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É necessária uma consagração episcopal válida para ser Papa?

Pelo Pe. Francesco Ricossa

Traduzido por Seminarista Paulo Cavalcante



Ocasião deste artigo

Os leitores mais atentos lembrar-se-ão que a Sodalitium já tratou deste assunto.


A Sodalitium já tratou desta questão, e mais de uma vez (por exemplo, nos números 58 e 59), voltamos a ela porque apesar das nossas explicações a ideia de que Bento XVI não é Papa porque não foi validamente consagrado Bispo está a ganhar terreno (em círculos sedevacantistas totalistas, claro).


O problema foi levantado por alguns websites franceses, que já mencionámos. Estes sites, que nos últimos tempos adquiriram uma certa notoriedade também devido aos meios de difusão utilizados, o que permite uma grande rapidez de acção.

Não concordamos com as suas teses, nem com a forma como são expressas.

No entanto, não é nossa intenção, pelo menos por enquanto e aqui, falar sobre o assunto, e limitarmo-nos exclusivamente a examinar a questão exposta no título do presente artigo.


Embora não partilhemos as ideias e métodos destas pessoas, é mérito delas terem investigado a questão da validade do sacramento das Ordens Sacras administrado no novo rito reformado após o Vaticano II, especialmente o rito da Consagração Episcopal.


Os escritos em questão suscitaram um debate, no qual nem todos intervieram com a mesma competência.


Os 'dominicanos' de Avrillé (1) escreveram a favor da validade das consagrações episcopais de acordo com o novo rito.


O Pe. Anthony Cekada (2), por exemplo, defendeu a tese da invalidade do novo rito de consagração episcopal.


A nossa posição sobre a invalidade dos novos ritos de ordenação


O Sodalitium (n. 58, pp. 41-43 ), por seu lado, reiterou o posicionamento de longa data do Padre M.-L. Guérard des Lauriers 46 o.p., segundo o qual, embora caiba à Igreja dar uma resposta definitiva à pergunta, é necessário admitir pelo menos a probabilidade de as consagrações episcopais administradas de acordo com o novo rito serem inválidas.


Um rito da Igreja e promulgado pela Igreja, na verdade, não só não pode inválido, mas também não pode conter nada contrário à fé ou à moral. Ora, uma vez que a Reforma Litúrgica como um todo, incluindo a reforma dos ritos do Sacramento da Ordem, é moralmente inaceitável e afasta-se de forma impressionante da fé católica tal como definida no Concílio de Trento, não pode vir da Igreja e, portanto, não pode ser garantida pela sua santidade e infalibilidade;

(Aqueles que reconhecem a autoridade dos "papas" conciliares e, ao mesmo tempo, rejeitam a reforma litúrgica, ainda não nos explicaram como é possível que esta reforma possa vir da Igreja e da sua Cabeça e, ao mesmo tempo, ser moralmente inaceitável). Do que foi dito resulta que quem quer que tenha recebido o sacerdócio ou outras ordens do rito reformado ou por um bispo consagrado no rito reformado, deve ser reordenado "sub-conditione ".

A questão torna-se ainda mais urgente porque, com o número de sacerdotes a celebrar com o autêntico Missal Romano promulgado por São Pio V, existe o risco de alguns deles, talvez sem suspeitarem, não serem validamente ordenados e assim consagrar de forma inválida.


Uma nova teoria totalista-lefebvrista


Algumas pessoas, no entanto, afirmam tirar mais consequências deste facto.

Se o novo rito de consagração episcopal for inválido, então Joseph Ratzinger, consagrado precisamente com este rito, não seria um bispo. E uma vez que o Papa é Bispo de Roma, seria demonstrado por esse mesmo facto e apenas por esse argumento que Joseph Ratzinger não é sequer Papa.


Finalmente, com este mesmo argumento, gostaríamos de demonstrar que a Tese de Cassiciacum, defendida e exposta pelo Padre Guérard des Lauriers, e segundo a qual o ocupante da Sé Apostólica (pelo menos desde 1965) não é formalmente Papa, embora continue a sê-lo materialmente, teria perdido toda a validade e probabilidade precisamente com a eleição de Joseph Ratzinger, que, não sendo um (consagrado) bispo, não poderia ser "papa" nem mesmo materialmente.

Além disso, segundo estes autores, até o Padre Guérard des Lauriers - se ainda estivesse vivo - chegaria a esta conclusão e pensaria que a Tese de Cassiciacum já não tem qualquer probabilidade de ser verdadeira, como poderia ser demonstrado por algumas das suas próprias declarações.


