top of page

Padre Cekada refutou a Tese de Cassiciacum?




Por Seminarista Paulo Cavalcante


Alguns meses atrás me foi apresentado um artigo do Pe. Cekada, com a pretensa intenção de refutar a Tese de Cassiciacum, por fim li e reli o artigo denominado "Um cardeal excomungado pode ser eleito ao Papado?" [1] e não só não encontrei objeção nenhuma contra a Tese do Bispo Guérard, como, ao contrário, achei argumentos a favor.


O artigo supracitado, antes de mais nada, foi escrito por um padre totalista, e seus termos e princípios são adequados e limitados a esta mesma posição. Porém não só neste artigo, como em outros também, o Pe. Cekada sempre deixa margens de interpretação onde se encaixa a Tese de Cassiciacum, explicita ou implicitamente.


Esse artigo é escrito para honrar a feliz memória do Pe. Cekada, que vem sendo usado desonestamente (apenas depois de seu falecimento, claro) como um suposto apologeta anti-cassiciacum, o que é falso e injusto, como mostrarei mais adiante.


Sobre o real fim do artigo e a distorção feita pelos fanáticos "anti-cassiciacum"


Logo no segundo parágrafo do artigo o padre Cekada menciona explicitamente o fim pela qual ele escreve o artigo:


"Por muitos anos vários autores tradicionalistas pertencentes à FSSPX, como o Padre Carl Pulvemacher, Michael Davies, Padre Dominque Boulet e os dominicanos de Avrillé, e até autores conservadores como o Padre Brian Harrison, tem citado essa passagem como uma resposta definitiva ao sedevacantismo. Se Pio XII explicitamente suspendeu qualquer excomunhão, impedimentos eclesiásticos e censuras de qualquer tipo a quem quer que seja eleito Papa, logo (segue seu argumento) um herege poderia ser eleito como um verdadeiro Papa."


Como pode-se ver, o intuito do artigo é responder aos que defendem que os falsos papas do Concílio Vaticano II são Papas formais, com pleno poder reger, governar e santificar a Igreja. Evidentemente a Tese de Cassiciacum não se encaixa nesse contexto, já que estamos cansados de afirmar que a Sé esta formalmante vacante em função de que esses sujeitos apontados ao Papado não possuem a intenção de alcançar o bem comum dessa mesma sociedade, que é a Igreja, e seu fim último.


Sobre os princípios limitados do totalismo


Enquanto o totalismo tenta estabelecer sua incapacidade, pela lei divina, de ser validamente eleito por causa da heresia pública, a Tese apresenta um argumento totalmente diferente, baseado em considerações metafísicas do ato de aceitação do Papado e da natureza da autoridade. Estes são dois argumentos completamente distintos, não necessariamente exclusivos em si mesmos, embora nós detentores da Tese rejeitemos o argumento totalista como inválido, já que, como já foi explicado em outro artigo, o Direito Canônico indica claramente que os hereges não-sentenciados podem validamente eleger e ser eleitos na Igreja [2], e uma vez que também teriam implicações lógicas que contradizem abertamente os requisitos da indefectibilidade da Igreja (como a incapacidade de mostrar e explicar a sucessão apostólica da hierarquia; a incapacidade de explicar como todos não teriam feito parte de uma seita não católica em algum momento; a incoerência do clero não exigindo uma abjuração para pessoas que de acordo com seus critérios teriam sido "hereges públicos"; a ideia de que toda a Igreja estaria em comunhão e se submeteria por muitos anos a um "herege público"; etc - a lista pode ser muito longa).


O coração do argumento da Tese não é a questão da heresia pessoal nos eleitos ou no papa e, portanto, evita completamente a famosa disputa teológica sobre o papa herético, que não foi resolvida pela Igreja e tem sido objeto de debate há séculos. Baseia-se na análise metafísica do ato de aceitação do Papado, que, quando devidamente compreendido, é indiscutível. Pode ser resumido brevemente assim: para se tornar o Papa e receber autoridade de Cristo, os eleitos devem (verdadeiramente) aceitar o Papado. [3]


Como uma lei é ordenada ao bem comum, a lei suprema da Igreja é uma indicação precisa de seu bem supremo: a glória de Deus e a salvação das almas, salus animarum suprema lex. Esta salvação das almas pode ser explicada ainda mais considerando a tríplice missão da Igreja: ensinar, governar e santificar os fiéis, a fim de levá-los ao céu. Portanto, é claro que o fim da Igreja inclui a pregação da fé (que exige a condenação da heresia como consequência), a manutenção de leis disciplinares sagradas e a santificação pela administração dos sacramentos.


Portanto, o argumento da Tese não se baseia na intenção subjetiva da pessoa, mas na intenção objetiva intrínseca às próprias ações postuladas pela pessoa. Este ponto foi explicado detalhadamente por Dom Guérard des Lauriers no primeiro dos Cahiers de Cassiciacum.


