top of page

O totalista Don Paladino e a “Tese de Cassiciacum”


Don Francesco Ricossa

Aviso ao leitor

Este livreto faz parte dos escritos que tratam da situação atual da Autoridade na Igreja Católica. Entre aqueles que concordam em rejeitar o Concílio Vaticano II e as reformas que se seguiram existe, de fato, desacordo sobre a situação da autoridade responsável por esse Concílio e por essas reformas. Entre as muitas, há quatro posições principais: a do Abade Georges de Nantes, a de D. Lefebvre, a do Padre M.L. Guérard des Lauriers e a chamada posição “sedevacantista”. O autor deste folheto apoia a solução proposta pelo Padre Guérard des Lauriers(conhecida como Tese de Cassiciacum) e responde aqui a um apoiador da tese “sedevacantista”.

Isto posto, é necessário esclarecer que não é minha intenção fazer uma exposição exaustiva da Tese de Cassiciacum: para aqueles que desejam explorar o assunto com maior profundidade, remeto-vos à bibliografia, onde estão listadas as principais obras a respeito. Também não pretendo apresentar uma refutação direta do sedevacantismo “total”. Como o título deste folheto indica suficientemente, o objetivo destas páginas é responder aos argumentos de um livro escrito por um padre italiano, Pe.Paladino, publicado em francês em Maio de 1999, e intitulado Petrus es tu?.

Mais precisamente, após uma breve exposição dos argumentos de Pe. Paladino, vou examinar apenas o capítulo V (o último), dedicado à Tese de Cassiciacum. Pe. Paladino, que como já disse segue o sistema do "sedevacantismo completo", tenta refutar a tese de Cassiciacum. Quanto a mim, pretendo demonstrar que os argumentos do capítulo V de Petrus es tu? contra a Tese de Cassiciacum são absolutamente infundados. Ao leitor, o juízo final.

Introdução

Em 1997, foi publicado um livro por Les amis du Christ-Roi intitulado L'Eglise Eclipsée?. Os autores do livro não foram mencionados, mas rapidamente se tornaram conhecidos do público em geral: eram o próprio editor, Delacroix (pseudónimo do Sr. Wacogne) e um “padre católico romano” identificado como Padre Francesco Paladino.

Vocação tardia, entrou no seminário de Ecône em 1982 e foi ordenado sacerdote por D. Tissier de Mallerais em 1988. Oito anos mais tarde, foi expulso da Fraternidade São Pio X por suas ideias sedevacantistas. Pe. Paladino conquistou uma certa fama em França na sequência da publicação de L'Eglise Eclipsée?, que foi um grande sucesso junto ao público, graças também às duas emissões da Radio Courtoisie dedicadas a essa obra.

L'Eglise Eclipsée? nasceu da inspiração de um antigo colaborador do Bulletin de l'Occident Chrétien et de Sousla Bannière, Louis-Hubert Rémy (atualmente responsável por Les amis du Christ-Roi), com a intenção inicial de divulgar o conteúdo de uma entrevista dada pelo padre jesuíta Malachi Martin a Olivier Saglio (que atuava em nome de Rémy); depois, o assunto desenvolveu-se até chegar à amplitude conhecida pelos leitores.

Em L'Eglise Eclipsée?, os autores, embora não escondendo de todo a sua posição sedevacentista, não trataram ex professo do assunto; este, no entanto, é o objectivo do novo livro de Pe. Paladino, publicado com seu próprio nome e sempre editado por Delacroix, em Maio de 1999, intitulado Petrus es tu?.

A abundância de citações (que constituem a maior parte do livro em questão) pode induzir o leitor em erro, que pode atribuir a Petrus es tu? um juízo de inquestionável erudição, competência e cientificidade. Mas as citações, para serem úteis, devem estar no devido lugar, colocadas logicamente e corretamente interpretadas! O leitor de Petrus es tu? tem a impressão de ser como um visitante da Emaús do Abbé Pierre: num espaço apertado, um número incrível de cadeiras, armários, livros, pinturas e ferramentas de todos os tipos são expostos a granel, para serem escolhidos pelo comprador: a pessoa astuta talvez encontre um algo de valor no meio de tanta tralha em promoção... Assim, não faltam verdadeiros tesouros em Petrus es tu? (citações interessantes, observações pertinentes), mas são colocados numa grande confusão que torna difícil, em alguns casos, até compreender as ideias do autor (como é o caso, por exemplo, do capítulo IV sobre a infalibilidade).

Sodalitium teria mantido o silêncio sobre esse livro, como sobre o anterior, também devido aos quase vinte anos de amizade que nos ligam ao seu autor; infelizmente, isto não é possível devido ao capítulo V da obra em questão, no qual Pe. Paladino finge responder às objeções hipotéticas que a Tese de Cassiciacum faz (ou faria) à posição de estrito sedevacantismo (apoiado pelo autor); “quem cala,consente", e neste caso não nos é possível calar, nem consentir.

Os primeiros quatro capítulos

Por que submeter a um exame crítico os primeiros quatro capítulos de Petrus es tu? quando quem escreve concorda essencialmente com o que o autor procura demonstrar? Não afirmamos ambos que João Paulo II não é Papa? É claro que sim. No entanto, também se pode defender mal uma boa causa! E isso, em parte, como veremos, é o caso de Petrus es tu?.

No primeiro capítulo (Do Vaticano II a João Paulo II), o autor procura demonstrar que “o Concílio está em ruptura com a Tradição de dois mil anos da Igreja” (p. 23) e que Paulo VI e João Paulo II “professaram uma ‘fé’ não católica, modernista e, portanto, herética” (p. 51). No segundo capítulo (As reações), Pe. Paladino quer provar que todos os “tradicionalistas” admitem que João Paulo II é herege. A prova da sua tese encontra-se, então, no capítulo três, dedicado à questão teológica do Papa herege. Pe. Paladino abraça a opinião de São Roberto Belarmino(tal como ele a entende) e conclui que, sendo um herege, João Paulo II perdeu, pelo fato mesmo, o pontificado (se é que alguma vez o teve). O quarto capítulo é apenas uma "confirmação" do que foi demonstrado acima através do argumento a posteriori "da infalibilidade e da devida submissão ao Papa". Antes de examinar sumariamente os argumentos apresentados nos vários capítulos, devo fazer uma observação preliminar. Pe. Paladino segue a tese sedevacentista não sem, contudo, adotar algumas posições originais (especialmente sobre a infalibilidade). Mais do que de sedevacantismo, com efeito, é preciso falar desedevacantismos e, neste caso, do sedevacantismo de Pe. Paladino. A este respeito, vale a pena notar a atitude em relação a Dom Lefebvre que, em contraste com a oposição dura e digna do autor à Fraternidade São Pio X, é justificável, se não louvável (cf. pp. 6-8, 34, 47, 50, 53-63, 163 etc.). Segundo Pe. Paladino, de fato, Dom Lefebvre, “apesar de expressões muito fortes contra os ‘pontífices conciliares’, nunca chegou explícita e publicamente à conclusão que é necessária, como já sublinhamos na parte introdutória" (pg. 53). Com essas palavras, o autor (influenciado nisso, ao menos parcialmente, por sua 'eminência parda', L.-H. Rémy) deixa claro que “implicitamente” e “privadamente” Dom Lefebvretambém era um sedevacantista, juntando-se assim à curiosa categoria dos “sedevacantistas lefebvrianos”. Asambiguidades e contradições de Dom Lefebvre permitem, com efeito, que tal operação tenha uma aparência de verdade, mas, com justiça, os membros da Fraternidade São Pio X indignam-se contra essa recuperação de DomLefebvre em favor do sedevacantismo, dadas as numerosas tomadas de posição do bispo francês contra o sedevacantismo e os sedevacantistas, que o tornaram o mais formidável e efetivo inimigo da sua posição (bem como da nossa). Dito isto, passemos ao exame de cada capítulo.