Sobre estes dois últimos pontos, estes escritores "totalistas" (mas dedicados à memória e ao trabalho do Arcebispo Lefebvre) são também apoiados por uma revista italiana "Lefebvrista", segundo a qual os discípulos do Pe. Guérard deveriam logicamente abandonar a Tese de Cassiciacum, porque se Bento XVI não é bispo, também não pode ser papa, não só formalmente mas também materialmente.


Como sempre, criticam a Tese de Cassiciacum sem a conhecer...


Antes de examinarmos mais uma vez a (in)consistência destas afirmações, recordemos brevemente aos leitores o significado das expressões utilizadas pela Tese de Cassiciacum: "o actual ocupante da Sé Apostólica não é o Papa formal, embora ainda seja 'papa' material". Na verdade, e parece incrível, ainda há pessoas que escrevem sobre a Tese de Cassiciacum e fingem provar a sua falsidade, sem terem compreendido a afirmação.


Por exemplo, há um artigo recente (29 de Dezembro de 2008; argumentos retomados em 13 de Janeiro de 2009) num destes sítios da Internet que diz:


"Sodalitium (Don Ricossa) dedica-se a uma crítica a esta comissão [a comissão canónica da Sociedade de São Pio X, que, entre outras coisas, se arrogou o poder de anular casamentos, de aprovar novas congregações religiosas, de exercer - numa palavra - os poderes reservados à Santa Sé, e do reconhecimento da legitimidade dos Papas conciliares - não poderia arrogar-se uma jurisdição que pertence apenas ao Papa e àqueles que ele estabeleceu, baseando-se na chamada tese Cassiciacum, do papa materialiter (que ainda tem jurisdição) mas não formaliter (que, pregando heresia, é privado do seu Magistério). Hoje em dia, esta tese é falaciosa, já não tem uma base lógica, porque o alegado 'papa materialiter', o sacerdote apóstata Ratzinger-Bento XVI, não foi validamente consagrado bispo católico (como o próprio Pe. Ricossa reconhece), Ratzinger-Bento XVI não possuindo a plenitude do Sacerdócio (potestas ordinis episcopalis) de Melchisedec, não é ontologicamente um bispo católico. Não pode, portanto, ser reconhecido como papa, nem material nem formalmente".


Finges combater a Tese de Cassiciacum mas, como dizíamos, demonstras que não sabe nada. Dizer que para a tese de Cassiciacum ser 'papa' materialiter significa dizer que este 'papa' "ainda tem jurisdição" é uma atrocidade. A Tese de Cassiciacum, ao afirmar que alguém não é papa formal, diz que ele não tem o "estar com" de Jesus Cristo, a assistência divina, e portanto nem sequer o poder não só do magistério mas também de jurisdição. Dizer que um papa poderia ter o poder de jurisdição mas não o poder do magistério é um disparate. Ser ainda 'papa' materialiter significa apenas que ele ainda é o sujeito canonicamente designado para ocupar a Sé Apostólica (pelo menos até a Igreja declarar o contrário). Um bom católico não é certamente obrigado a conhecer a Tese de Cassiciacum para continuar a ser um bom católico;

No entanto, quem quiser demonstrar que é falso não pode ignorar pelo menos os seus pontos fundamentais.


Depois deste parêntese, examinemos a questão. Bento XVI não é Papa e não pode ser Papa, nem material nem formalmente, porque (talvez) ele não foi validamente consagrado Bispo? É isso que os nossos objectores pensam, e é isso que nós negamos.


Vejamos as provas.


Origem do erro: o falso conceito de episcopado dos totalistas, paradoxalmente semelhante ao do Vaticano II


Esta não é a primeira vez que temos a oportunidade de apontar isto:

A raiz do erro destes "sedevacantistas e/ou lefebvristas" consiste numa concepção errónea do episcopado, paradoxalmente semelhante à defendida pelo Vaticano II na "constituição dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium". Tratámos este assunto em profundidade no artigo "O Bispo no Vaticano II e no Magistério da Igreja, Doutrinas em comparação" (Sodalitium, n. 59, pp. 19-49).

Neste artigo, recordei as prescrições canónicas pós-conciliares. Segundo o novo código de direito canónico, desejado por João Paulo II, "com a consagração episcopal, os Bispos recebem, com o ofício de santificar, também os ofícios de ensinar e governar..." (can. 375 § 2), e novamente em virtude da consagração episcopal, tornam-se parte do "Colégio Episcopal" (cânon 336).

O mesmo princípio aplica-se ao Sumo Pontífice, que é o Bispo de Roma:

segundo as Constituições Apostólicas Romano Pontifici eligendo de Paulo VI (1 de Outubro de 1975) e Universi Dominici Gregis de João Paulo II, a pessoa eleita no conclave, que não foi consagrada Bispo, não é Papa até ser consagrada, o que deve ser feito imediatamente (cf. Sodalitium, n.º 59, pp. 18-19).


