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Um Esclarecimento de Pio IX: Critérios da Infalibilidade


(1984) Rev. Pe. Bernard Lucien



Anexo III de seu estudo: L’Infaillibilité du magistére ordinaire et universel de l’Église [A Infalibilidade do Magistério Ordinário e Universal da Igreja] (Nice: Éditions Association Saint-Herménégilde, Documents de Catholicité, 1984, VI, 158p., pp. 147-150:


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Deve-se crer com fé divina e católica tudo o que está contido na palavra de Deus escrita ou transmitida por tradição, e que a Igreja, seja num juízo solene, seja por seu magistério ordinário universal, propõe a crer como divinamente revelado.

Não nos detivemos, no decorrer do nosso estudo, num ponto bastante evidente por si mesmo, mas sobre o qual talvez seja melhor dizer uma palavra. O texto do Vaticano I que acabamos de recordar caracteriza o objeto da fé divina e católica de duas maneiras: “aquilo que é proposto pela Igreja”, “aquilo que está contido na palavra de Deus”. É claro, pela natureza mesma das coisas, que não se tratam aí de DOIS CRITÉRIOS que deveriam ser observados para concluir que se está na presença de um objeto de fé. Isso é claro porque já de maneira geral deve-se crer tudo o que está contido na palavra de Deus. Se, pois, fosse necessário que o crente verificasse por si mesmo esse fato, a intervenção da Igreja seria sem objeto. Na realidade, o texto do Vaticano I considera o objeto da fé sob dois pontos de vista diferentes. O primeiro, que pode ser chamado de ONTOLÓGICO, pois descreve a essência das coisas: objeto da fé é aquilo que está contido na palavra de Deus. O segundo, que é – e somente ele o é, com exclusão do primeiro – CRITERIOLÓGICO: a proposição pela Igreja. Fica, pois, absolutamente excluído, pela própria natureza das coisas, que se considere a primeira afirmação de nosso texto (“aquilo que está contido na palavra de Deus”) como um primeiro critério, que deveria se assomar à proposição pela Igreja, para que esta seja infalível. Noutros termos, está evidentemente excluído que o próprio fato de estar contido na Palavra possa ser um critério da infalibilidade do ato do magistério: está EVIDENTEMENTE excluído, porque uma tal posição equivale a negar a infalibilidade do ato em si mesmo (se for preciso verificar o fato da pertença da doutrina à Revelação, é que esse fato não é objeto de certeza, e portanto que o ato não é infalível) e em sua finalidade essencial (a infalibilidade tem como razão de ser garantir-nos que determinada doutrina pertence ao depósito; logo, ela perde sua razão de ser se não se puder afirmá-la sem verificar antes essa pertença). Consideramos útil, a esse respeito, recordar um texto tópico de Pio IX. Esse texto refere-se diretamente a um juízo solene; mas dado que, no ensinamento do Vaticano I, o magistério ordinário é posto no mesmo patamar que os juízos solenes no que se refere à primeira afirmação (“aquilo que está contido na Palavra”), o alcance geral das explicações de Pio IX é manifesto (os sublinhados são nossos):

“Como todos os fautores de heresia e de cisma, gabam-se eles falsamente de ter conservado a antiga fé católica, enquanto que subvertem o próprio fundamento principal da fé e da doutrina católica. Eles bem reconhecem na ESCRITURA e na TRADIÇÃO a fonte da Revelação divina; mas recusam-se a escutar o MAGISTÉRIO SEMPRE VIVO DA IGREJA, embora este salte aos olhos, claramente, da Escritura e da Tradição, e tenha sido instituído por Deus como guardião perpétuo da exposição e da explicação infalíveis dos dogmas transmitidos por essas duas fontes. Por conseguinte, com sua ciência falsa e tacanha, independentemente e mesmo indo contra a autoridade deste magistério divinamente instituído, eles se erigem a si próprios em juízes dos dogmas contidos nessas fontes da Revelação.

“Pois porventura fazem eles coisa diferente quando, sobre um dogma de fé DEFINIDO POR NÓS, com a aprovação do santo Concílio, ELES NEGAM QUE SE TRATE DE UMA VERDADE REVELADA POR DEUS e que exige assentimento de fé católica, muito simplesmente porque, NO PARECER DELES, ESSE DOGMA NÃO SE ENCONTRA NA ESCRITURA E NA TRADIÇÃO? Como se não houvesse uma ordem na fé, instituída por nosso Redentor na Sua Igreja e sempre conservada, segundo a qual A DEFINIÇÃO MESMA de um dogma DEVE SER TIDA POR SI SÓ como demonstração suficiente, seguríssima e adaptada a todos os fiéis, de que a doutrina definida ESTÁ CONTIDA no duplo depósito da Revelação, escrita e oral. É, aliás, por isso que tais definições dogmáticas sempre foram e são, necessariamente, regra imutável para a fé, assim como para a teologia católica, à qual incumbe a nobilíssima missão de mostrar como a doutrina, no mesmo sentido da definição, está contida no depósito revelado.”

(Papa PIO IX, Carta Inter Gravissimas, 28 de outubro de 1870, à assembleia episcopal de Fulda; E.P.S. E. 374-375).


[N. do T. – “E.P.S. = Enseignements Pontificaux (Ensinamentos Pontifícios), reunidos e traduzidos por Monges de Solesmes. E.P.S. E. designa os dois volumes consagrados à Igreja.” (p. iii)]


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