Antes de mais nada, é espantoso notar que o autor afirma ter “demonstrado suficientemente” que o Vaticano II “está em ruptura com a Tradição milenar da Igreja” (p. 23) sem fazer uma única citação — apenas uma — do Concílio nas páginas (10 a 23) que ele dedica a essa “demonstração”!. O mínimo que se pode dizer é que o que foi suficientemente demonstrado é a superficialidade do autor neste campo. Quanto a Paulo VI, aprendemos na página 23 que era um espião americano e na página 24 que era um espião russo... Algumas citações significativas de Montini são extraídas dos escritos de Myra Davidoglou, depois voltam aos escritos dos vaticanistas, e assim por diante. A crítica a João Paulo II seria mais fácil, uma vez que o trabalho já foi feito em Lettre à quelques évêquesque, de fato, é abundante mas não fielmente citado (pp. 39-41). Outras citações parecem-nos ser retiradas de escritos de padres da Fraternidade, sem que Pe. Paladinoindique as suas fontes (aludo a Padre Tam).

O segundo capítulo (que trata dos "resistentes") é constituído por amplos excertos de autores "tradicionalistas" (D. Lefebvre, Spadafora, Coache, eu mesmo, de Nantes, a revista Sì sì no no) que falam de "heresia" em relação a João Paulo II (mas será que falam de heresia "formal" ou apenas "material"?). No espírito do autor, isso significa que se deve logicamente concluir, com São Roberto Belarmino, que o Papa herege é deposto ipso facto. É isso que o autor expõe no terceiro capítulo, o coração do seu livro, onde encontra, na sua opinião, a "prova" do sedevacantismo. Mas, com isso, Pe. Paladinonão acrescenta nada de substancialmente novo ao debate, uma vez que retoma e expõe, como ele próprio escreve (p. 93, n. 68) o que Arnaldo Xavier Vidigal da Silveira já expusera. Àquela altura, seu livro reacendeu a paixão pela tese sobre o 'papa herético' (exumada por Padre de Nantes e logo esquecida), mas também levou o sedevacantismo a um beco sem saída, uma vez que a conclusão de da Silveira, defensor da opinião de Belarmino, era que se tratava apenas de uma... opinião, da qual não se podiamdeduzir conclusões certas e vinculativas. Após 25 páginas em favor da opinião (mal compreendida) de Belarmino (da p. 92 à p. 117) e após ter chamado em apoio de sua tesetambém Journet (p. 104, 113-114), que afirma o contrário, Pe. Paladino é obrigado a admitir que não se pode chegar a nenhuma certeza por essa via (p. 117), de modo que a verdadeira “demonstração” de sua tese terá de ser procurada no capítulo IV, que se destinava apenas a “confirmar” (p. 119) o que tinha sido demonstrado anteriormente. Assim, também Pe. Paladino deve recorrer ao caminho inaugurado por Padre Guérard des Lauriers: o da infalibilidade do Magistério e das leis disciplinares da Igreja, contraditos pelos erros do Concílio e do NovusOrdo (a reforma do Código ainda não estava concluída). Aúnica solução possível: a aparente "autoridade" não era a Autoridade. Pe. Paladino hesita sobre o tema da infalibilidade do magistério ordinário universal; isso está em sintonia com certo embaraço da sua parte em relação às críticas ao Vaticano II (já vimos como ele se complica a esse respeito). Assim, tratando da infalibilidade do Concílio (pp. 152-156), escreve que "se nos agarrarmos aos discursos equívocos e ambíguos dos que ocupam posições de autoridade, podemos pensar tudo e justificar qualquer coisa" (p. 153). Há também embaraço e confusão no que diz respeito à infalibilidade do Papa (pp. 123-143 e 164). Enquanto a defende contra a Fraternidade, Pe.Paladino parece limitá-la, na pág. 123, a definições excathedra, identificadas com o Magistério solene, enquanto que a estende (mas sem ter a certeza de que isto seja teologicamente certo) ao Magistério "simplesmente autêntico" (pág. 164). Decerto, ignora que, pelo termo mere authenticum, os teólogos indicam o Magistério não falível! (Pe. Paladino pretendia, evidentemente, referir-se ao magistério ordinário do Papa). Aquilo sobre o que Pe.Paladino está plenamente convencido (e, logo, mais convincente) é a infalibilidade das leis (pp. 143-152) e sobre o dever de obediência ao Papa (pp. 156-163, 165-168; já falando do magistério ordinário, passou insensivelmente da infalibilidade à obediência: cf. pp. 131 e seguintes).

Sobre esses argumentos, já desenvolvidos pelos Cahiersde Cassiciacum, estamos plenamente de acordo e o leitor encontrará (como noutros lugares) referências muito úteis ao Magistério que são absolutamente decisivas para refutar a posição da Fraternidade de São Pio X.

Quinze objecções. Mas feitas por quem?

Mas cheguemos ao último capítulo, aquele que nos interessa. O quinto capítulo (pp. 169-197) intitula-se: “Resposta às objeções”; uma breve introdução refere-se exclusivamente à Tese de Cassiciacum: “Mons. Guérarddes Lauriers, e outros sacerdotes que o seguem, defendem uma tese conhecida como Tese de Cassiciacum. Estes sacerdotes fazem muitas objeções aos alegados sedevacantistas" (p. 169). Estas palavras são imediatamente seguidas de 15 objeções (sem qualquer ordem ou ligação entre elas), seguidas das respostas de Pe. Paladino. O leitor é assim levado a acreditar que as 15 objeções refletem todas as posições de D. Guérard e dos seus discípulos. De fato, apenas as seis primeiras expõem, bem ou mal, a nossa posição: as outras nove são bastante atribuíveis aos discípulos de D. Lefebvre. Mas o autor não aponta de modo algum a mudança de perspectiva,induzindo, dessa forma, o leitor em erro. Esta é, mais uma vez, uma prova da natureza superficial e confusa desse livro. Dito isto, passemos à primeira objeção.

Ser herege. Ser declarado herege. Para Pe. Paladino é a mesma coisa...

“João Paulo II não pode ser declarado herege formal, mas apenas um herege material, porque não se pode declararninguém herege formal sem antes ter feito uma monição”. Esta é a primeira objeção que a Tese faria ao "sedevacantismo" de acordo com Pe. Paladin (p. 169) (na verdade, ele não apresenta corretamente a nossa posição).Pe. Paladino pensa triunfar respondendo com uma (desnecessariamente) longa citação do D.T.C. (Dictionnaire de Théologie Catholique, col. 2222 e 2243). A “prova” do que ele gostaria de demonstrar pode ser encontrada após uma página e meia de citação não ad rem; “na coluna 2222”. Nela, escreve Pe. Paladino, “o autor diz explicitamente que uma monição canónica não é necessária: ‘...esta oposição deliberada ao Magistério da Igreja constitui a pertinácia, que os autores exigem para que haja um pecado de heresia (...). É preciso observar com Gaetano (...) e Suárez (...) que esta pertinácia não inclui necessariamente uma longa obstinação por parte do herege e monições recebidas da Igreja". Triunfante, Pe. Paladino acrescenta: "todos os autores repetem a mesma coisa e ninguém, tanto quanto sabemos, afirma que a monição canônica é necessária para considerar alguém como herege formal" (p. 171). Pe. Paladino não percebe que não compreendeu o texto que cita. O D.T.C. fala do “pecado da heresia”, para o qual (pertinazmente, isto é, formalmente) não é necessário uma monição canônica por parte da Igreja. Sobre isto, Pe. Paladino e a Tese deCassiciacum estão em perfeito acordo com o D.T.C. e entre si! Por outro lado, o padre faz o D.T.C. dizer o que não diz: que uma monição canônica não seria (nunca) necessária “para considerar alguém um herege formal” e “para poder afirmá-lo" (pg. 171). Pelo contrário, o D.T.C. diz exatamente o contrário, quando, após a frase que citei em negrito, acrescenta: "Uma coisa é a condição do pecado da heresia, outra é a do crime [de heresia], punível pelas leis canônicas...". Pe. Paladino refere-se a estas palavras mas, evidentemente, não as compreende. "Uma coisa é a condição do pecado de heresia": as monições canônicas não são necessárias para ser um herege formal, basta a consistente ‘pertinácia’ em opor-se voluntariamente (e, portanto, conscientemente) ao magistério da Igreja conhecido como tal; "outra coisa é a do crime, punível por leis canónicas": neste caso, a monição canônica, o D.T.C. deixa claro, é necessária. Ora, a disputa entre "sedevacantistas" e "Cassiciacum", entre Pe. Paladino e nós, não diz respeito à condição do pecado de heresia, mas à condição do crime de heresia, ou seja, a condição de poder considerar, afirmar e declarar alguém como "herege formal". Pe. Paladino afirma que, para fazê-lo, uma monição canônica jamais é necessária. Nósafirmamos o contrário; o D.T.C. (e "todos os autores") dão razão à tese e não a Pe. Paladino.