Tanto o código reformado como as constituições apostólicas pós-conciliares são uma aplicação da doutrina do Vaticano.


Tanto o código reformado como as constituições apostólicas pós-conciliares são uma aplicação da doutrina do Vaticano II sobre o episcopado, estabelecida na Lumen Gentium (cap. III, n.º 21) e Christus Dominus, segundo a qual é a consagração episcopal - que é sacramental - que dá ao Bispo o poder não só de ordem, mas também de jurisdição e magistério, inserindo-o, além disso, no colégio episcopal.

Se se seguir esta doutrina conciliar, que é também um dos pilares fundamentais do ecumenismo "católico", chegar-se-ia de facto às conclusões teorizadas pelos nossos objectores: se se puder demonstrar que Joseph Ratzinger não foi validamente consagrado, e se a consagração episcopal é indispensável para ser Papa, então pode-se legitimamente concluir que Joseph Ratzinger não é - mesmo só por esta razão - o Sumo Pontífice.


Mesmo na perspectiva do Vaticano II, no entanto, não consigo compreender como a possível invalidade da consagração episcopal de Joseph Ratzinger mostraria que ele nem sequer é 'papa' materialiter. O 'papa' materialiter é aquele que foi eleito por conclave, e que ainda não recebeu a assistência divina de Deus e, portanto, o carisma da infalibilidade, o poder da jurisdição e do magistério.

Agora, mesmo na perspectiva do Vaticano II, tal como adoptado pelos sedevacantistas totalistas, Joseph Ratzinger seria um belo exemplo de um "papa" materialiter mas não formaliter, na medida em que foi canonicamente eleito, mas ainda não é papa por causa da ... consagração episcopal invalidadamente recebida!

Segundo a doutrina católica, porém, a jurisdição episcopal não deriva da consagração episcopal (doutrina certa). Se um leigo é eleito e aceita, ele já é Papa mesmo antes de ser consagrado. (Pio XII)


Demonstrámo-lo abundante e repetidamente: a primeira vez, defendendo a legalidade da consagração episcopal de D. Guérard des Lauriers (Le Consacrazioni episcopali nella situazione attuale della Chiesa, Verrua Savoia, 1997), e depois no citado artigo sobre a colegialidade episcopal (n. 59 do Sodalitium, especialmente pp. 26-28). Não vou voltar a este número pela enésima vez, por isso remeto o leitor para os autores citados nestes artigos, e especialmente nas páginas 26-28, e sobretudo para os textos do Magistério, até ao recente e particularmente claro de Pio XII, em três encíclicas: Mystici corporis (1943), Ad sinarum gentes (1954), Ad apostolorum principis (1958).


Limitar-me-ei a citar um discurso perfeitamente claro de Pio XII, proferido em francês, o II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, realizado em Roma, a 5 de Outubro de 1957 (Discorso Six ans, in Discorsi e radiomessaggi di SS Pio XII, vol. XIX, p. 457, Tipografia poliglotta Vaticana, 1958):


Se um leigo fosse eleito Papa, só poderia aceitar a eleição na condição de estar apto a receber a ordenação e disposto a ser ordenado; o poder de ensinar e governar, bem como o carisma da infalibilidade, ser-lhe-iam concedidos instantaneamente, mesmo antes da ordenação.


Deixemos de lado, de momento, a condição que o Papa Pio XII coloca à aceitação dos eleitos; de momento será suficiente considerar que este leigo, eleito ao papado, pode ter o poder de jurisdição e magistério, com o carisma da infalibilidade, e assim ser imediatamente verdadeiro papa (formaliter), enquanto ainda leigo e antes de ter recebido a consagração episcopal (e mesmo a ordenação sacerdotal), ao contrário das reivindicações dos inovadores totalistas.


Neste discurso, Pio XII estava meramente a aplicar a doutrina católica sobre a origem da jurisdição episcopal, e as constituições apostólicas que regulamentavam o que regulamentou a eleição do Sumo Pontífice, incluindo a última, Vacantis apostolicae sedis (8 de Dezembro de 1945) que ele próprio tinha promulgado (cf. n.º 101 e 107 da Constituição acima referida).


Uma objecção: se o leigo eleito Papa não for consagrado na semana seguinte, será que nunca foi Papa?


