Contexto: Este artigo esta sendo publicado para refutar o pernicioso sermão, de um sacerdote aparentemente opinionista (Pe. Leandro Neves), realizado durante a Quinta-feira Maior, i.é, da Semana Santa, de 2022. O mesmo possui caráter dúbio e deveras peculiar, e.g., o referido possui um apostolado supostamente sedevacantista e mantém relação sacramental com o Bispo da Resistência "una cum", Dom Tomás de Aquino, O.S.B..

Introdução.
I- Alguns esclarecimentos sobre a investigação.
II- O fato das sagrações.
III- A validade das sagrações.
IV- Objeções duvidosas.
V- Conclusões.
Respostas às objeções colocadas pela FSSPX.
Bibliografia.
Introdução
R.P. Anthony Cekada
Durante uma conversação com Mons. Lefebvre, em 1980, dei a entender que me preocupava em encontrar algum bispo logo depois de sua morte que pudesse ordenar sacerdotes católicos tradicionais e confirmar nossas crianças.
O Arcebispo – que até então não havia dado indícios de que algum dia consagraria bispos – respondeu-me, discretamente, que este problema também a ele o preocupava e que “Deus providebit” (Deus proveria). E acrescentou – com uma de suas piadas francesas que a cada vez que se resfriava ou espirrava no interior da capela de Écone, a ele quase parecia ouvir aos 80 seminaristas que deixavam de rezar para fazer em silêncio apenas um fervoroso pedido: “Senhor, que viva pelo menos até minha ordenação!”.
Esta divertida história expõe um tema grave. Para nós, católicos tradicionalistas, os sacramentos constituem o centro de nossa vida espiritual e a chave de nossa salvação. Sabemos que se desejamos ouvir Missa, receber a Santa Comunhão, receber a absolvição de nossos pecados e ser fortalecidos com a Extrema Unção, necessitamos de sacerdotes, e é bem sabido que somente os Bispos podem ordenar sacerdotes.
Pois bem, onde podemos buscar um Bispo que ordene sacerdotes católicos tradicionalistas, e garantir desse modo que a Missa latina tradicional siga sendo celebrada em nossos altares?
O laicato e o clero ligado à FSSPX (especialmente os seminaristas ansiosos) já não têm porque preocupar-se. Em 30 de junho de 1988, Mons. Marcel Lefebvre e o Bispo emérito de Campos, Brasil, Antônio de Castro Mayer, consagraram quatro bispos para a FSSPX, ordenaram vários sacerdotes para a congregação e há pouco (em 1991, ano deste trabalho N.D.R.) consagraram um bispo para suceder a Mons. Castro Mayer em Campos.
Os Bispos de Lefebvre restringem seus deveres ministeriais meramente as capelas, e o clero que admitem todas as opiniões teológicas da fsspx sem questioná-las, e que entregam o controle legal de seus bens. Muitos sacerdotes tradicionalistas estão em desacordo com as posturas políticas da fsspx. Assim que dificilmente podemos pensar num bispo de Lefebvre se queremos que as crianças de nossas capelas recebam o sacramento da Confirmação. Menos ainda poderemos encontrar um seminário onde formar o clero que nos sucederá algum dia, e supor tão logo que os bispos de Lefebvre fossem ordenar sacerdotes aos seminaristas que formássemos.
Mas os bispos de Lefebvre não são a única opção. Nos EUA, existem atualmente seis clérigos católicos tradicionalistas comumente conhecidos como bispos “Thuc”, que a diferença dos bispos de Lefebvre, não pertencem a uma única organização. Trabalham com total independência um dos outros como a maioria dos sacerdotes tradicionalistas, ainda que algum deles ajudem-se mutuamente para realizar determinadas tarefas apostólicas.

Mons. Thuc e Mons. Lefebvre no Concílio Vaticano II.
À semelhança dos sacerdotes católicos tradicionalistas, estes seis bispos “Thuc” também formam um grupo aparte. Cinco deles são homens com mais idade, formados e ordenados sacerdotes antes que as desastrosas mudanças pós conciliares fizessem sentir seu impacto; um (mais jovem) recebeu formação tradicional e foi ordenado segundo o antigo rito, muito depois de concluído o Concílio Vaticano II. três, eram sacerdotes diocesanos; três pertenciam a diferentes ordens religiosas. Quatro dos bispos colaboram gentilmente com distintas capelas e clero católicos fora de seu próprio entorno particular; dois deles estão completamente fora, em órbitas distintas. Destes seis bispos, um deles tem fama de notório encrenqueiro, outro não é muito conhecido em nenhum sentido, e os outros quatro (dois deles sagrados há pouco) estão muito bem considerados nos âmbitos onde desempenham seu apostolado, seja pelos seus escritos ou de seu ministério sacerdotal.