Um exemplo esclarecerá o que acabo de dizer. Fulanomata Sicrano: ora, o homicídio (de uma pessoa inocente) é matéria de pecado. Se Fulano mata Sicranoinvoluntariamente e sem culpa, o pecado é apenas material. Se o fizesse voluntariamente e de forma culposa, o pecado é 'formal'. Fulano seria, formalmente, um assassino. Posso declará-lo como tal? Obviamente, não. A menos que faça uma confissão espontânea, Fulano deve ser presumido inocente até que um tribunal prove a sua culpa, tanto quanto ao fato (ele matou) como quanto ao dolo (queria matar). Então, e só então, posso declarar Fulano um assassino sem correr o risco de ser denunciado por difamação. Claro, posso pessoalmente acreditar na culpa. Posso também possuir provas, para mim suficientes, da voluntariedade daquele omicídio e tomar as devidas precauções. Mas, “legalmente”, eu não posso declarar nada.

Para o crime de heresia, as coisas são análogas. João Paulo II pode exprimir uma proposição contrária ao magistério da Igreja sobre uma doutrina revelada. Ele é pelo menos "materialmente" herege. Se não está consciente de rejeitar o Magistério da Igreja (porque pensa, por exemplo, que ele próprio é o Magistério da Igreja e está convencido de que pode conciliar as suas opiniões com o que a Igreja ensinou anteriormente), ele é apenas "materialmente" herege. Caso contrário, é herético também formalmente. Já pode ser declarado como tal? Obviamente, não. A menos que haja uma confissão espontânea (que não houve), existe legalmente uma "presunção de inocência" no sentido de que não há certeza de que ele se opõe conscientemente ao Magistério da Igreja. E este é o papel das "monições canónicas". Ao recusar estas admoestações (que lhe indicam com a autoridade da Igreja que as suas doutrinas se opõem ao magistério eclesiástico), ele manifesta a sua pertinácia (que talvez já existisse antes, mas não era evidente) e pode ser declarado um "herege formal".

Ao que acabo de dizer, Pe. Paladino objeta: "além disso, é de se notar que a monição canônica é feita por um superior a um inferior, e nunca no sentido contrário. Ora, no nosso caso estamos lidando com um papa, que não tem superior. Portanto, "se não fosse possível afirmar, sem monições canônicas, que um papa é formalmente herege, nós nos veríamos na impossibilidade de reconhecê-lo como tal, uma vez que ninguém tem autoridade para lhe fazer tais monições" (p. 171). Sobre o fato de que ninguém possafazer monições ao Papa suspeito de heresia, transeamus. Para Pe.Paladino é suficiente responder que, segundo a Tese que ele critica, a pessoa a quem devem ser feitas as monições canônicas (hoje em dia, João Paulo II), não é Papa, e portanto não é superior àqueles (cardeais ou bispos com jurisdição) que são chamados a fazer-lhe as referidas monições. Isto confirma que Pe. Paladino não só não compreende o DTC, como tampouco compreende a Tese que pretende refutar.

Resumindo: "monições canônicas" não são necessárias para ser pertinaz e cometer o pecado (formal) de heresia, mas são quase sempre necessárias para verificar e demonstrar (e ainda mais para declarar e punir) tal pertinácia e heresia.

A intenção objetiva de fazer o bem da Igreja

Passemos à segunda objeção sustentada pela Tese: "não é necessário reconhecer a heresia formal do Papa para afirmar que ele perdeu a sua autoridade, pois basta afirmar que ele não tem a intenção objetiva de fazer o bem da Igreja" (p. 172). Seria de se esperar uma explicação dessa posição, que Pe. Paladino pretende refutar, ou pelo menos uma referência às fontes, nos escritos de Guérard des Lauriers, Lucien e Sanborn (este último mais recente e, portanto, de fácil acesso) ( 17 ). Em vez disso, Pe. Paladino cita apenas um folheto de apresentação do Instituto Mater Boni Consilii, que nada mais diz sobre o assunto. Ler as fontes lhe seria útil, porque ele demonstra que não compreendeu — mais uma vez — a Tese que pretende contrapor. Isso fica evidente na sua resposta: "mesmo que se admita que o eleito em conclave não tenha a intenção objetiva de obter o bem da Igreja, se for católico e aceitar o pontificado, recebe imediatamente a assistência do Espírito Santo que o impedirá de o fazer [sic] na sua função de chefe supremo. Pode-se assumir, por exemplo, que Alexandre VI, ao ser eleito de forma simoníaca, tinha a intenção de fazer o seu próprio bem e não o da Igreja...” e, no entanto, era um Papa legítimo (p. 172). Pe. Paladino não distingue suficientemente entre intenção objetiva e subjetiva: no exemplo de Alexandre VI, apresenta a intenção subjetivado Pontífice (fazer o seu próprio bem) e não a intenção objetiva que é expressa nas suas ações. Uma pessoa, por exemplo, pode se casar tendo como principal intenção/fim a beleza ou herança da sua esposa, querendo, contudo, respeitar e de fato respeitando a principal finalidade/bemdo casamento (a procriação e educação dos filhos): a sua intenção objetiva é suficiente para a validade do seu consentimento matrimonial, e os fatos subsequentes irão demonstrá-lo.

Analogicamente, Montini, Luciani ou Wojtyla podem ter tido intenções subjetivamente más ou excelentes no momento de aceitar o pontificado (Deus scit), mas, como as ações habituais subsequentes demostraram desde então, sua intenção não era objetivamente orientada para a obtenção do bem/fim da Igreja que deveriam ter governado.

O seu consentimento estava, portanto, viciado por um obex, um obstáculo, que impediu a comunicação da autoridade por parte de Deus ao eleito do conclave.

Pe. Paladino argumenta contra nós: "não é porque ele faz mal à Igreja que ele não é papa, mas é porque ele não é papa que ele faz mal à Igreja". Afinal de contas, como poderia não fazer o bem da Igreja se fosse assistido pelo Espírito Santo? Se não quer e não faz habitualmente o bem da Igreja, é porque não é assistido pelo Espírito Santo, e isso, porque não é papa". Até este ponto, estamos basicamente de acordo com o padre. Mas, ele continua: "Além disso, se alguém disser que um membro eleito do conclave pode, pela sua má intenção, opor um obstáculo à assistência do Espírito Santo, prometida a Pedro por Nosso Senhor, será admitido que o homem pode condicionar, neste caso, a ação do Espírito Santo". Pe. Paladino não percebe que "o eleito do conclave", quando tem de aceitar a eleição, ainda não é Papa (formalmente) e por isso não tem a assistência do Espírito Santo prometida a Pedro por Nosso Senhor!.