O website a que aludimos, mais uma vez no texto de 29 de Dezembro de 2008, continua: "a pessoa eleita para o papado (mesmo que seja um simples leigo) deve, depois de ter aceite publicamente a sua eleição, aceitar pelo próprio facto de receber a plenitude das Ordens Sacras na semana seguinte à sua eleição. Se isto não tiver sido feito, a aceitação pública da eleição que o constitui Papa deve ser considerada nula e sem efeito, e consequentemente deve ser considerado por todos os católicos como nunca tendo sido Papa, em nenhum ponto de vista. Ratzinger-Bento XVI não pode ser reconhecido como "papa materialiter", porque isso equivaleria a reconhecê-lo como tendo um poder (jurisdição como "papa materialiter") sem ser assim. Isto seria uma aberração filosófica da primeira ordem. É verdadeiramente espantoso que um Tomista confesso como Pe. Ricossa possa apoiar uma tal aberração como a tese materialiter-formaliter. A tese caiu definitivamente desde o advento do padre apóstata Ratzinger... Bento XVI, já não tem jurisdição pontifícia de um papa que reina na terra".


Após esta série de absurdos (já explicámos, por exemplo, que o "papa" material não tem o poder de jurisdição), o autor acrescenta mais, reconhecendo nos Bispos da Sociedade de São Pio X a continuidade da Igreja, e na Comissão Canónica, desejada por Mons. Lefebvre, um começo de uma Igreja suplantada. Notamos que as consequências da negação da Tese de Cassiciacum conduz frequentemente à deriva que D. Guérard des Lauriers chamava "sessionite creativite", ou seja, a necessidade lógica de inventar uma pseudo-igreja e pseudo-hierarquia para substituir a Igreja e a Hierarquia que são consideradas irremediavelmente mortas (pelo menos na prática). Mas voltando à nossa pergunta ...


O autor da passagem citada não dá qualquer referência para substanciar o que ele diz (precisa de ser consagrado dentro de uma semana, sob pena de nunca ter sido Papa); provavelmente, lembrou-se vagamente do texto de Pio XII ao qual nos referimos, sem saber de onde foi tirado.


Na Constituição Apostólica de Pio XII, está apenas estipulado que o novo Pontífice seja consagrado sacerdote ou bispo pelo Reitor do Colégio Sagrado, sem prescrever um tempo específico para a realização do rito. Também não é mencionada uma hora fixa (uma semana ou outra) no discurso Six ans, acima mencionado (e mesmo que uma data ou hora fixa fosse estipulada, teria de ser provado que é fixada por direito divino!)(3).

Pio XII especifica apenas que não seria válida não a eleição mas a aceitação da pessoa eleita para o papado, se esta não pudesse ou não quisesse receber a consagração episcopal. Podemos, portanto, ver já que o simples facto de não estar disposto a receber a consagração episcopal não torna por si só a eleição (que constitui o sujeito 'papa' materialmente), mas a aceitação (após a qual Deus daria aos eleitos a autoridade e a assistência divina que o constitui Papa formalmente) nula e sem efeito. Até os eleitores verificarem legalmente que não houve aceitação, e até procederem a uma nova eleição, a pessoa eleita permanece portanto 'papa' materialiter, ainda capaz de mudar de ideias, remover o obstáculo que depende da sua intenção de não se consagrar, tornando-se assim, nesse preciso momento, papa formaliter, até antes de ser sagrado bispo.


Vamos agora aplicar este caso hipotético ao de Joseph Ratzinger.


A fim de poder demonstrar que ele não está validamente consagrado, e por isso não seria Papa formaliter, seria necessário:


a) demonstrar com certeza que a sua consagração é inválida;


b) demonstrar com certeza que ele está ciente disto, e que assim não deseja ser validamente consagrado;


Uma vez provadas as duas alíneas a) e b), também teria de ser demonstrado que ele não pode sequer ser, só por esta razão, um verdadeiro Papa (formaliter).

Ainda não demonstrou, contudo, que nem sequer pode ser "papa" materialiter, ou seja, a pessoa designada para o papado que ainda não aceitou (validamente) essa designação.


Pelo contrário, este caso hipotético seria uma ilustração perfeita da tese chamada Tese de Cassiciacum: isto é, explicaria, a título de exemplo, como uma pessoa eleita para o papado ("papa" materialiter) não pode ser verdadeiro papa (formaliter) devido a um obstáculo colocado por uma intenção contrária que também pode ser retraída e não está, em si mesma, ligada à heresia da pessoa eleita.

Na verdade, o argumento nem sequer mostra que Joseph Ratzinger não é um verdadeiro Papa (formaliter), desde então:


a) Até um leigo, a fortiori um padre, pode ser verdadeiro Papa se ele aceita a eleição (Pio XII);


a1) Não está, contudo, provado com absoluta certeza que Joseph Ratzinger não foi validamente consagrado bispo;


b) E em qualquer caso, mesmo que se demonstre com absoluta certeza que a sua consagração episcopal foi inválida porque foi feita no rito reformado, não se pode demonstrar que ele sabe, acredita e pensa que não é bispo, e por isso recusa, em princípio, ser consagrado bispo católico.


