar ou ofuscar aos olhos dos fiéis um princípio tão fundamental e precioso em tempos de crise como os atuais é – seja-nos permitido dizê-lo – fazer, querendo ou não, a obra do demônio”.

Os redatores de Sodalitium ficam estupefatos, pois nunca, jamais sustentaram que do Depósito da Fé se pudessem deduzir “verdades” (na realidade, heresias) em contradição com a fé! Que o Vaticano II contradiga a doutrina da Igreja, o afirmamos também nós, junto com Sì Sì No No. Que um fiel possa perceber isso, sustentamo-lo igualmente. Que esse fiel deva então ater-se à fé da Igreja e não ao Vaticano II que a contradiz, qualquer leitor de Sodalitium sabe disso perfeitamente bem. E então?

E então Sì Sì No No desloca o problema (atribuindo-nos o que jamais dissemos) para ocultar o punctus dolens: como é possível que um Papa (Paulo VI ou João Paulo II, para Sì Sì No No) e um Concílio Ecumênico (o Vaticano II) contradigam a fé da Igreja? Os artigos de Dom Murro demonstraram que isso não é possível, pelo que: ou a contradição é só aparente (mas não o é) ou então Paulo VI e João Paulo II não eram e não são Papas e, portanto, o Vaticano II não foi um Concílio legítimo.

Normalmente fonte próxima da fé é o magistério ordinário – escreve Sì Sì No Nomas, como essa fonte próxima por sua vez alcança uma fonte remota, que é a divina Revelação disponível na Tradição constante da Igreja, ninguém pode impedir que, em caso de crise, até o simples fiel (como sucedeu nos tempos de Nestório e de Ário) interrogue essa fonte remota para reconhecer aquilo que não é católico”.

É verdadeiramente difícil, em tão poucas linhas, acumular assim tantos erros e imprecisões. À custa de nos repetirmos, expliquemos a Sì Sì No No (que nos convida a “estudar melhor, muito melhor, a teologia católica”) quanto segue:

1) O Magistério, ordinário ou solene, é sempre (e não só “normalmente”) a regra próxima (e não a “fonte”) da nossa fé (e não “da fé”).

2) Que a Revelação (Escritura e Tradição, e não somente a “Tradição constante”) é a regra remota (e não a “fonte”) da nossa Fé (e não “da fé”).

3) Que “a fonte próxima” (sic) não “haure por sua vez da fonte remota” (sic). As coisas são assim: nós devemos crer tudo aquilo que Deus revelou na Escritura e na Tradição (verbo scripto vel tradito); (e esta é a regra remota, ou seja, não imediata para nós). Mas, para saber o que é que está revelado, ou seja o que é que foi ensinado verdadeiramente pela Escritura e pela Tradição, o católico não interpreta livremente a Escritura (ou a Tradição) como faz o protestante, mas dirige-se ao Magistério da Igreja (Papa sozinho, ou Papa e Bispos em comunhão com ele), que é o único a poder lhe ensinar o sentido autêntico da Revelação (é justamente por isso que a Igreja, e não o simples fiel, é assistida pelo Espírito Santo!). Eis a Regra próxima da nossa fé: devo crer o que Deus revelou (regra remota), mas, para saber o que foi que Deus efetivamente revelou, devo perguntá-lo à Igreja (regra próxima, ou seja, imediata: aquela para a qual me dirijo em primeiro lugar).

Segundo Sì Sì No No, algumas vezes a regra próxima (a Igreja) pode sair pela culatra, e aí então o simples fiel pode passar por cima dela e, como um protestante, ir ver o que é que diz a regra remota… É aqui que não estamos de acordo com Sì Sì No No. Quem segue a regra próxima (a Igreja) está sempre seguro no mínimo de não se afastar da fé; já quem interpreta por conta própria a Escritura ou a Tradição pode errar: “Para em tudo acertar – escreve Santo Inácio nos Exercícios Espirituais – devemos sempre manter: que o que eu vejo branco, creia que é negro, se a Igreja hierárquica assim o define; crendo que entre Cristo Nosso Senhor, o Esposo, e a Igreja, Sua Esposa, é o mesmo Espírito que nos governa e rege para a salvação de nossas almas; pois pelo mesmo Espírito e Senhor nosso, que deu os Dez Mandamentos, é regida e governada nossa Santa Madre Igreja” (Décima-terceira regra para sentir com a Igreja, Exercícios Espirituais n. 365).

Todavia, o Espírito Santo e a Igreja não podem contradizer um ao outro.

No caso de contradição aparente, o que se há de fazer? O fiel já está vinculado pela fé a crer tudo o que Deus revelou e a Igreja ensinou. Se aparentemente a Igreja lhe requisitasse a crer numa proposição contraditória àquilo que ela já obriga crer (por exemplo: que as Pessoas da Trindade não são três) o fiel deveria mas não consegue realizar o ato de fé: “esse ato de fé é metafisicamente impossível. (…) Ninguém é capaz de crer simultaneamente duas proposições contrárias; ninguém pode crer ao mesmo tempo (por exemplo) que o direito à liberdade religiosa é contrário à Revelação (Pio IX) e que está fundado nessa Revelação (Vaticano II). É impossível mesmo com toda a boa vontade: isso depende da natureza das coisas” (Dom H. Belmont, L’esercizio quotidiano della fede [O exercício cotidiano da fé], Ferrara, 1996, p. 12). Segue-se daí que aquela autoridade da Igreja era só aparente: é o que Sodalitium afirma e Sì Sì No No se obstina em negar.


_____________


Rev. Pe. Giuseppe MURRO, Os erros de Si Si No No (primeira parte), 1996, “Gli errori di Sì Sì No No (prima parte)”, in Sodalitium, ano XII, nov. 1996, n.º 44, pp. 51-54.

[Fonte do Apêndice mencionada no início deste.]

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page