Matéria e forma

"João Paulo II permaneceria papa materialmente, e não formalmente": este é o próprio enunciado da Tese, que Pe. Paladino apresenta como a terceira objeção (p. 173). A distinção entre matéria e forma no pontificado é admitida por Pe. Paladino pela autoridade de Belarmino (que a retoma, de fato, de Caetano: De comparatione..., ano 1511). O que ele nega é a possibilidade de separação entre esses dois elementos: "há distinção" — escreve em negrito — "mas não há separação", citando uma citação de Remer a respeito da matéria prima e da forma substancial (p. 173). Pe. Paladino parece esquecer-se de que há também matéria segunda (composto de matéria prima e forma substancial) e forma acidental, que são certamente separáveis, e que o papado é uma forma acidental, duas verdades que ele próprio reconhece um pouco mais adiante (p. 175) sem se dar conta de que contradiz o que escrevera tão confiantemente na p. 173 .Se for este o caso, então a "prova" dada por Pe. Paladino(com tantas imprecisões) da pg. 173 à 175 desaba, uma vez que entre matéria (segunda) e forma (acidental) há distinção e pode haver separação. Pe. Paladino deve,então, mudar o argumento (sem evidenciá-lo ao leitor): a resposta que ele dá à Tese não se baseia na impossibilidade de separar a matéria da forma, como nos deixa crer na p. 173, mas no fato de que, para ele, Paulo VI e seus sucessores não eram matéria adequada para serem validamente eleitos, na medida em que eram formalmente hereges no momento da eleição. Mas, então, Pe. Paladino já não responde à terceira objeção, mas à primeira: e já demonstramos que a sua posição a esserespeito é insustentável.

Um exemplo astuto? (A analogia com um casamento nulo)

No final de sua resposta à terceira objeção, Pe. Paladinoacrescenta: "para justificar a tese de Cassiciacum, aqueles que a seguem ainda usam a analogia de um casamento nulo. Um casamento é inválido desde o início devido a um vício de forma ou a um impedimento. Assim que os noivos percebem que o seu casamento é inválido, podem recorrer, como último recurso, à Sacra Rota, e a partir desse momento já não devem mais viver juntos, mesmo que o tribunal ainda não tenha reconhecido o seu casamento como inválido. Para entrar num verdadeiro casamento, o tribunal deve reconhecer a invalidade do casamento anterior. Os defensores da tese de Cassiciacum afirmam que, analogamente, o Papa foi oficialmente eleito, mas até a Igreja reconhecer a invalidade da eleição ou a heresia do ocupante da Sé de Pedro, ele deve ser considerado legítimo, mesmo que este último não tenha a autoridade, como um casal casado, que são oficialmente casados mesmo que não possam viver juntos. A comparação é astuta... "(pp. 175-176).

Também aqui, Pe. Paladino não expõe corretamente os nossos argumentos, que comodamente poderia e deveria ter citado. No caso de um casamento nulo por falta de intenção, o casamento é formal e essencialmente nulo, mas é legalmente válido (perante a Igreja) até à sua anulação legal: daí resulta que não só os filhos são legítimos, mas que os cônjuges podem, sem recorrer à Rota, validar seu casamento através de um simples ato interno de consentimento (pode. 1136 § 2), sem reiterar a cerimônia de casamento!

“A comparação é astuta”, escreve Pe. Paladino, “mas isto não significa que duas pessoas casadas invalidamente sejam materialmente casadas. Na verdade, não o são de maneira nenhuma” (p. 176). Porém, a situação desses dois “cônjuges” não é idêntica à de duas pessoas que vivem juntas sem terem realizado os atos externos de um casamento religioso: um casamento é legalmente válido, o outro não; os filhos de um são legítimos, os do outro não; o casamento pode se tornar válido por um único ato interno da vontade num caso, e não no outro; os primeirosnão podem voltar a casar antes da anulação, os outros podem... Portanto, entre a condição de alguém que é validamente casado e a de alguém que não o é de maneira nenhuma, existe uma condição intermédia de alguém que não é casado perante Deus mas que é oficialmente casado perante a Igreja, e, dessa forma, pode tornar-se verdadeiramente casado através de um simples ato de vontade que remove o obstáculo que invalidou o seu consentimento exterior.

Pe. Paladino apoia a Tese de Cassiciacum sem saber? Pe. Paladino e o Conclavismo

Do exemplo "astuto" do casamento, Pe. Paladino admite, contudo, uma verdade: “[...] para que possamverdadeiramente se casar, é necessário um ato oficial que reconheça essa invalidez”. Do mesmo modo, também admite tal ato oficial por parte da Igreja no caso do Papa: “Isto é exactamente o que dizemos sobre o Papa com o canonista Hervé. ‘Então (no caso da heresia do Papa) o Concílio (a Igreja) só teria o direito de declarar a Sé vacante, para que os eleitores habituais pudessem, com certeza, prosseguir com a eleição’ (Th. dogm. Tom. I, p.495). Em todo caso, a Igreja e apenas a Igreja pode fazê-lo, e não qualquer fiel, padre, ou mesmo bispos (176). "

Com estas palavras Pe. Paladino abandona, nesse ponto, o sedevacantismo para abraçar a 'Tese de Cassiciacum'. Ele, de fato, por causa da autoridade de Hervé, defende a necessidade ao menos prática de uma declaração da Igreja ("Concílio geral imperfeito") sobre a vacância da Sé: a mera opinião de fiéis, padres ou bispos (pelo menos aqueles que não fazem parte da Hierarquia) não seria suficiente. Segue-se disso que, se as pessoas privadas não podem declarar a Sé vacante, também não podem prover a eleição de um novo Sumo Pontífice: “a pessoa física ou moral que tem, na Igreja, a capacidade de declarar a Vacância TOTAL da Sé Apostólica — D. Guérardescreveu acerca da nota de apostolicidade — é IDÊNTICA à pessoa que, na Igreja, tem a capacidade de realizar a provisão da mesma Sé Apostólica” . Segue-se que aquele que pode declarar a Sé totalmente vacante tem também o direito de convocar o Conclave. Pe. Paladino e os outros sedevacantistas totalistas precisam ser coerentes: ou devem convocar o Conclave ou então admitir conosco que a Sé está materialmente ocupada. Ora, Pe. Paladino rejeita todo e qualquer "conclavismo" (a posição teórica ou prática daqueles que acreditam que as pessoas privadas poderiam ou deveriam, na atual circunstância de vacânciada Sé Apostólica, proceder a um Conclave para eleger um Pontífice legítimo).

Portanto, tendo compreendido este ponto central da Tese, Pe. Paladino deveria aceitar facilmente os outros, coisa que não faz. A razão para tal atitude parece residir no facto de ele não adotar realmente os argumentos implícitos na posição de Hervé. Aceita esta posição por uma questão de autoridade e não pelo valor intrínseco do argumento: ao rejeitar o "conclavismo", Pe. Paladino admite, porém, os princípios que inelutavelmente conduzem ao "conclavismo". A hesitação do padre a esse respeito é evidente na resposta que dá à oitava objeção: “se o papa perder o seu pontificado, uma nova eleição deve ser realizada”. “Há muitos — responde Pe. Paladino — que dizem que, no caso de que nos ocupamos, uma nova eleição teria de ser realizada. Na verdade, à primeira vista, esta parece ser a única solução” (p. 192). E é, de fato, a única solução de uma perspectiva totalmente sedevacantista. Pe. Paladino inclina-se visivelmente para ela, mas mesmo neste caso é retido pela autoridade de Hervé, novamente citada.

A visibilidade da Igreja

A quarta objeção que Pe. Paladino quer refutar se apoia sobre a visibilidade da Igreja: “os apoiadores da tese de Cassiciacum — escreve — dizem que essa tese deve ser sustentada necessariamente para explicar a sucessão apostólica e a visibilidade da Igreja” (p.176). Na sua resposta, não menciona a questão da sucessão apostólica (voltará a ela na sua sexta objeção) e, em vez disso, dedica as páginas 176-183 à questão da visibilidade. Com efeito, enquanto para os protestantes a Igreja é uma realidade puramente espiritual, invisível (uma vez que consistiria na comunidade dos justos ou predestinados, qualidades que escapam à observação humana), para os católicos é também uma realidade visível e externa, como tal reconhecível por todos. O ditado ubi Petrus, ibi Ecclesiaresume de forma admirável o conceito católico de visibilidade. Isto, naturalmente, coloca problemas aos católicos que se opõem a João Paulo II ou nem sequer o reconhecem, quer sigam D. Lefebvre, D. Guérard ou o sedevacantismo. E Pe. Paladino admite que "a objeção não é trivial": "[...] onde está a Igreja? se o Papa e a Igreja falharam, onde está a Igreja visível? Admitimos que a resposta não é fácil", pelo menos no que diz respeito à visibilidade da Igreja na sua hierarquia (cf. p. 178). A este problema, ele parece dar duas respostas, que, na realidade, respostas não são.