De facto, repitamos, para Pio XII não é o facto de não ser consagrado Bispo que invalida a aceitação do eleito ao papado (diz-se o contrário: um não Bispo é imediatamente Papa) mas a intenção de não ser sagrado Bispo. Se, portanto, apesar da intenção de ser bispo, o Papa não é de facto um bispo (no que diz respeito ao poder da ordem), ele é verdadeiro e legitimamente Papa; não tem, de facto, uma intenção contrária à que Pio XII declarou necessária para aceitar a eleição.


Agora, a alínea a) é explicitamente ensinada por Pio XII. O ponto a1) é facilmente demonstrado: a Igreja ainda não se pronunciou oficialmente sobre a validade do novo rito do sacramento da Ordem Sacra (como Leão XIII fez com as ordenações anglicanas, pondo fim a qualquer discussão sobre o assunto).

Quanto ao ponto b), como é possível saber se, no fórum interno, Ratzinger é convencido da invalidade do novo rito e sabe que é um impostor, ou pelo contrário, está convencido da validade das suas ordens sagradas? Isto quando até os "tradicionalistas" de Avrillé ou Ecône dizem estar convencidos da validade da sua ordenação episcopal? Não temos argumentos certos, e não meramente conjectural, a este respeito.


A Sodalitium está convencida de que Ratzinger não é o verdadeiro Papa (formaliter) e também que isto está provado, mas pensa que não é esse o caso, o argumento baseado na invalidez da consagração episcopal de Bento XVI é um falso argumento, que não prova, pelo que deve ser posto de lado.


Uma objecção ad hominem: para Mons. Guérard este "papa" seria "um extra".


O que dissemos seria oposto, várias pessoas apontaram-nos, a um texto de D. Guérard des Lauriers:

"Tal perpetuação [da hierarquia puramente material] não é, ex se, impossível. Requer, no entanto, certamente consagrações episcopais válidas. E como o novo rito é duvidoso, os ocupantes (da Sé Apostólica) em breve não serão mais do que extras" (O Problema da Autoridade e o Episcopado na Igreja).

Alguns totalistas deduzem que se Bento XVI é um extra ele não é sequer "papa materialmente", de modo que a Tese de Cassiciacum entraria em colapso a favor da Sé totalmente vacante. A Sodalitium deve portanto, ou aceitar consistentemente a vacância total da Sé Apostólica, ou reconhecer a legitimidade de Bento XVI, e já não pode mais apoiar a tese materialiter/formaliter.51

Já respondemos a esta objecção neste artigo, bem como num número anterior da Sodalitium (n. 58 p. 41).


O que significa então D. Guérard quando escreve que um tal eleito, duvidosamente consagrado, seria "um extra"?

Notamos que D. Guérard não escreve que um tal eleito deixaria de ser "papa material", mas que seria "um extra", o que não é a mesma coisa.

Já um 'papa materialiter' que afirma ser papa 'formaliter' é, deste ponto de vista, 'um extra', afirmando ter uma autoridade e assistência divina que ele não tem. Sem a consagração episcopal, um tal eleito seria ainda mais um figurante, uma vez que afirmaria ser Bispo de Roma sem o ser, não só no que diz respeito ao poder de jurisdição, mas também o poder de ordem. No entanto, ele continuaria a ser "papa materialiter", pelo menos porque a Igreja não providenciou o contrário em relação à sua eleição, e porque é sempre possível para a pessoa eleita do Conclave remover os obstáculos que o impedem - neste momento - de ser divinamente assistido.


No caso de uma remoção, embora ainda improvável, na intenção de Bento XVI ou um dos seus sucessores, para remover todos os obstáculos, confirmando os irmãos na fé e condenando assim os erros modernos, o problema da reforma litúrgica e a validade dos novos ritos sacramentais surgiria inevitavelmente, e se a Igreja se pronunciasse sobre a invalidade do sacramento da Ordem sagrada e da consagração episcopal conferida com os novos ritos, ou da persistência da dúvida, teria inevitavelmente de ser considerado o Conclave do não consagrado (ou duvidosamente consagrado) como eleito, na devida altura, consagrado (simplismente ou sob-condição), o que supõe, na Igreja, a transmissão válida e lícita do sacerdócio e do episcopado.

D. Guérard, portanto, não quis declarar a Tese de Cassiciacum como estando à beira do esgotamento devido ao facto de os novos ritos do sacramento da Ordem e do episcopado serem duvidosamente válidos, mas apenas - e isto é confirmado por todo o contexto de um artigo a favor das consagrações episcopais sem mandato romano na actual situação de autoridade na Igreja - para argumentar a favor desta necessidade: manter na Igreja não só a válida (que é assegurada pelos ritos orientais), mas também uma transmissão lícita e santa do sacerdócio e do episcopado, para a continuidade da Missão de Jesus Cristo, da hierarquia eclesiástica, da Igreja e do próprio papado (materialiter e, portanto, formaliter).