Os Bispos “Thuc” norte americanos podem remontar suas sagrações episcopais até um destes homens:
· - Mons. M.L. Guérard de Lauriers, O.P., ex professor da Pontifícia Universidade Lateranense de Roma e do Seminário da FSSPX em Écone, Suiça (N. do Autor: ele foi um de meus professores) e autor da famosa Intervenção Ottaviani (Breve exame crítico do Novus Ordo Missae).

Sagração de Mons. Carmona e Mons. Zamora
· Mons. Moisés Carmona Rivera, sacerdote diocesano procedente de Acapulco, que durante anos disse a Missa Tradicional para numerosos grupos de fiéis de diferentes partes do México.

Mons.Thuc com os já sagrados bispos Mons. Carmona e Mons. Zamora
Em 1981 Mons. Guérard de Lauriers e Mons. Carmona foram consagrados bispos pela mesma pessoa: Monsenhor Pierre Martin Ngo-dinh-Thuc (1984), Arcebispo emérito de Hué, Vietnam.
Sagração de S.E.R. Dom Guérard de Lauriers



Certificado de Sagração de Mons. Carmona.
Mons. Thuc nomeado por Pio XI e consagrado bispo em 1938 – fundou a diocese de Vinh-long e foi nomeado Arcebispo de Hué em 1960. Em 1963 enquanto estava em Roma para assistir ao Concílio Vaticano II, seu irmão, Ngo-dinh- Diem, presidente do Vietnam do Sul, foi destituído a assassinado durante um golpe de estado.

Mons. Thuc e seu irmão Ngo-dinh Diem, presidente do Vietnam do sul.
Ao não poder voltar ao Vietnam e ser marginalizado pelo Vaticano, Mons. Thuc sobreviveu a duras penas como sacerdote assistente em diferentes paróquias dos arredores de Roma. Aparentemente, seu interesse pelo movimento tradicionalista haveria começado em princípios de 1975, quando visitou o seminário de Mons. Lefebvre em Écone, Suíça. O episódio resultou ser uma benção e ao mesmo tempo que não, porque é ali que Mons. Thuc estabelece amizade com o Padre M. Revaz, antigo chanceler da Diocese suíça de Sion e professor de direito canônico no seminário de Écone. Mais tarde, em 1975 o Padre Revaz, convenceu a Mons. Thuc de que a solução para os problemas da Igreja encontrava-se numas supostas “aparições Marianas” em Palmar de Troia, Espanha, e insistiu ao Arcebispo para que sagrasse Bispos destinados aos seguidores de Palmar que desejavam conservar a Missa tradicional. Mons Thuc aceitou e realizou as sagrações em dezembro, mas no ano seguinte repudiou sua vinculação ao grupo de Palmar (1)
Os católicos tradicionalistas que argumentam sobre as ações posteriores de Mons. Thuc dentro do movimento tradicionalista pertenceriam a dois campos contrários. O primeiro grupo canoniza-o, retratando-o como um valente herói que invariavelmente recusou todos os erros da Igreja Conciliar. O segundo grupo o injuria, pintando-o como um pobre velho louco que carecia do estado mental necessário para conferir validamente um sacramento. Ambos grupos estão equivocados. Por um lado, ainda que Mons. Thuc rezasse a Missa Tradicional, dificilmente era outro Atanásio. Suas ações e declarações sobre a situação da Igreja frequentemente eram como as de Mons. Lefebvre, contraditórias e mistificadoras. E também à semelhança de Mons. Lefebvre, aparentemente aceitou um acordo com o Vaticano para depois mudar de opinião.
Por outro lado, os vai e vens teológicos e os erros de juízo prático simplesmente demonstram que determinado Arcebispo (cada um eleja o que desejar) é humano e falível. Isso não prova que haja perdido a capacidade mental mínima que a Igreja requer para administrar um sacramento validamente.
Bom, digressionamos um pouco. Nosso propósito aqui não é repassar as idas e vindas da trajetória de Mons. Thuc senão determinar se os seis bispos “Thuc” dos EUA foram validamente sagrados; isto é, se tem ou não o poder sacramental que todos os bispos católicos possuem para administrar o Sacramento da Confirmação, ordenar sacerdotes que sejam realmente sacerdotes, e sagrar outros Bispos que seja realmente bispos.
Este poder sacramental, denominado Sucessão Apostólica, é transmitido por um Bispo Católico e todos os bispos que ele sagra. Por sua vez, eles (os bispos) transmitirão este poder sacramental a todos os bispos que eles sagrarem, e assim sucessivamente.