A primeira (p. 177) recorre a dois argumentos: o "segredo de La Salette" e a existência dos fiéis pertencentes ao corpo místico: "parece-nos pertinente, tendo em conta o eclipse da Igreja anunciado pela Santíssima Virgem em La Salette, afirmar que o que resta da visibilidade da Igreja deve ser procurado nos fiéis que preservaram a fé correta. São eles que, hoje em dia, constituem o Corpo de Cristo".

A segunda, que foi amplamente desenvolvida, é um argumento ad hominem contra os objetores, como que para dizer: "se eu não sei o que responder à sua objeção, certamente vocês não se saem melhor ao ter de responder à minha". Consiste em negar, em qualquer caso, que a visibilidade da Igreja possa consistir em João Paulo II e nos bispos que a ele aderem: "hereges e apóstatassemelhantes não podem tornar visível a Igreja a que não pertencem" (p. 180).

Vejamos brevemente o valor das duas respostas.

Quanto à primeira, já demonstrei que não é possível apoiar-se no "Segredo de La Salette" para defender as nossas posições, uma vez que é proscrito e condenado pela Igreja. Por conseguinte, o argumento principal do padre sobre a (in)visibilidade da Igreja desmorona. A visibilidade (e indefectibilidade) da Igreja também não é salvaguardada por "membros fiéis que preservaram a fé correta" se nenhum deles pertencer à Igreja hierárquica.

Pe. Paladino se esforça para eliminar a necessidade (para avisibilidade e a indefectibilidade) do Papa e da Hierarquia: "Livremo-nos, antes de mais nada, de uma ideia inconsistente: não é possível fazer coincidir a visibilidadeda Igreja com a visibilidade do Papa. Numa situação ordinária é verdade que 'Ubi Petrus, ibi Ecclesia', mas se, temporariamente, Petrus desaparecer (...) a Igreja não desaparece porque é indefectível" (p. 178). Certamente, a Igreja é indefectível; mas parte da sua indefectibilidade consiste exatamente na existência ininterrupta dos sucessores de São Pedro (D.S. 3058). A visibilidade da Igreja não coincide com a do Papa, (Pe. Paladinomenciona oportunamente outros elementos visíveis da Igreja) mas a visibilidade da hierarquia eclesiástica com o Papa no topo é certamente o seu elemento principal, de acordo com o axioma que Pe. Paladino diminui: UbiPetrus, ibi Ecclesia.

Pe. Paladino dá alguns exemplos históricos para apoiar a sua posição (a visibilidade do Papa não é necessária para a visibilidade da Igreja): a vacância da Sé após a morte de um Papa (a mais longa durou quatro anos), o Grande Cisma do Ocidente (que durou 39 anos) com três pretendentes ao Trono Papal, a ocupação do trono inglês por João Sem Terra até o regresso do Rei legítimo, a ocupação do trono francês pelos ingleses até à intervenção de Joana d'Arc (pp. 178-179). É fácil responder que não se pode fazer comparação entre estes episódios e a situação atual: durante o Grande Cisma havia um verdadeiro Pontífice legítimo, tal como houve um Rei legítimo para os tronos inglês e francês. Tampouco os períodos normaisde sede vacante são de algum modo comparáveis com a situação atual. "A diferença entre aquela época e a atual, escreve Pe. Paladino, é que àquela altura a sede estava vacante sem estar ocupada por ninguém, enquanto quehoje a sede está igualmente vaga, mas ocupada por um usurpador. Em ambos os casos, a Sé ainda existe. A Sé não foi abolida, não desapareceu. A Sé de Pedro é claramente visível, tal como é claramente visível que aquele que a ocupa está ali para destruir a Igreja por atos que um verdadeiro papa nunca poderia fazer" (pp. 178-179).Infelizmente, Pe. Paladino não compreende outra diferença que existe entre os períodos de sede vacante e o atual! De fato, normalmente, após a morte do Papa, o episcopado subordinado subsiste sempre e os eleitores do Papa subsistem: pelo fato mesmo, a Sé de Pedro subsiste sem qualquer dificuldade, uma vez que há sempre aqueles que podem providenciar a eleição do Papa. A coisa não é tão evidente, na situação atual, para aqueles que abraçam a posição estritamente sedevacentista de Pe. Paladino (a menos que a visibilidade da Igreja resida na cadeira em que o Papa se senta!). Foi a objeção ao sedevacantismo levantada por Mons. Lefebvre para rejeitá-lo, na sua famosa declaração de 8 de Novembro de 1979: "a questão da visibilidade da Igreja é demasiado necessária à sua existência para que Deus a omita durante décadas. O raciocínio daqueles que afirmam a inexistência do Papa coloca a Igreja numa situação inextricável. Quem nos dirá onde está o futuro Papa? Como pode ele ser designado, uma vez que já não existem cardeais?".

Na perspectiva de um sedevacantismo rígido não só não haveria mais cardeais, como tampouco bispos residenciais que poderiam excepcionalmente eleger um Papa num Concílio Geral Imperfeito. Assim, a Igreja hierárquica seria totalmente invisível, aliás, desapareceria (o que é impossível, uma vez que é indefectível, como o próprio padre aponta) e seria assim para sempre (qualquer possibilidade de ter um Papa seria excluída, contra D.S. 3058).

O segundo argumento, como já vimos, pode deixar os adversários desconfortáveis, mas não é uma solução. Pe.Paladino nega que, em todo caso, João Paulo II e os bispos em comunhão com ele possam tornar visível a Igreja Católica. Para demonstrar isso, ele diz que eles nem sequer pertencem à Igreja: como poderiam torná-la visível? Essa afirmação seria correta se ele pudesse demonstrar que são formalmente cismáticos, hereges ou apóstatas. Vimos que não pode. Nem pode, portanto, deduzir que estão (certamente) fora da Igreja. Tem razão, porém, quando escreve (contra a posição da Sociedade de São Pio X): "Segui-los não conduz à salvação, mas à condenação" (p. 181). Nos seus artigos contra o "visibilismo", que definiu como "um erro, um absurdo, um engano, uma desonestidade"(p. 181), Padre Guérardrecordava que a visibilidade serve para reconhecer a Cabeça e o reconhecimento da Cabeça serve para segui-la: ora, nenhum de nós segue, nem pode seguir João Paulo II; a verdadeira "cabeça visível" da Fraternidade, não sendo João Paulo II, como declaram, é D. Lefebvre (e, hoje, D. Fellay).

Em que sentido, então, João Paulo II e os bispos unidos a ele garantem a visibilidade da Igreja hierárquica, dado que não se pode seguir a sua doutrina, obedecer às suas ordens e reconhecer a sua autoridade? João Paulo II assegura a visibilidade da Igreja — pode-se responder —materialiter, sed non formaliter. Deixe-me explicar.

O próprio Pe. Paladino apresenta uma declaração de Padre Goupil como "a boa explicação" do problema (p. 191). Padre Goupil escreve: "Observamos que esta sucessão formal ininterrupta [de Pontífices na Sé de Pedro] deve ser entendida moralmente, e como a natureza das coisas exige: sucessão de pessoas, de modo eletivo, como Cristo a quis e como toda a antiguidade cristã a compreendeu. Esta continuidade não exige, portanto, que entre a morte do antecessor e a eleição do sucessor não haja intervalo, nem que em toda a série de pastores não tenha havido qualquer dúvida; mas com isto pretende-se afirmar ‘uma sucessão de pastores legítimos de tal forma que, mesmo que a sé pastoral esteja vaga ou ocupada por um titular duvidoso, nunca poderá ser considerada como tendo caído num estado de abandono; ou seja, que o governo dos antecessores persiste virtualmente no direito da Sé que está em vigor, sendo sempre reconhecido, e também que persiste na preocupação de eleger um sucessor’ (Ch. Antoine, De Eccl.)".