Com efeito, embora o poder de ordem e o poder de jurisdição sejam verdadeiramente distintos, e por isso possam de facto ser separados; embora existam na Igreja Ordinários que não receberam a consagração episcopal (Abades nullius, Vigários e Prefeitos Apostólicos) mas que têm o poder de jurisdição, e bispos consagrados que não têm jurisdição (como os bispos titulares), permanece no entanto verdade que a hierarquia é uma só, e por isso, normalmente, o bispo une em si o poder de ordem e o poder de jurisdição; e embora o poder de ordem e o poder de jurisdição sejam os mesmos na Igreja; a consagração episcopal não confire ao Bispo consagrado o poder de jurisdição (como afirma o Vaticano II), confere-lhe uma atitude adequada e um certo requisito de jurisdição (4).


Não é impossível, portanto, que alguém tenha (em acto, ou possa ter no poder) o poder de jurisdição sem a ordem episcopal, ou ter a ordem episcopal sem qualquer jurisdição (como também Bispos consagrados sem mandato para continuar a "Missio"); seria impossível, porém, porque ao contrário da constituição divina da Igreja, o episcopado desapareceria completamente na Igreja, tanto em termos de jurisdição (e para este fim é suficiente que haja poder mesmo sem o acto) como em termos de Ordem (para a qual são certamente necessárias consagrações episcopais válidas). Quanto à possibilidade de a pessoa eleita para o papado já não ser materialmente 'papa', D. Guérard des Lauriers tomou cuidado, no artigo citado acima, de dar o critério para afirmar isto:


"A pessoa física ou moral que tem, na Igreja, qualidades para declarar a TOTAL vacância da Sé Apostólica é IDÊNTICA àquele que, na Igreja, tem a qualidade de prover as disposições necessárias para declarar quem ocupará à mesma Sé Apostólica" (Sodalitium, n. 13, p. 20).


A "regra imperiosa e evidente" recordada por Monsenhor Guérard des Lauriers, para que seja declarado que a Sé Apostólica não está ocupada materialmente, certamente não se realizou com a eleição de Bento XVI ou posteriormente;

Na verdade, consiste nisto: o ocupante da Sé Apostólica só deixará de ser 'papa' materialiter quando houver um verdadeiro papa (formaliter), ele próprio ou outro sujeito (eleito por aqueles que, na Igreja, o podem fazer) (5), no seu lugar.

D. Guérard des Lauriers (ibid.) defende que mesmo que se demonstrasse que a eleição do Conclave era inválida (devido a um obex que afectava os eleitores ou os eleitos), esta pessoa eleita continuaria a ser "pelo menos provisoriamente 'papa' materialiter", até que a pessoa física ou moral habilitada na Igreja para o fazer declarasse a nulidade desta eleição. É por isso evidente que, de acordo com o seu pensamento, D. Guérard des Lauriers também sustentaria hoje que Bento XVI ainda é materialmente 'papa'.


Uma possível objecção baseada em prescrições canónicas relativas ao bispo diocesano


Vimos que, no caso do Papa, não há um tempo fixo prescrito no qual será consagrado bispo (no caso do eleito não o ser, é claro).

Os nossos adversários podem ser tentados a aplicar as prescrições do Código de Direito Canónico ao Papa.


O Código de Wojtyla, no cân. 375 § 2, declara que o Bispo recebe o ofício de governar e ensinar na consagração episcopal; em perfeita conformidade com a Lumen Gentium.

O Código de Pio-Beneditino (de 1917), por outro lado, em conformidade com o Magistério da Igreja, prevê que a pessoa eleita para o episcopado se torne efectiva e plenamente o Bispo de um diocese através de uma "provisão ou instituição canónica" (cân. 332§1) recebida do Pontífice Romano (Cuilibet ad episcopatum promotum, etiam electo, presentato vel designato a civili quoque Gubernio,necessaria est canonica provisio seu institutio, qua Episcopus vacantis dioecesis constituitur, quaeque ab uno Romano Pontefice datur").


A consagração episcopal é um acto posterior, que é exercido sobre alguém que já é Bispo, para todos os efeitos, no que diz respeito à jurisdição e ao ensino.

Contudo, o Código estabelece um prazo dentro do qual esta consagração episcopal deve ocorrer:

"Nisi legitimo impedimento prohibeatur, promotus ad episcopatum, etiamsi S.R.E. sit Cardinalis, debet, intra tres menses a receptis apostolicis litteris, consecrationem suscipere, et infra quatuor ad suam dioecesim pergere, salvo praescripto can. 238§2".