Por tanto, para realizar nossa averiguação devemos examinar as sagrações episcopais dos prelados até os quais se remontam os seis bispos dos EUA., e que são Mons. Guérard e Mons. Carmona. Se as sagrações episcopais dos últimos podem-se considerar válidas, então toda a linha de ordens que procedem delas é do mesmo modo válida.
Como demonstraremos a continuação, todos os fatos importantes, os pronunciamentos dos Papas, os canonistas (especialistas em Direito Canônico) e os teólogos moralistas católicos levam a uma única e inevitável conclusão: estamos obrigados a considerar como válidas as sagrações episcopais conferidas por Mons. P. M. Ngo-dinh-Thuc a Mons. M.L. Guérard de Lauriers e a Mons. Moisés Carmona Rivera.
Dado que as sagrações dos Bispos Guérard e Carmona foram válidas, estamos também obrigados a considerar como válida toda linha de ordens que procedem deles, e deste modo, também, sustentar que os sacerdotes ordenados nesta linha são verdadeiramente sacerdotes e que os bispos sagrados nesta linha são verdadeiramente bispos.
I. ALGUNS ESCLARECIMENTOS SOBRE A INVESTIGAÇÃO.
Em 1982 dois norte americanos fizeram sua apresentação nos EUA como Bispos Thuc. As circunstâncias que rodearam sua aparição, dito suavemente, não foram de bom augúrio.
Um deles era um sacerdote, relativamente novo dentro do movimento tradicionalista, e nunca se soube exatamente os detalhes de como ou por que foi escolhido para sagrá-lo bispo. O outro veio saltando obstáculos para alcançar sua Mitra. Como sacerdote, em fevereiro de 1982, ufanou-se por apoiar a João Paulo II. pouco depois, o discurso dos Bispos Thuc e sua linha dura contra João Paulo II começou a difundir-se. Em junho abraçou a posição sedevacantista e em agosto, o outro norte americano o sagrou Bispo.
Dali em diante os dois bispos lançaram-se denúncias, dividiram capelas, pronunciaram “excomunhões”, pretenderam criar dioceses, e por outro lado, iniciaram uma campanha de “siga-me ou morra!”, dessas tão endêmicas dentro do clero tradicionalista.
Em janeiro de 1983 publiquei um extenso artigo no qual expunha estes bastidores, junto com uma semelhante de Mons. Thuc, com defeitos e tudo. Ali não examinava se as sagrações eram válidas, porém comentei que “faria falta investigar um pouco a fim de averiguar o que os teólogos e canonistas consideram como prova suficiente da validade em tal caso (2).
Ante a falta de tal investigação, eu mesmo me inclinei a ver as sagrações como duvidosas. Assim também pensaram meus companheiros sacerdotes do noroeste. Inclusive depois que nos expulsaram da Fsspx em abril de 1983, as atividades dos dois bispos Thuc norte americanos nos deixaram ver que a ideia de cooperar com eles era moralmente impossível. E o assunto adormeceu durante anos.
Em 1985 um de meus colegas, o Padre Donald J. Sanborn, sugeriu que nosso grupo tomasse contato com Dom Antônio de Castro Mayer, bispo emérito de Campos, Brasil, para ver se estaria disposto a ordenar sacerdotes para nós, ou ao menos a dar-nos algum conselho. Este prelado havia adotado uma postura forte contra a Nova Missa e dizia-se que sua postura frente a João Paulo II era muito mais dura que a de Mons. Lefebvre.
R.P. Sanborn/ Mons. Antônio de Castro Mayer
O Padre Sanborn visitou Campos em abril de 1985 e conversou longamente com Mons. De Castro Mayer. Ficou claro que o bispo limitava seu apostolado exclusivamente no Brasil.
Quando o Padre Sanborn mencionou o tema de quem ordenaria a nossos sacerdotes, Mons. De Castro Mayer disse: “recorram a Guérard!”
O Padre Sanborn respondeu que duvidava da validade da sagração episcopal de Mons. Guérard. Mons. Respondeu: “se é válida para Guérard, é válida para mim”. O Padre Sanborn explicou-lhe algumas de suas dúvidas, mas Mons. de Castro Mayer respondeu-lhe: “Guérard é a pessoa mais qualificada do mundo para determinar se a consagração foi válida”.
Em sua volta, o Padre Sanborn propôs que algum de nós investigássemos os princípios que aplicam os teólogos moralistas para determinar se uma sagração é válida. Dado que eu já era cético sobre as sagrações, me ofereci para fazer o trabalho com ele.