Pe. Paladino não se dá conta (?) de que esta citação — que ele tanto aprecia — coloca um grande problema para a sua posição. De fato, para que Pedro tenha sucessores ininterruptos no Primado (D 1825; DS 3058) deve haver sempre a preocupação de eleger um sucessor. Mas no sistema de Pe. Paladino esta eleição torna-se impossível, pois, de acordo com a sua posição, todos os bispos e cardeais deixaram a Igreja para fundar uma nova "igreja conciliar" (pp. 6, 9, 10, 21, 53, 56, 136, etc.) e, portanto, não temos ninguém que possa eleger um novo Pontífice (cf. p. 181). Também não se pode invocar o "conclavismo" (posição que Pe. Paladino parece não aprovar), segundo o qual, neste caso (toda a hierarquia teria apostatado), a eleição dependeria dos fiéis, uma vez que nesta hipótese "o governo dos predecessores não persiste virtualmente no direito da Sé": o novo "Papa" eleito não-canonicamente não seria o sucessor legal de Pio XII, mas o iniciador de uma nova série de pontífices (e, portanto, de uma nova Igreja).

Na Tese de Cassiciacum, por outro lado, esta dificuldade éresolvida: embora reconhecendo devidamente que João Paulo II e os bispos unidos com ele não têm autoridade, admite-se que ocupam materialmente as sedes episcopais, o que lhes permite designar um sucessor de Pedro. Neste sentido — e só neste sentido — a visibilidade da Igreja perdura em João Paulo II e nos bispos em comunhão com ele: no sentido, portanto, de que o futuro Pontífice só poderá ser eleito por pessoas que pertençam às fileiras desta "hierarquia" material.

É demasiado tarde para o fim do mundo!

"Alguns dizem que não pode haver interrupção na série de papas, uma vez que Nosso Senhor prometeu estar com a Igreja até o fim dos tempos, por isso, se se admitir que João Paulo II e Paulo VI antes dele não são papas, chegamos ao fim do mundo". E esta é a quinta objeção.Pe. Paladino está visivelmente insatisfeito com a resposta que deu ao problema da visibilidade: percebe perfeitamente que, seguindo um sedevacantismo rigoroso, a Igreja (hierárquica) parece ter desaparecido definitivamente. Assim, em vez de demonstrar que a sua posição não conduz à afirmação de que chegamos ao fim do mundo, mas admite a possibilidade da continuidade da Igreja, escreve: "pensamos que poderíamos responder a isto dizendo que talvez tenhamos chegado, de fato, ao fim do mundo. [...] Se este pensamento for seguido, todas as dificuldades atualmente encontradas para explicar a crise da Igreja desaparecem. [...] Pois, afinal, para que o homem da iniquidade possa amargamente triunfar, é necessário que a Igreja pareça ter sido aniquilada" (p. 183).

De fato, lamento pelo Pe. Paladino, mas a hipótese do fim do mundo não resolve as nossas (e acima de tudo, as suas) dificuldades. Nosso Senhor prometeu que as portas do Inferno não prevalecerão contra a Igreja, porque Ele a sustentará até o fim do mundo. Na hipótese de Pe. Paladino (desaparecimento total — mesmo material — eportanto definitivo da Igreja hierárquica) o fim do mundo está trinta ou quarenta anos atrasado: deveria ter acontecido em 1958 (eleição de João XXIII), em 1963 (eleição de Paulo VI) ou, no mais tardar em 1965 (promulgação do Concílio), enquanto que em 1999 o mundo ainda existe. Mesmo que termine amanhã de manhã, o sedevacantismo totalista não explica estes 30-40 anos sem uma Igreja.

A sucessão apostólica e a permanência material da hierarquia

Nosso autor chega finalmente ao que seria a sexta objeção da Tese de Cassiciacum ao sedevacantismo: "se se diz que João Paulo II não é papa, a sucessão apostólica seria interrompida" (p. 185) (notamos que mais uma vez o leitor é induzido a erro, uma vez que a Tese não afirma que João Paulo II é papa!)

Na realidade, Pe. Paladino pretende refutar um artigo de D. Sanborn, De papatu materiali, que diz ter sido publicado no número 16 da revista Sacerdotium, e no número 46 da revista Sodalitium (sem dar qualquer referência para se ter acesso a essas revistas e verificar o que ele escreve sobre o assunto). Trata-se de um novo engano para o leitor de Petrus es Tu?. O artigo de Sanbornfoi, na verdade, publicado nos números 11 (ano 1994) e 16 (ano 1996) de Sacerdotium, e nos números 47, 48 e 49 deSodalitium (edição italiana, que Pe. Paladino certamente lê), publicados entre maio de 1998 e maio de 1999. Pe.Paladino fala de um artigo, mas refere-se exclusivamente à primeira parte desse estudo (publicado no n. 11 e não no n. 16 do Sacerdotium, como ele diz).

Com efeito, Pe. Paladino parece nunca ter lido a edição original de Sacerdotium, que demonstra não conhecer, e age como se apenas tivesse lido o primeiro dos três números publicados sobre o assunto por Sodalitium.

Contudo, mesmo o tendo lido, será que o compreendeu? Mais uma vez, receio bem que não.

Na primeira parte do seu ensaio, D. Sanborn cita 16 testemunhos de teólogos católicos sobre a distinção entre uma sucessão apostólica formal e uma sucessão apostólica material nas sedes episcopais. Pe. Paladino admite o valor da distinção ("esta distinção é verdadeira", escreve na p. 185), mas nega que ela possa "ser aplicada ao caso do Papa, mesmo analogicamente" (p. 185). De fato, segundo ele, D. Sanborn pretende aplicar essa distinção de forma análoga ao caso do Papa.

O nosso autor não se dá conta de que D. Sanborn não aplica "analogicamente" essa distinção ao caso do Papa, uma vez que a mesma também diz respeito diretamente ao caso do Papa (a distinção fala, de fato, acerca das sedes episcopais, e o Papa está incluso porque ele é... Bispo de Roma! E mais: uma vez que a sucessão apostólica ininterrupta é um critério para encontrar a verdadeira Igreja — que deve possuir a nota de apostolicidade — ascitações a este respeito referem-se eminentemente à Sé Romana).

Outro equívoco: Pe. Paladino acredita que a sucessão apostólica material de que fala D. Sanborn e com a qual os teólogos citados por ele lidam é a que deriva do fato de ter recebido validamente as Ordens Sagradas, pelo que, de consagração em consagração, se remonta necessariamente aos apóstolos. A partir desse ponto de partida errado, ele deduz consequências que nada têm a ver com o nosso problema, incluindo o fato de essa distinção não poder ser aplicada ao caso do Papa!

Quando o Pe. Sanborn (e os autores por ele citados) falam de "sucessão apostólica material", não se referem tanto ao sacramento da ordem, em última análise, desde os apóstolos, mas ao fato de ocupar uma sede episcopal (fundada direta ou indiretamente pelos apóstolos) sem autoridade. Por exemplo, ao dizer que o 'patriarca' de Constantinopla, Bartolomeu, é sucessor material dos apóstolos, não queremos dizer, no nosso caso, que ele tenha validamente recebido a consagração episcopal, mas que ocupa a sede patriarcal de Constantinopla. O mal-entendido em que o autor de Petrus es tu? cai, portanto, o coloca, junto com seus leitores, fora da pista desde o início.

Pe. Paladino argumenta, então, que os autores citados por D. Sanborn, em vez de apoiarem a posição da Tese de Cassiciacum, a negam: "parece-nos — escreve — que estes autores, ao mesmo tempo que confirmam esta distinção [entre sucessão material e sucessão formal] vão bastante contra a Tese de Cassiciacum" (p. 186). A isto se seguem (pp. 186-190) algumas suas observações às autoridades anexadas por D. Sanborn que merecem uma resposta.