(cânone 333)


O Bispo, portanto, se não houver impedimento legítimo, deve ser consagrado no prazo de três meses após a recepção das cartas apostólicas. Mas há mais.

O Canon 2398 prevê, com efeito, que:

"Si quis ad episcopatum promotus, contra praescriptum can. 333 intra tres menses consecrationem suscipere neglexerit, fructos non facit suos, fabricae ecclesiae cathedralis applicandos; et si postea in eadem negligentia per totidem menses perstiterit, episcopato privatus ipso iure manet".


Portanto, se, por sua própria culpa, o novo Bispo não for consagrado no prazo de seis meses ele perde o episcopado pelo próprio facto!


Agora, não é o Papa o Bispo de Roma? E por isso não se pode dizer que Joseph Ratzinger, invalidamente consagrado, seis meses após a sua eleição deixou de ser Papa (se é que alguma vez o foi)?


Esta última tentativa é, no entanto, também infrutífera.


De facto, o que é sancionado pela lei canónica obriga o sujeito, não o legislador, e não diz respeito ao Papa. As leis que regem a eleição do Papa encontram-se na citada Constituição de Pio XII, e não nos cânones do Código de Direito Canónico.


Tanto mais que enquanto o bispo, recebendo a sua autoridade do Papa, o supremo legislador eclesiástico, pode ser privado do mesmo pelo Papa (como no caso do cânon 2398), o mesmo não se pode dizer do Papa que recebe o seu poder de Deus, e não da Igreja ou de uma autoridade humana.


A lei positiva relativa ao bispo diocesano não se aplica, portanto, ao Sumo Pontífice; mas não será possível pensar que o que é prescrito pelo Código é, de facto, é realmente lei divina?


Absolutamente não. O que é prescrito pelo Código é uma medida disciplinar introduzido pelo Concílio de Trento (sessão VII, de reformmatione, c. 9; sessão XXIII, de reformmatione, c. 2). O Concílio pretendia assim erradicar vários abusos relativos à residência do Bispo.


De facto, antes da Reforma Católica, não era raro que um Bispo, muitas vezes pertencente a uma grande família, não residisse na sua diocese e nem sequer recebesse a consagração episcopal, contentando-se com a recolha dos rendimentos da diocese e governando através de Bispos auxiliares que, uma vez consagrados, conferiam confirmações e ordens sagradas.


Entre os numerosos exemplos dos costumes desses tempos, mencionarei o Papa Pio III Piccolomini. Quando foi eleito em 1503, teve de ser sagrado bispo; no entanto, ele tinha sido Bispo de Siena durante 43 anos! Durante estes longos 43 anos Piccolomini, com a permissão do seu tio, o Papa Pio II, tinha sido bispo da sua cidade natal sem ter sido consagrado ou mesmo ordenado sacerdote, substituído nas suas funções sacramentais por um auxiliar. Isto foi certamente um lapso de disciplina, correctamente reformado em Trento, mas este lapso de disciplina não era contrário à lei da época e, portanto, não era em si mesmo, e estritamente falando, contrário à natureza do episcopado, dada a distinção entre ordem e jurisdição. A lei aprovada, portanto, do Código Tridentino é de direito positivo, e não pode ser aplicada ao caso do Sumo Pontífice (6).


Conclusão


Em conclusão, gostaríamos de recordar - com brevidade e clareza - a opinião do nosso Instituto e da nossa revista sobre as questões que têm sido levantadas várias vezes e que discutimos neste artigo:


1) A reforma litúrgica desejada por Paulo VI após o Concílio Vaticano II, com um propósito ecuménico, não pode vir da Igreja Católica e, portanto, da sua autoridade legítima.

2) Por esta razão, os novos ritos do Sacramento da Ordem não gozam das garantias próprias de cada rito da Igreja Católica: santidade, legalidade, validade.

3) Desde que Joseph Ratzinger foi sagrado Bispo com o novo rito, a sua consagração episcopal é duvidosa.

4) Ter recebido a consagração episcopal não é indispensável para ser o Sumo Pontífice (Pio XII). Joseph Ratzinger não é formalmente Papa não porque a sua consagração episcopal seja duvidosamente válida, e nem mesmo porque ele seria formalmente herético, mas porque ele não tem o objectivo e a intenção habitual de alcançar o bem comum da Igreja. Querer aplicar o Vaticano II e as suas reformas é, de facto incompatível com a realização do objectivo da Igreja.