A investigação resultou ser uma tarefa formidável. Com o Padre Sanborn passamos, a partir de 1985, pelo menos umas mil horas em bibliotecas de universidades e seminários católicos de todo os EUA, estudando principalmente teologia e secções completas de direito canônico. (3). A conclusão que começou a surgir foi -devo admiti-lo- contrária às minhas expectativas num princípio. Não existem provas “especiais” ou “extras” que a mim permitam dizer que determinada sagração episcopal é válida. Os canonistas e os teólogos consideram uma sagração como fariam em respeito a qualquer outro sacramento. Uma vez que se realizou, se a considera válida e o “peso da prova” (se correspondesse) é responsabilidade daqueles que questionam sua validade.
Em setembro de 1988 o padre Sanborn distribuiu um breve informe interno, num encontro sacerdotal, sobre os princípios teológicos que devem se aplicar. O Padre concluiu que temos que considerar as sagrações como válidas.
Em geral, o informe pareceu-me convincente. Particularmente os comentários feitos pelo Padre coincidiam com o que havia revelado da Bula Apostolicae Curae de Leão XIII.
Houve uma acalorada discussão. Mais tarde, nesse mesmo dia, conversei com o Padre Clarence Kelly, que estava à frente de nosso grupo. Mencionei que o pronunciamento de Leão XIII parecia demolir minhas objeções contra a validade das sagrações (incluída a sua própria). Ele me respondeu: “nós não podemos dizer que as sagrações (dos bispos Thuc) são válidas, ou alguns de nossos sacerdotes quererão associar-se a eles”.
Nesse ponto cheguei à conclusão de que os argumentos contra a validade das sagrações poderiam basear-se em alguma outra coisa que não fossem as normas objetivas da teologia sacramental.
Depois que deixei a fsspx em julho de 1989, o padre Sanborn e eu seguimos comparando as anotações de nossas investigações. O que se segue é o resultado de nossos esforços compartilhados, mas a maior parte do crédito corresponde ao Padre Sanborn, que rastreou as fontes teológicas e os decretos papais com tenaz determinação.
O FATO DAS CONSAGRAÇÕES.
Começamos nossa investigação considerando estas duas simples perguntas:
· - Em 7 de maio de 1981 em Toulon, França, realizou Mons. Thuc o rito de sagração episcopal de Guérard de Lauriers seguindo o rito católico tradicional?
· - Em 17 de outubro de 1981 em Toulon, França, realizou Mons. Thuc seguindo o rito de sagração episcopal de Moisés Carmona seguindo o rito católico tradicional?
A resposta a ambas perguntas é afirmativa.
Mas há que observar que empregamos uma frase inadequada. Perguntamos se Mons. Thuc realizou o rito de sagração episcopal para duas pessoas, em vez de perguntar se as sagrou. Porquê?
· - O acontecimento de um sacramento, isto é, houve cerimônia?
· - A validade de um sacramento, isto é, serviu a cerimônia?
Os canonistas e moralistas, como os padres Capello (4), Davis (5), Noldin (6), Wanenmacher (7), Ayrinhac (8), dão por garantida esta distinção.
Do mesmo modo, os tribunais da Igreja concordaram em legislar sobre a validade de um matrimônio (9) ou de uma ordenação (10). Primeiro os fatos, depois a validade.
Neste capítulo, por tanto, não trataremos o tema da validade (tiveram efeito as consagrações?), senão tão somente a questão do acontecimento (houve uma cerimônia? Realizou o rito Mons. Thuc?).
Não há dúvida de que as sagrações Thuc se realizaram. Mas como alguns sacerdotes tradicionalistas protestaram pelo fato de que as sagrações não foram “provadas” ou “seguras”, ou que não podem ser “reconhecidas”, nos deteremos uns momentos para provar o que é óbvio.
A. Um Limbo Jurídico.
Quando as coisas eram normais na Igreja, era simples comprovar o fato de que se uma sagração episcopal havia se realizado. Alguém se dirigia a alguma autoridade que examinava o detalhe num registro oficial. Se um funcionário eclesiástico autorizado havia assentado a sagração no registro corretamente, o direito eclesiástico a considerava um fato “provado” aos olhos do direito canônico. O mesmo se aplica aos batismos, as confirmações e as ordenações sacerdotais.
Se os registros oficiais se extraviavam ou se acidentalmente se destruíam, se podia tirar outra via. Se levavam as provas a alguém com autoridade -um bispo diocesano ou um juiz de um tribunal do Vaticano- que examinava a evidência e emitia um decreto declarando que fulano de tal havia recebido o sacramento.
Estes funcionários gozavam de um poder legal denominado jurisdição ordinária, uma autoridade que em última instância provinha do Papa, com os fins de ordenar, legislar, castigar e julgar. Parte dessa autoridade consistia no poder de estabelecer aos olhos do direito eclesiástico que um determinado ato sacramental havia sido realizado, para funcionar como contrapartida sacramental no registro de atos.
Em ambos casos -trate-se dos registros oficiais o