Em primeiro lugar, D. Sanborn não argumenta que uma sucessão puramente material é suficiente para que tal sucessor tenha autoridade ou jurisdição: "a sucessão material, seja por eleição legal ou por tomada de posse pela força ou fora da lei, não é suficiente para que haja uma sucessão apostólica legítima, porque a autoridade é a forma pela qual alguém é constituído como verdadeiro sucessor dos apóstolos” . Sobre este ponto, portanto, estamos todos de acordo. Pe. Paladino deve, contudo, concordar sobre outro ponto que é claramente demonstrado por Pe. Sanborn, a saber, que, se a sucessão material não é suficiente, é, no entanto, necessária. O próprio Pe. Paladino aceita e cita, por exemplo, o que Palmieri escreve: "as sucessões (materiais e formais) são ambas necessárias..." (p. 188). E Cercìa especifica: "Cristo prometeu que os sucessores dos Apóstolos existiriam até o fim do mundo, o que demonstra que a sucessão material não pode falhar" . Dessa forma, estes autores esclarecem a afirmação dogmática do Concílio Vaticano I já mencionada: "se alguém disser que não é pela instituição do próprio Cristo Senhor, e portanto pelo direito divino, que o Beato Pedro tenha sucessores sem interrupção no Primado sobre toda a Igreja [...] que ele seja anátema" (Const. Pastor Aeternus, D. 1825). Pe. Sanbornargumentou, com base nos autores acima citados, que a sucessão formal pode ser fisicamente interrompida (quando a Sé se torna vaga), mas que a sucessão material deve ser fisicamente ininterrupta: ou seja, deve sempre haver pessoas legalmente autorizadas a eleger um sucessor de Pedro. É o que sustenta, em outras palavras, Pe. Goupil, citado por Lucien e retomado pelo próprio Pe. Paladino (p. 191), sem perceber que ao aceitar a solução de Goupil (os eleitores legais do Papa devem subsistir) não pode negar a existência de uma sucessão material sobre a Sé de Pedro e as Sé episcopais. Em vez disso, Pe. rejeita explicitamente esta hipótese! Será que se dá conta da contradição?

Tentemos entender porque Pe. Paladino se deixou enganar a este respeito. Veremos, examinando uma de suas objeções que merece uma resposta cuidadosa.

"A fim de justificar sua tese, Pe. Sanborn", escreve, "faz uma distinção entre sucessão material legítima e ilegítima. Atribui o primeiro à hierarquia conciliar e o segundo aos bispos cismáticos orientais. Deve-se lembrar que a sucessão material por si só exclui a legitimidade, como esses autores [citados pelo Pe. Sanborn, a saber, Zubizarreta, De Groot e Berryl] notam tão bem. Não pode haver sucessão materialmente legítima; se a sucessão é apenas material, é necessariamente ilegítima" (p. 187). Pe. Paladino poderia ter sido ainda mais incisivo na sua crítica, citando o próprio Dom Sanborn, que argumenta que "não há sucessão apostólica legítima se não for formal" ; como ele pode, então, falar de uma "sucessão apostólica material legítima" ? Acho que apresentei honestamente a objeção de Pe. Paladino com toda a sua força. Vejamos agora sua fraqueza intrínseca...

Entre os autores citados por Pe. Sanborn na edição 47 de Sodalitium, sete parecem igualar sucessão apostólica material e sucessão ilegítima; são eles: De Groot (p. 5), Van Noort e Berry (p. 6), de la Brière (p. 9), MacGuinnes(p. 10), Hurter e Dorsch (p. 11). Pe. Paladino tem razão, então, ao escrever: "é portanto evidente que a sucessão material e a sucessão ilegítima são a mesma coisa, assim como a sucessão formal e a sucessão legítima são a mesma coisa" (p. 187). Devemos responder categoricamente que não o são.

Com efeito, aquele que tem a posse da sucessão apostólica formal também tem a material (sem esta, não pode ter a outra). Se a frase citada por Pe. Paladino estivesse correta, este sucessor dos apóstolos seria tanto um sucessor legítimo quanto ilegítimo, o que é absurdo. Deve-se concluir daí que, como os outros autores citados (Zubizarreta, Mazzella, Jugie, Cercìa, Iragui, Palmieri, Billot, os padres jesuítas espanhóis...) afirmam, a sucessão material não é de modo algum identificada com a sucessão ilegítima, mas apenas indica a posse da Sé sem a autoridade.

Por que, então, muitos autores parecem identificar a sucessão material com a sucessão ilegítima? Porque, ao tratar dessa questão do ponto de vista apologético-dogmático, querem assinalar que as igrejas cismáticas orientais (a fortiori a anglicana), embora tenham sucessão material, não têm sucessão legítima, devido à cisão e/ou heresia declarada de seus pastores. A ilegitimidade, portanto, da sucessão material (privada do formal) não depende per se desta privação, mas depende da heresia e do cisma que inaugura esta nova linha, rompendo com os antecessores ortodoxos na fé. Ora, no presente caso de Paulo VI e João Paulo II, não há possibilidade, perante a Igreja, de provar que são formalmente — de modo pertinaz — hereges e cismáticos. Já lembramos isso a Pe. Paladino ao responder-lhe nas primeiras páginas. Portanto, sua sucessão na Sé de Pedro, que é apenas material, não pode ser chamada de ilegítima, pelo menos no sentido adotado pelos autores acima mencionados. Se não quisermos fazer uma questão de verbis, e para evitar uma confusão semântica que gera mal-entendidos, podemos bem chamar essa sucessão apostólica material"legal", uma vez que está em conformidade com os cânones da Igreja e não ocorreu por fraude ou força, em vez de "legítima", como propõe Pe. Sanborn (Sodalitium, n. 48, p. 24). Mas, de modo algum, pode-se coincidir o caso de João Paulo II com o de um bispo que rompeu visivelmente com a Igreja: porque esta é precisamente a diferença (trágica) entre a crise atual e as dos séculos passados: que os propagadores do erro não deixaram (pelo menos visivelmente) a Igreja e não foram expulsos dela, mas, pelo contrário, afirmam representá-la e ocupar pacificamente todas as suas sedes.

Do que foi dito, segue-se que Pe. Sanborn não inventou um meio termo entre o legítimo ocupante de uma sé episcopal e o usurpador sic et simpliciter da mesma sé; uma sé pode estar vazia de maneiras diferentes, e não apenas de uma, como recorda o cânon 151 citado por Pe. Sanborn, e ao qual Pe. Paladino não faz, significativamente, a mínima referência.

As outras objeções

Como já observei, as outras objeções às quais Pe. Paladino responde não se baseiam na Tese de Cassiciacum. Portanto, nada direi sobre a sétima, oitava, nona, décima primeira e décima segunda objeções (pp. 192-195). Na décima, ao admitir que "o papa não está sujeito à lei canônica" (p. 193), deveria concluir que, por si só, a lei canônica nada nos diz sobre a vacância da Sé Apostólica, e isto contra a escola "sedevacentista" estrita. Pe. Paladino menciona apenas dois canonistas que apoiam a tese "papa haereticus depositus est", uma tese que, como vimos na resposta à primeira objeção, não nos ajuda a resolver nosso problema. À décima terceira objeção, de sabor lefebvrista ou conciliar, Pe. Paladino responde com um argumentum ad hominem (p. 195). Teria feito melhor emse inspirar (também) no que Lucien escreveu apropriadamente sobre o assunto. Da mesma forma, as respostas à décima quarta e décima quinta objeções (pp. 195-196) são um pouco não-respostas que demonstram não somente a dificuldade de um problema que não é tão fácil quanto o sacerdote afirma, mas a inadequação do sedevacantismo estrito para responder às objeções sobre a vaga da Sé Apostólica...

Pe. Paladino, inimigo involuntário do "sedevacantismo"

Esta é a última, amarga e paradoxal reflexão que brota da leitura de Petrus es tu? Entretanto, não se aplica apenas ao autor deste livro, mas a todos aqueles que tentam apoiar a vaga da Sé Apostólica enquanto rejeitam a Tese de Cassiciacum.