5) Designado para o Supremo Pontificado, Joseph Ratzinger ainda é materialmente 'papa'. *N. do T.: (Hoje não mais, pois renunciou sua designação, porém de igual forma, isto é aplicado a Francisco I, o atual designado ao Pontificado, i.é. papa materialiter)

6) A única autoridade que poderia declarar que Joseph Ratzinger não é materialmente 'papa' seria Igreja, nomeadamente - durante a Sede Vacante - o Colégio dos Cardeais ou o Concílio Geral Imperfeito. N. do T.: (O Concílio Geral Imperfeito só pode ser convocado por bispos com jurisdição, isto é provado no artigo “A Eleição do Papa”.)


A passagem do tempo, e o prolongamento da "crise" que abala a Igreja, longe de tornar obsoleta a tese teológica do Padre Guérard des Lauriers O.P., torna-a ainda mais relevante. O nosso Instituto e a nossa revista permanecem portanto fiéis a esta tese teológica, o que nos permite evitar as graves consequências inerentes às outras opiniões e escolhas, contrárias à Tese de Cassiciacum, que surgiram entre os católicos que queriam permanecer vinculados à Tradição da Igreja, seja ele o sedevacantismo totalista, Lefebvrismo ou a aceitação do Vaticano II (Ecclesia Dei).


A tese de Cassiciacum só se tornará transitória quando, se Deus quiser, ela tiver fim, com a erradicação da heresia modernista, a crise aberta pelo Vaticano II.


Notas

1) F. PIERRE-MARIE, Sont-ils éveques? Ed. du Sel.

2) Don Cekada escreveu quatro artigos sobre este assunto:

1- Absolutamente Nulo e Totalmente vois (2006)

2- Porque é que os novos bispos não são verdadeiros bispos? (2006)

3- Ainda nulo e ainda nulo (2007)

4- Novos Bispos,tabernáculo vazio.


3) O que é evidentemente impossível, tendo em conta que os costumes mudaram várias vezes na história, como se pode ler, entre outros, em Gaetano Moroni, Dizionario di erudizione storico-ecclesiastica Veneza, Tipografia Emiliana, 1842, vol. 16, pp. 305-317. Até ao século X, os eleitos para o Pontificado Romano não eram Bispos, e muitas vezes nem mesmo padres, dado o princípio do princípio da inamovibilidade do bispo. A primeira excepção a esta regra a primeira excepção à regra, com a eleição de Papa Formosus, em 891, que era bispo. Naqueles tempos antigos pensava-se que o reinado do Papa começou com a consagração, mas, deixando de lado a questões de teologia positiva (cf. nota 46 em Sodalitium, n. 59, p. 46) deve-se pensar que no entanto a autoridade papal não deriva da consagração a própria consagração mas - com a aceitação da eleição - do próprio Deus. A imposição abusiva por pelos Imperadores Orientais para comunicar a Constantinopla (ou ao exarca de Ravenna) da eleição antes da consagração atrasou a conclusão do rito sagrado, que foi muitas vezes precedido pela entronização. Os últimos pontífices consagrados após as eleições foram:

Clemente XI em 1700, Clemente XIV em 1769, Pio VI em 1775 e Gregorio XVI em 1831;

todos foram efectivamente consagrados num período de tempo que varia entre cerca de cerca de 4 a 10 dias.


Mas nem sempre foi assim:

João V foi eleito em Março e consagrado em Agosto;

Gelasio II esperou de Janeiro a Março em 1118 (não era sequer padre);

Inocêncio III foi eleito em 8 de Janeiro, ordenado sacerdote em 21 de Fevereiro e bispo no dia seguinte (1198);

Adriano V morreu em 1276, 39 dias após a sua eleição, sem ter sido ordenado sacerdote, mas é considerado por todos como sendo o Papa legítimo, e este parece-nos ser o caso mais marcante. Na realidade, tal como a coroação tem lugar na data escolhida pelo Papa, o mesmo acontece com a eventual consagração.


4) P. RICOSSA, Le consacrazioni episcopali nella situação actual da Igreja, CLS, Verrua Savoia, pp. 38-42; P. RICOSSA, Il Vescovo nel Vaticano II e nel magistero della Chiesa.

Doutrinas em comparação, em Sodalitium, n. 59, especialmente a nota de rodapé 44. De acordo com a Nota previa à Lumen Gentium, a consagração ontologicamente, dá ao bispo o poder de jurisdição, mesmo que não seja livre no que diz respeito ao exercício.



6) Um pequeno pormenor ajuda a compreender que o caso do Papa é bastante diferente da dos outros Bispos.


A Constituição Apostólica do Papa Pio XII

"Vacantis Apostolicae Sedis" de 8 de Dezembro de 1945 prevê no n.º 107 que o novo Pontífice não necessita ser bispo ou mesmo sacerdote, mas deve portanto ser ordenado sacerdote e depois consagrado.

Para o bispo residencial, por outro lado, o Código prevê no cânon 331 § 1, 3°, que o novo Bispo deve ser um padre durante pelo menos cinco anos.

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