Distinção de Eleição e Aceitação da Eleição

O Papado é um gratia gratis data, uma graça concedida gratuitamente: aceitá-lo é um ato humano que requer conhecimento e consentimento. Uma eleição feita por medo e força, por exemplo, é inválida. O Papa Pio XII apresenta ainda a teologia católica sobre o assunto:


“Mesmo se um leigo fosse eleito papa, ele só poderia aceitar a eleição se estivesse apto para a ordenação e desejasse ser ordenado. Mas o poder de ensinar e governar, bem como o dom divino da infalibilidade, seria concedido a ele desde o momento de sua aceitação, mesmo antes de sua ordenação.” [4]


O Santo Padre, portanto, assinala que aceitar a eleição é algo distinto de ser eleito. De fato, Pio XII nos distingue - ele seria eleito para o Papado, mas não seria capaz de aceitar a eleição. (Por algum impedimento)


O Padre Passerini, O.P., foi Vigário Geral da Ordem Dominicana e escreveu todo um tratado sobre a eleição do Soberano Pontífice, no qual afirma:


“A eleição de um herege não é, pela lei Divina, inválida por esse mesmo fato, mas pode ser invalidada, se o eleito não estiver disposto a ser corrigido. Portanto, para invalidar tal eleição, a decisão da Igreja é necessária.” [5]


The Delict of Heresy, de MacKenzie, p. 83, nos afirma:


O herege público, que ainda não foi coibido pelo seu Bispo ou por sentença judicial: seus atos jurisdicionais são válidos, mas ilícitos. O herege condenado: seus atos são inválidos e ilícitos, exceto no caso em que é solicitado a agir por um católico moribundo.


Com isso concluimos que:

1) Um sujeito herege não sentenciado pode ser eleito ao papado;

2) Esse sujeito foi validamente eleito, mas possui um obstáculo para recepção do cargo;

3) Enquanto esse obstáculo não for removido, ele permanece eleito sem receber as potestades do cargo, mediante a Igreja não declarar o contrário. [5]


Esse estado de ser eleito e não receber a autoridade de Cristo por conta de um obstáculo chamamos de Papado materialiter ou Pontífice 'putativo'. A Sé está ocupada por ele e não pode ser ocupada por outra pessoa enquanto a eleição não for declarada nula pela Igreja. E, finalmente, a aceitação da eleição pode ser validada, em caso de remoção do obstáculo que foi colocado anteriormente e provocou o defeito no consentimento, como explica o Pe. Ricossa no artigo "Papa, Papado e a Sé Vacante" Sodalitium n. 66. (Em processo de tradução)


Assim ensina Bouix:


“O papa herético, se vier à resipiscência antes da sentença declaratória [de heresia], recupera o pontificado ipso facto, sem uma nova eleição dos cardeais.” [6]


Se alguém pode receber a forma do papado ipso facto, como disse Bouix, com absoluta certeza se afirma que ele permaneceu com a matéria do papado, logo, um papa material.


Padre Cekada defendeu veemente a Tese de Cassiciacum

No artigo "Um Cardeal excomungado pode ser eleito ao Papado?" o Pe. Cekada contesta os seguintes questionamento:


"Então fica fácil responder à segunda pergunta: 'Ela levanta todas as excomunhões, impedimentos eclesiásticos e censuras para todos os participantes de um conclave papal'?

A resposta é sim.

O parágrafo 34 também compreende o caso de um cardeal excomungado que tenha sido eleito papa?

Novamente a resposta é sim, porque a Constituição se utilizou dos termos eleição ativa e passiva, o que significa respectivamente ser capaz de votar e ser capaz de ser eleito. Portanto, é correto dizer que a Constituição de Pio XII permite explicitamente que um cardeal excomungado seja eleito papa validamente."


Ora, isso significa que o Pe. Cekada concorda que:

1) Um sujeito herege não sentenciado pode ser um eleitor do Papa

2) Um sujeito herege não sentenciado pode ser eleito ao Papado;

3) Caso esse sujeito herege não sentenciado seja eleito, a eleição será válida.

4) Por uma deficiência no sujeito, ele se torna inapto a ocupar o cargo.


Sendo assim, temos o Papa material, que é usado explicitamente como argumento pelo Pe. Cekada em outro artigo denominado "Tradicionalistas, a Infalibilidade e o Papa" [7], no "Apêndice 5 - De onde virá um Papa verdadeiro?", o Reverendo diz:


"Se os papas do Vaticano II não são papas verdadeiros, como poderia a Igreja um dia novamente ter um papa verdadeiro?

[...]

2.Tese do Papa Material/Formal."


Conclusão

Concluamos reafirmando com o Pe. Cekada a Tese de Cassiciacum: Francisco foi validamente eleito por um conclave; mas o eleito (Francisco), por não ter, de maneira habitual, a intenção de realizar o fim último da Igreja, está impedido de receber a Autoridade de Cristo. Enquanto durar o referido impedimento, Francisco continua eleito, mas não tem autoridade sobre a Igreja. Isso quer dizer - Francisco é papa materialmente, mas não formalmente.


Notas

  1. Papa Pio XII, Discurso ao Segundo Congresso Mundial do Apostolado Leigo, 5 de outubro de 1957.

  2. “Electio haeretici non est de iure divino ipso facto irrita, licet sit irritanda, si electus nolit corrigi. Unde ad talem electionem irritandam, necessaria est Ecclesiae sententia.” [Passerini OP, Tractatus de Electione Summi Pontificis, Cap. XXXII n. 6]





bottom of page