Os adeptos do "sedevacantismo" e os defensores da "Tese" concordam sobre um ponto essencial: a Sé de Pedro, pelo menos desde 1965, não é mais ocupada por um Pontífice legítimo; João Paulo II não goza de autoridade pontifícia e, consequentemente, do carisma da infalibilidade e da assistência divina, com uma consequência prática na liturgia: seu nome não deve ser mencionado no cânon da Missa, ao rezar pelo Papa.

Não obstante este acordo substancial, os partidários do "sedevacantismo" estrito muitas vezes acabam atacando a "Tese de Cassiciacum" e seus apoiadores de forma mais ou menos violenta; Pe. Paladino é apenas o último de uma longa fila. Ao fazer isso, os "sedevacantistas" estritos não percebem que estão lutando contra a própria causa que pretendem defender. Antes de tudo, ao criar uma nova divisão e lutar contra amigos, enfraquecem uma frente já violentamente atacada por aqueles que não compartilham esta posição comum. Em seguida, alegando argumentos inconclusivos para provar que João Paulo II não é o Papa legítimo, fornecem aos adversários uma arma inesperada e eficaz. São Tomás nos lembra: "Se, para induzir a crença, são apresentados motivos que não são cogentes, então nos expomos ao escárnio daqueles que não creem, porque vão pensar que nós confiamos em tais argumentos para crer" (I, q. 32, a., p. 1). Há muito tempo foi demonstrado que nem a tese do "papa herege", nem os argumentos canônicos, nem a bula de Paulo IV, nem os argumentos históricos fornecem a necessária prova indubitável da ilegitimidade de João Paulo que os defensores desta tese devem produzir. Alguns sedevacantistas — não todos, para dizer a verdade — também apresentam argumentos probatórios baseados na infalibilidade do Papa e da Igreja; entre estes, como vimos, Pe. Paladino. Mas não é inútil lembrar que essa abordagem, mesmo quando não a admitem, lhes vem da Tese de Cassiciacum.

E finalmente, e este é o ponto mais sério, ao rejeitar a Tese de Cassiciacum, os "sedevacantistas" estritos se excluem de qualquer resposta coerente com a Fé ou com o bom senso em relação à indefectibilidade da Igreja. Como é possível que a Igreja ainda exista, como Jesus Cristo a constituiu, se toda a hierarquia desapareceu definitiva e totalmente?

A Tese de Cassiciacum dá uma resposta difícil, mas satisfatória a essa objeção. O sedevacantismo estrito, por outro lado, não: invoca o mistério (como faz Pe. Paladino, depois de ter recusado a mesma escapatória aos partidários da legitimidade de João Paulo II), o fim do mundo (?), a morte ou o fim da Igreja para dar lugar a outras realidades (o reino do anticristo, o reino milenar de Cristo, uma igreja espiritual apenas dos fiéis, etc.), ou, rejeitando a apostolicidade da Igreja, procede a uma eleição não-canônica de um "papa" de faz-de-conta ("conclavismo") pontualmente ignorado por todos, incluindo seus "eleitores"... A solução menos ruim, a única ortodoxa, é admitir que não se sabe responder à objeção; mas é evidente que tal resposta não apoia a causa que se quer defender...

Combater a Tese de Cassiciacum, portanto, como faz o amigo Pe. Paladino, é contraproducente para o próprio "sedevacantismo", que assim se priva da única tese sólida para demonstrar a vacância da Sé Apostólica e da única resposta possível para as objeções sérias e temíveis que nos são apresentadas.

Se este for o caso, Pe. Paladino está lutando contra si mesmo e, o que é pior, contra a verdade. Um exame desapaixonado das questões que nos dividem deveria facilmente aproximar este nosso amigo e confrade de nossas posições.

Tudo isso será possível, com a ajuda de Deus, se Ele souber se tornar independente da influência perniciosa daqueles que, acostumados há muito tempo a criar divisões entre os sacerdotes, o utilizam fazendo-o acreditar que estão a seu serviço.

Conclusão

Com esta esperança, chego ao fim do meu trabalho. É um exame crítico do livro de Pe. Paladino: isto significa que sublinhei acima de tudo — se não exclusivamente — suas deficiências e lacunas. Por esta razão, meu texto pode parecer exageradamente polêmico, tanto mais que — devo admitir — Pe. Paladino tentou evitar, tanto quanto possível, a polêmica como um fim em si mesmo. Antes de concluir, parece-me apropriado lembrar que o livro que revisei não é desprovido de aspectos positivos, que muitas de suas observações são pertinentes e que contém uma riqueza de citações que certamente serão úteis. Sua leitura será, portanto, útil para vários leitores, desde que sejam capazes de discernir, neste ensaio, as partes caducas ou errôneas das partes apropriadas. Minha resposta a Pe. Paladino tem a intenção de ajudar nessa obra de necessário discernimento.

Bibliografia

Os leitores que desejarem estudar a Tese Cassiciacum com mais profundidade podem se referir — além das edições de Sodalitium — aos seguintes trabalhos ou artigos:

Obras Gerais

• Mons. MICHEL-LOUIS GUÉRARD DES LAURIERS, Le Siège Apostolique est-il Vacant? emCahiers de Cassiciacum, Etudes de SciencesReligieuses (trimestral), Association Saint-Herménégilde, Nice, n.1, maio de 1979 (outros cinco edições da revista foram publicadas até maio de 1981).

• Mons. MICHEL-LOUIS GUÉRARD DES LAURIERS, Intervista em Sodalitium n. 13, maio de1987.

• Pe. BERNARD LUCIEN, La situation actuelle de L'autorité dans l'Eglise. La Thèse de Cassiciacum, Documents de catholicité, Bruxelas, 1985.

• Mons. DONALD SANBORN, De Papatu Materiali, in Sacerdotium (Instauratio Catholica, Troy, Michigan, U.S.A.), no XI (pars verna 1994) et no XVI (pars verna, no 1996). Traduzido em italiano e em francês por Sodalitium, n. 47-48-49.

• Pe. HERVÉ BELMONT, L'exercice quotidien de la foi dans la crise de l'Eglise, pelo autor, Bordeaux, 1984. O opúsculo foi inserido, revisado e corrigido emBrimborions. Contribution à la vigilance de la foi, Grâce et vérité, Bordeaux, 1990, e traduzido emitaliano: L'esercizio quotidiano della fede, 1996.

Sobre a distinção “materialiter/formaliter” no papado

• Card. THOMAS DE VIO O.P. (Cardeal Caetano), De Paratione Auctoritatis Papæ et Concilii cum apologia ejusdem tractatus (1511), Romæ, apud Institutum Angelicum 1936.

• S. ROBERTO BELARMINO, De Romano Pontifice, L. II, c. 30.

• JOÃO DE SÃO TOMÁS, O.P., Tractatus de auctoritate Summi Pontificis.

Sobre o Concílio Vaticano II e o ensinamento de João Paulo II

Lettre à quelques évêques sur la situation de la sainteEglise et mémoire sur certaines erreurs actuelles, suivis d'une Annexe sur l'opposition entre le ConcileVatican II et I'Encyclique Quanta cura' , SociétéSaint-Thomas-d'Aquin, Parigi 1983.

• Pe. BERNARD LUCIEN, Grégoire XVI, Pie IX et Vatican II. Etudes sur la liberté religieuse dans ladoctrine catholique, Forts dans la Foi, Tours 1990.

Sobre a infalibilidade do Magistério ordinário universal

• ABBÉ BERNARD LUCIEN, L'infaillibilité dumagistère ordinaire et universel de l'Eglise, Association Saint-Herménégilde, Nice, 1984.

• R. P. LOUIS-MARIE DE BLIGNIÈRES, A propos de l'objet du magistère ordinaire et universel, suplemento doutrinal à Sedes Sapientiæ n. 1, Chémeré-le-Roi 1985.

Comments


bottom of page